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A participação de atletas transexuais em competições esportivas

Por Luis Guilherme Krenek Zainaghi

Muito se discute, nos últimos anos, sobre a sexualidade das pessoas em toda a sociedade e também nos esportes. Nessa seara, a participação de atletas transexuais esbarra não em preconceito ou discriminação, mas no conflito entre direitos e princípios.

De um lado temos a igualdade de competição, que ficaria desequilibrada com a participação de atletas naturalmente do sexo oposto. Entretanto, o esporte, e o direito como um todo, têm princípios que impedem qualquer forma de discriminação.

Na história do esporte, esse assunto não é tão novo como se pensa. Foram muitos os casos de atletas transexuais em competições, citando como exemplos os casos Zdenka Koubkova e Mary Weston, além do mais emblemático, Richard Raskind (Renée Richards).

Os direitos da pessoa trans estão intimamente ligados aos direitos da personalidade, pois elas são livres para defender o que lhes é próprio, merecendo a proteção que o Estado concede às minorias.

No esporte são comuns diversos tipos de divisões a fim de equiparar os competidores, criando equilíbrio esportivo, seja por faixa etária, seja por peso, pelo nível dos competidores, seja pela divisão que mais nos interessa neste estudo: pelo sexo.

É notório que existem diferenças físicas entre as categorias, em especial a aqui estudada, pois o homem tem cerca de 30% mais massa muscular que a mulher, resultando em maior potência. Por outro lado, as mulheres têm estrutura corporal mais elástica, favorecendo-as em determinados esportes, como a ginástica.

Evidentemente, a participação de atletas trans em uma categoria esportiva deve obedecer a critérios médicos adequados para que seja evitado um desequilíbrio esportivo com sua participação. Principalmente com relação a níveis hormonais e de massa muscular, principais fatores de desequilíbrio esportivo.

Entretanto, o esporte, por si só, é um instrumento de aproximação entre pessoas e povos, e não de segregação. Esse inclusive é o objetivo das Olimpíadas, conforme se extrai da “Carta Olímpica”:

4. A prática do desporto é um direito do homem. Todo e qualquer indivíduo deve ter a possibilidade de praticar desporto, sem qualquer forma de discriminação e de acordo com o espírito Olímpico, que requer entendimento mútuo, com espírito de amizade, solidariedade e fairplay.
7. Toda e qualquer forma de discriminação relativamente a um país ou a uma pessoa com base na raça, religião, política, sexo ou outra é incompatível com a pertença ao Movimento Olímpico.

No direito brasileiro, temos, também, a adoção de princípio que se harmoniza com a Carta Olímpica, conforme previsão do art. 2º da Lei 9.615/1998:

Art. 2º – O desporto, como direito individual, tem como base os princípios:
[…]
III – da democratização, garantido em condições de acesso às atividades desportivas sem quaisquer distinções ou formas de discriminação.

Assim, percebemos que a participação do atleta trans gera um conflito de princípios: de um lado temos a manutenção do equilíbrio esportivo/igualdade de competição, e de outro o princípio da dignidade da pessoa humana, que não permite a segregação de pessoas em razão do sexo, devendo todos ser tratados igualmente.

Nesse conflito de princípios, entendemos que deve ser respeitada a dignidade da pessoa humana, pois é um dos (se não o) princípios mais importantes de uma sociedade democrática, pois assegura direitos fundamentais a todos.

A pessoa trans não pode ser excluída da sociedade, e lhe deve ser concedida oportunidade idêntica à dos demais cidadãos. Isso inclui a sua participação em competições esportivas, ainda que relativizada (e não excluída) a igualdade esportiva, respeitando-se critérios técnicos e fisiológicos para sua participação, já que a participação de atletas trans deve envolver um estudo médico sobre a questão física daquele atleta.

Por fim, destacamos que, ao se submeter aos tratamentos corretos e lícitos de mudança de sexo, o atleta acabaria ficando com desempenho inferior quando comparado com os adversários de sua categoria natural, impossibilitando-o de competir.

Dessa forma, em que pese possa existir um mínimo desequilíbrio entre os competidores com a participação de atletas transexuais, a sua proibição de participação na categoria com a qual se identificam os afastaria completamente do esporte, em clara ofensa ao princípio da não discriminação e à própria inclusão de pessoas inerente ao esporte.

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Referências
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ZAINAGHI, Luis Guilherme Krenek; Zainaghi, Maria Cristina, A participação de atletas transexuais no esporte e o conflito de Direitos; publicado no IX Encontro Internacional do Conpedi Quito-Equador, 2018. disponível para consulta em: https://www.conpedi.org.br/
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Artigo original publicado no IX Encontro Internacional do Conpedi Quito-Equador, disponível para consulta em: https://www.conpedi.org.br/

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Luis Guilherme Krenek Zainaghi é advogado, mestrando em Direito do Trabalho pela PUC/SP, pós-graduando em Direito Desportivo pelo Instituto Iberoamericano de Derecho Deportivo (IIDD/UNIFIA), membro da Asociación Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de lá Seguridad Social, membro do Instituto Iberoamericano de Derecho Deportivo (IIDD), auditor no Tribunal Disciplinar Paralímpico do Comitê Paralímpico Brasileiro-CPB, autor de artigos jurídicos, coordenador do livro “Relações de Trabalho no Desporto” e coautor do livro “Anotações à Reforma Trabalhista”.

 

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