Por Thaina Pereira dos Santos
O entendimento de que o Direito pode ser visto como um reflexo da sociedade, e como um avanço de lutas e conquistas dos indivíduos ao longo das décadas é pacificado, uma vez que a necessidade de novas proteções e regulamentações surgem na medida em que as demandas da sociedade passam a estar em evidência.
Neste sentido, há de se estranhar a demora pela qual houve a concretização e a centralização dos direitos dos trabalhadores no Brasil, somente advinda em 1943, por meio do Decreto Lei nº 5.452, durante o regime do Estado Novo na chamada Era Vargas. Esta conquista não somente abraçou os trabalhadores de forma geral, como também passou a determinar importante direito para as mulheres: o direito à licença maternidade.
A licença maternidade, de forma rasa, define-se como um período de afastamento das atividades profissionais dado às mães que deram à luz por um período de 120 (cento e vinte) dias, abarcando casos de adoção, guarda judicial para fins de adoção e aborto, período pelo qual a trabalhadora receberá um salário maternidade, sem prejuízo, desta forma, do emprego e do trabalho, à luz da previsão da CLT (artigo 392).
Assim como diversos outros benefícios previstos pela Previdência Social, a licença maternidade deverá atender requisitos mínimos a depender do caso em concreto, por exemplo, em caso de parto, é necessário a presença do vínculo empregatício por meio da carteira assinada e também o pedido com antecedência mínima de 28 (vinte e oito) dias perante a empresa, podendo este benefício ser nos moldes de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, nos moldes do artigo 611 – B, inciso XIII da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
Contudo, esta considerável vitória ainda apresenta notáveis obstáculos no momento de reinserção destas mulheres no ambiente de trabalho frequentados em período anterior ao da licença maternidade, em que acentua-se o machismo já presente nestas esferas de forma ainda mais clara, colocando a capacidade profissional e de conciliação das mulheres entre a vida pessoal e laborativa em cheque.
Dados mostram que, apesar da previsão constitucional de estabilidade pelo prazo de 5 (cinco) meses após o retorno da licença maternidade, 24 (vinte e quatro) meses após darem à luz, quase metade das mulheres encontra-se fora do mercado de trabalho.
Alinhado a isso, outro obstáculo para este guarda-chuva encontra-se ao tratarmos do contrato especial de trabalho firmado com atletas. Primeiramente, faz-se necessário abordar acerca da obscuridade que a Lei Pelé traz ao tratar unicamente do futebol enquanto esporte profissional, com fulcro em seu artigo 94, aduzindo o entendimento de que as demais modalidades não agregam este caráter. Esta disposição condiciona, apesar de exacerbado debate acerca do tema, ao entendimento de que somente os atletas praticantes desta modalidade encontram-se respaldados pela lei, o que vale ressaltar pela pertinência da temática que não necessariamente obriga os clubes pela legislação que sejam firmados contratos com as atletas praticantes de outras modalidades.
A partir disso, retornando ao enfoque principal deste artigo, a ausência deste importante instrumento de regulação caminha em conjunto com a obscuridade para a prestação de determinados direitos, os quais estariam abarcados os profissionais, dentre eles, a possibilidade de licença maternidade com o recebimento do salário-maternidade durante este período.
Esta fragilidade da legislação demonstra não somente uma lacuna no que tange aos demais esportes praticados, mas também um diploma que deixou de considerar uma importante gama de atletas, apesar da discussão sobre esta possibilidade no regulamento da FIFA de que os clubes garantam pelo menos 14 semanas de licença-maternidade, com o pagamento de pelo menos dois terços de salário.
Fatos como estes tornam comum a verdadeira necessidade de escolha que diversas atletas tomam no momento em que decidem ser mães e afastar-se das atividades profissionais, como ocorreu recentemente com a jogadora de vôlei, ex-atleta da equipe do Praia Clube, Fernanda Garay, que decidiu dar uma pausa na carreira para realizar o desejo de ser mãe.
Caso semelhante é da também jogadora de vôlei, Tandara, à época também jogadora do Praia Clube, que ao engravidar sofreu uma redução de seu salário, recebendo apenas 0,5% do previsto contratualmente, e que, em esfera judicial, abarcou grandes questionamentos no que pese o reconhecimento da natureza dos valores percebidos pela atleta advindos do contrato de cessão de imagem e do contrato especial de trabalho.
Não obstante a falta do reconhecimento de vínculo empregatício por meio do contrato especial de trabalho, outra importante pauta para discussão é a saúde da atleta durante e após o período gestacional, haja vista que em esportes de rendimento, existe a necessidade de alto desempenho físico, com o desenvolvimento de atividades que possam vir a ser consideradas como prejudiciais ao desenvolvimento do feto.
Ainda que de forma rasa, importa-se citar algumas medidas entendidas como plausíveis para início da solução da questão, com start na alteração do texto da lei, inclusive também modificações de outras fontes, como convenções e acordos com as categorias dos trabalhadores. No que se refere a lei, tem-se que além de não resguardar diversos direitos, ainda não prevê a inclusão de importantes benefícios, sendo necessário alcançar outros diplomas, dentre eles, o Regulamento da FIFA na esfera do futebol, e demais regulamentos específicos com relação às demais modalidades.
Além disso, é importante frisar a necessidade de que sejam criadas medidas efetivas no retorno destas atletas no mundo do esporte, com atendimento do departamento médico separado e específico que busque a reintegração destas atletas no desporto novamente.
Diante desta breve exposição, tendo em vista a importância e raízes profundas deste tema, inegável que torna-se a afirmativa da necessidade de maiores discussões e enfrentamento desta questão de modo a buscar garantir não somente o direito de liberdade de diversas atletas em estarem presentes na maternidade, como também a conciliação com sua outra grande paixão: o esporte.
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Thaina Pereira dos Santos, Coordenadora do Grupo de Estudos de Direito Desportivo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (GEDD-PUC-SP).
Referências
BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452/1943. Consolidação das Leis do Trabalho.
Disponível em: https://exame.com/casual/fifa-estabelece-licenca-maternidade-para-jogadoras/
Disponível em: https://ge.globo.com/volei/noticia/maes-do-volei-gravidez-planejada-preocupacao-com-a-carreira-e-luta-por-direitos-trabalhistas.ghtml
Disponível em: https://www.lance.com.br/volei/fernanda-garay-confirma-pausa-carreira-pos-toquio-para-ser-mae.html