Por Rafael Marcondes
Enquanto se discute no Congresso os impactos da aprovação das mudanças na legislação que trata dos direitos de transmissão esportiva, isto é, se o Direito de Arena dos clubes depende de anuência das duas equipes participantes do espetáculo ou se é direito exclusivo do mandante, um outro assunto, bastante importante, vem passando por baixo dos holofotes: o patrocínio dos clubes por emissoras de televisão.
Originalmente a Lei Pelé permitia que emissoras de televisão patrocinassem e divulgassem suas marcas nas camisas de times de futebol. Em verdade, a lei era silente sobre esse ponto, não havendo qualquer restrição, tanto que o Fluminense foi patrocinado pelo SporTV em 1996, pela MTV em 1997 e, posteriormente, pela NET.
Porém, em julho de 2000, foi editada a Lei 9.981/2000, que passou a proibir que empresas detentoras de concessão, permissão ou autorização para exploração de serviço de radiodifusão sonora e de e imagens, bem como de televisão por assinatura, pudessem patrocinar entidades de prática desportiva.
A despeito disso, em janeiro de 2001, durante a partida decisiva da Copa João Havelange – o campeonato brasileiro de futebol ocorrido em 2000 que só terminou em 2001 – o Vasco da Gama entrou em campo estampando em seu uniforme a marca da emissora SBT. O clube se aproveitou de uma brecha legal para provocar a Globo, emissora que detinha, à época, os direitos de transmissão de campeonato.A Lei Pelé, no seu artigo 27-A, § 5º, proibia que uma emissora patrocinasse um clube de futebol. No entanto, o SBT não era patrocinador do Vasco e sequer sabia da manobra adotada pelo clube carioca. O presidente vascaíno Eurico Miranda adotou a medida como forma de “cutucar” a cobertura da Globo na partida anterior da sua equipe, contra o São Caetano, em que foram feitas críticas diante da queda de um alambrado que deixou torcedores feridos.
Assim, em 2003, ainda com a provocação do Vasco reverberando, o Governo decidiu acrescentar um parágrafo no artigo 27-A da Lei Pelé para esclarecer que, além de não patrocinar, as emissoras não poderiam nem estampar marcas nas camisas dos times. Ou seja, qualquer manobra como a que o Vasco fez seria passível de punição. A Lei 10.672/2003, que implementou tal alteração, ficou conhecida nos bastidores de Brasília, como a “Lei SBT”.
O Presidente Jair Bolsonaro, devido a diversas divergências com a Globo, declarou guerra à emissora, e como forma de atingi-la, editou a Medida Provisória nº 984/2020 que, entre outras medidas, alterava o artigo 27-A da Lei Pelé, passando a autorizar que empresas detentoras de direitos de exploração de serviço de transmissão fossem autorizadas a estampar suas marcas, canais e programas nos uniformes dos clubes.
A Medida Provisória nº 984/2020 não foi votada dentro do seu prazo de validade de 120 dias e acabou caducando. Porém, esse tema não ficou por aí, a proposta ressurgiu com o Projeto de Lei nº 2.336/2021, que novamente liberou não só o patrocínio, como também que empresas “detentoras de concessão, permissão ou autorização para exploração de serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, bem como de televisão por assinatura”, pudessem simplesmente colocar sua marca nas camisas de times de futebol.
A Câmara dos Deputados, ao examinar a proposta, entendeu que o atual impedimento às empresas detentoras de direitos de transmissão de patrocinarem uniformes de entidades esportivas deveria ser mantido e retirou a disposição prevista originalmente no Projeto de Lei nº 2.336/2021. Seu objetivo, segundo o relator do projeto, Deputado Júlio Cesar Ribeiro, é evitar conflitos de interesse, proibindo-se o patrocínio de emissoras em uniformes esportivos nos jogos adquiridos por suas concorrentes.
Resta saber se a Câmara dos Deputados conseguiu pôr fim a essa guerra, ou se essa foi apenas mais uma batalha de uma luta que parece interminável. Agora vamos aguardar o desfecho do Projeto de Lei nº 2.336/2021 no Senado.
Mas enquanto isso não acontece, deixo uma provocação no ar, o que dizer do São Paulo, que atualmente estampa em sua camisa o patrocínio da Amazon Prime? Haveria uma violação à norma? Estaria o clube sujeito ao disposto no artigo 27-A, § 6º da Lei Pelé, que prevê a eliminação das competições em que o incidente se verificou? E agora? Deixo as respostas para a Justiça Desportiva.
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Rafael Marcondes é professor de Direito Esportivo e Tributário, Doutor e Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP e MBA em gestão esportiva pelo ISDE/FC Barcelona.