Na última semana, o presidente da FIFA, Gianni Infantino, esteve no Brasil para a posse do novo presidente da CBF, Rogério Caboclo. Na ocasião, Infantino afirmou que a chance de ampliação do número de seleções na Copa do Mundo do Catar (de 32 para 48) é de 50%.
A FIFA havia decidido em 2017 pela adoção do novo formato, a ser implantado em 2026. Porém, no início deste ano, publicou um estudo que concluía ser possível o aumento para 48 seleções já na próxima edição, desde que o evento ocorresse em parceria com algum país vizinho, como Arábia Saudita, Bahrein, Kuwait ou Omã. Ainda de acordo com o estudo, essa expansão poderia aumentar em até R$ 400 milhões a receita total do Mundial.
A possibilidade de ampliação da Copa do Catar vem provocando fortes reações de organizações de direitos humanos, preocupadas com a provável escalada de violações de garantias básicas, não só no Catar, como também nesses países vizinhos, sobretudo quanto às condições dos milhares de trabalhadores migrantes nas obras para a Copa.
No mês passado, a Anistia Internacional, em conjunto com outras seis organizações não governamentais, enviou uma Carta Aberta à FIFA alertando para as violações de direitos humanos ocorridas nos países cogitados para sediarem em conjunto o evento de 2022, especialmente relacionadas ao sistema trabalhista exploratório, às discriminações de gênero, orientação sexual, religião, e às restrições à liberdade de associação e de livre expressão.
O objetivo da Carta Aberta é chamar a atenção para que a FIFA observe a sua Política de Direitos Humanos aprovada em 2017, além dos Princípios Orientadores sobre Negócios e Direitos Humanos da ONU.
Mas o que é essa Política de Direitos Humanos da FIFA?
No meu livro “Lex Sportiva e Direitos Humanos: Entrelaçamentos Transconstitucionais e Aprendizados Recíprocos”¹, abordo o processo que levou finalmente à adoção dessa Política pela FIFA. Vejamos um trecho:
“A escandalização gerada pela deflagração dos esquemas de corrupção aliada aos problemas envolvendo violações de direitos humanos, com destaque para a situação dos trabalhadores migrantes no Catar, e a necessidade de retomar a credibilidade da instituição fizeram com que a FIFA tomasse medidas para retomar a sua credibilidade, buscando promover maior democracia, transparência e accountability, e mudando sua postura frente à proteção e promoção de direitos humanos”.
Em dezembro de 2015, a FIFA encomendou ao professor John Ruggie, que já havia participado da elaboração dos Princípios Orientadores sobre Negócios e Direitos Humanos da ONU, um relatório com recomendações a serem incorporadas pela entidade quanto ao respeito e promoção de direitos humanos.
O extenso relatório de Ruggie trouxe 25 recomendações e deu origem à Política de Direitos Humanos da FIFA, publicada em maio de 2017. Essa política traz cinco vertentes a serem observadas: (i) direitos trabalhistas; (ii) direitos de habitação; (iii) combate à discriminação; (iv) segurança nos grandes eventos; e (v) direitos dos atletas.
A FIFA estabelece o compromisso expresso de se articular construtivamente com os Estados para sustentar a sua política de direitos humanos, e a observância de direitos humanos passa a ser critério para a escolha das sedes dos eventos da entidade.
A adoção da Política de Direitos Humanos está diretamente relacionada com a trágica situação vivida nas obras para a Copa do Catar. Em relatório divulgado ainda em 2014, a Confederação Internacional Sindical concluiu que mais de 1.200 trabalhadores já haviam morrido em decorrência das obras para a Copa.
A grande maioria desses trabalhadores é migrante de países como Índia, Nepal e Bangladesh, que, ao chegarem ao Catar, foram submetidos ao sistema trabalhista conhecido como Kafala, por meio do qual ficavam sujeitos à autorização do empregador para realizar diversas atividades, como mudar de emprego ou sair do país.
Os principais problemas enfrentados por esses trabalhadores nesse sistema são (i) práticas de recrutamento enganosas nos países de origem que não indicam as reais condições de trabalho no Catar; (ii) imposição de condições miseráveis de trabalho; (iii) confisco dos passaportes pelos empregadores e negativa de fornecer o visto para saída do país; (iv) atraso ou não pagamento de salários; (v) negativa dos empregadores de fornecer os documentos de identidade dos trabalhadores, expondo-os a riscos de prisão.
Depois de longa pressão de organizações internacionais, a FIFA passou a atuar frente ao governo do Catar por reformas em sua legislação trabalhista, e algumas medidas foram anunciadas pelo governo em 2016.
Agora, com a possibilidade de expansão do Mundial de 2022, a FIFA se vê novamente sob pressão dessas organizações e também de patrocinadores que tiveram a imagem desgastada com as condições da preparação da Copa no Catar.
Hoje, porém, a FIFA terá de encarar a sua própria Política de Direitos Humanos, divulgada em 2017 como um dos marcos da nova gestão. Após a renúncia de Joseph Blatter, essa nova gestão havia formado um Comitê de Reformas para tentar retomar a credibilidade da entidade.
A decisão sobre a expansão da Copa de 2022 para outros países está marcada para o dia 5 de junho. Depois de anunciar o compromisso com os direitos humanos como critério para sediar os eventos, está chegando o momento de fazer valer a palavra.
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¹ “Lex Sportiva e Direitos Humanos: Entrelaçamentos Transconstitucionais e Aprendizados Recíprocos”. Disponível na Editora D´Plácido e na Amazon.