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A prevenção às lesões nos esportes de combate à luz do projeto de Lei Geral do Esporte

Por Rafael Ramos e Elthon Costa

O atleta de MMA Rafael Barbosa estava escalado para enfrentar Jonas Bilharinho pelo cinturão dos penas do evento LFA, em sua edição 126, ocorrida no dia 11 de março no Rio de Janeiro, Brasil. Porém, ele anunciou nas redes sociais sua remoção do card do evento após exames pré-luta detectarem dois aneurismas cerebrais[1].

Caio Portella, membro da CABMMA (Comissão Atlética Brasileira de MMA), responsável pela regulação do LFA e de outros eventos no Brasil, entre eles o UFC, disse que esses exames cerebrais são obrigatórios para todos os atletas escalados para competir em promoções de MMA regulamentadas pela CABMMA no Brasil e podem salvar a vida de um lutador. Portella disse que algumas comissões atléticas nos Estados Unidos não pedem esses testes, e é “importante que os lutadores o façam”[2].

O atleta do UFC e multicampeão mundial da IBJJF Rodolfo Vieira passou por situação similar recentemente, tendo sido vetado do UFC 270 pelos médicos da organização por conta de uma obstrução no cérebro detectada em exames. Caso semelhante ocorreu com outra lenda do Jiu-Jitsu, Rafael Lovato Jr, descartado das competições de MMA no auge de sua carreira devido a uma rara condição cerebral[3].

A questão é que nem todos os eventos fazem exames pré-luta e a maioria das comissões atléticas não exige exames cerebrais e os atletas têm pouca conscientização sobre o quão necessário eles são. Os eventos que não se previnem em relação à saúde dos atletas estão sujeitos à reparação pelo agravamento das lesões que os atletas já carregavam antes de lutar.

A lei 9.615/98 (que institui normas gerais sobre desporto) diz que são deveres da entidade de prática desportiva empregadora, em especial, submeter os atletas profissionais aos exames médicos e clínicos necessários à prática desportiva, e contratar seguro de vida e de acidentes pessoais, vinculado à atividade desportiva, para os atletas profissionais, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos.

A questão é que a lei ainda não considera o lutador de MMA como profissional pela ausência do contrato formal de trabalho com entidade desportiva registrado em entidade de administração nacional da modalidade. Isso permite aos eventos de MMA seguir suas próprias regras em relação aos exames no Brasil. O inciso I do artigo 217 da Constituição Federal garante essa autonomia às entidades desportivas, dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento.

Nesta senda, o projeto de Lei Geral do Esporte[4] possui previsão expressa quanto ao cuidado que eventos esportivos precisam ter com atletas de esporte de combate, uma vez que, segundo o mesmo projeto de lei, o atleta de esporte de combate estaria enquadrado como atleta profissional, uma vez que a grande maioria tem a luta como sua principal fonte de renda, senão vejamos:

“SUBSEÇÃO I DOS ATLETAS

Art. 69. A profissão de atleta é reconhecida e regulada por esta Lei, sem prejuízo das disposições não colidentes contidas na legislação vigente, no respectivo contrato de trabalho ou em acordos ou convenções coletivas.

Parágrafo único. Considera-se como atleta profissional o praticante de esporte de alto nível que se dedique à atividade esportiva de forma remunerada e permanente e que tenha nesta atividade sua principal fonte de renda por meio do trabalho, independentemente da forma como receba sua remuneração.” (grifo nosso)

Desta forma, ainda de acordo com o mesmo projeto de lei, o atleta in casu teria direito à garantia de sua integridade física e à posterior responsabilização do evento pelas eventuais despesas médicas, conforme previsto no projeto de texto legal, in verbis:

“Art. 80. Considera-se como voltada à prática esportiva profissional a organização esportiva, independentemente de sua natureza jurídica, que mantenha atletas profissionais em seus quadros.

Art. 81. São deveres da organização esportiva voltada à prática esportiva profissional, em especial:

I – registrar o atleta profissional na organização esportiva que regule a respectiva modalidade para fins de vínculo esportivo;

II – proporcionar aos atletas profissionais as condições necessárias à participação nas competições esportivas, treinos e outras atividades preparatórias ou instrumentais;

III – submeter os atletas profissionais aos exames médicos e clínicos necessários à prática esportiva;

III – submeter os atletas profissionais aos exames médicos e clínicos necessários à prática esportiva;

IV – proporcionar condições de trabalho dignas aos demais profissionais esportivos que componham seus quadros ou que a ela prestem serviços, incluídos os treinadores e, quando pertinente, os árbitros;

V – promover obrigatoriamente exames periódicos para avaliar a saúde dos atletas, nos termos da regulamentação;

VI – contratar seguro de vida e de acidentes pessoais, com o objetivo de cobrir os riscos a que os atletas estão sujeitos, inclusive a organização esportiva que o convoque para seleção.

Parágrafo único. A organização esportiva contratante é responsável pelas despesas médico-hospitalares e de medicamentos necessários ao restabelecimento do atleta enquanto a seguradora não fizer o pagamento da indenização a que se refere este artigo.” (grifo nosso)

Portanto, caso aprovado o texto legal nos termos transcritos, já teremos previsão expressa da responsabilidade dos eventos de MMA pelas despesas médicas dos atletas contratados, uma vez que os eventos são voltados para a prática profissional, já que dispõe, conforme dita a lei, de atletas profissionais em seus quadros.

A justiça trabalhista já se manifestou no sentido de responsabilizar os clubes de futebol quanto às lesões esportivas ocorridas com atletas profissionais no julgamento do Recurso de Revista n.º 393600-47.2007.5.12.0050, entendendo o relator, Ministro Walmir Oliveira da Costa, que incide a responsabilidade objetiva prevista no Código Civil, segundo o qual, haverá obrigação de reparar o dano independentemente de culpa[5].

Estendendo-se o conceito ao atleta de MMA que, embora não tendo vinculo de emprego formal com o evento, possui em seu contrato várias características que poderiam enquadrá-lo na condição de empregado pelo princípio da primazia da realidade, poder-se-á responsabilizar os eventos pela não-observância dos cuidados básicos com a saúde do atleta.

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo


Elthon Costa é advogado trabalhista e desportivo. É Sócio-Diretor Trabalhista e Desportivo no Todde Advogados e Membro da Diretoria e Pesquisador do Grupo de Estudos e Desporto São Judas (GEDD-SJ) e da Comissão de Direito Desportivo da OAB/DF.

[1]MARINHO, Raphael. LFA 126: Rafael Coxinha é vetado pela CABMMA, e José Delano disputa título com Jonas Bilharinho. Globo, Site, 8 mar. 2022. Disponível em: https://ge.globo.com/combate/noticia/2022/03/08/lfa-126-rafael-coxinha-e-vetado-pela-cabmma-e-jose-delano-disputa-titulo-com-jonas-bilharinho.ghtml. Acesso em: 21 abr. 2022.

[2]CRUZ, Guilherme. LFA fighter Rafael Barbosa to undergo surgery after pre-fight exams detect brain aneurysms. MMA Fighting, Site, 27 mar. 2022. Disponível em: https://www.mmafighting.com/2022/3/27/22995002/lfa-fighter-rafael-barbosa-surgery-brain-aneurysm-mma-return. Acesso em 21 abr. 2022.

[3]RUSSIO, Marcelo; AZEVEDO, Zeca; ALBUQUERQUE, Adriano. Rodolfo Vieira abre o jogo sobre medo de lutar: “Vergonha é mentir”. Globo, site, 13 abr. 2022. Disponível em: https://ge.globo.com/combate/noticia/2022/04/13/rodolfo-vieira-abre-o-jogo-sobre-medo-de-lutar-vergonha-e-mentir.ghtml. Acesso em 21 abr. 2022.

[4]BRASIL. Projeto de Lei nº 68 de 2017. Institui a Lei Geral do Esporte. In: legis.senado.leg.br. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/128465. Acesso em: 21 abr. 2022.

[5]CAMARGO, Aurelio Franco de. A RESPONSABILIDADE DO CLUBE POR LESÃO DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. Empório do Direito, Site, 17 out. 2018. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/a-responsabilidade-do-clube-por-lesao-do-atleta-profissional-de-futebol. Acesso em 21 abr. 2022.

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