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A primeira federação de jiu-jitsu da história e a celeuma Gracie x Gracie (parte 2)

Elthon Costa*

Ricardo Garcia Horta**

Na semana passada, a coluna trouxe a história da criação da primeira federação de Jiu-jitsu do mundo, a FJJRio.

Na segunda parte da série, trazemos uma análise completa sobre todos os litígios judiciais envolvendo Kyra, candidata à presidente da federação e Kenya Gracie, sua tia e atual presidente.

Em decorrência da Ação de Exibição de Documentos[1] proposta por Kyra como forma de expor a real situação da federação, outras ações judiciais trouxeram diversos desdobramentos jurídicos, cumprindo destacarmos algumas nesse sentido.

Acatando pedido de Kyra, decisão judicial ordenou a apresentação da lista de eleitores pela demandada, a FJJRio, tendo a corte reconhecido que independia da condição de filiada (o que a federação alegava que Kyra não era) da demandante o direito de pleitear a exibição[2].

Em dezembro de 2023, em contrapartida à decisão, a defesa de Kenya apresentou manifestação, justificando a impossibilidade de apresentação do documento, já que o estatuto exigiria a participação do eleitor em 3 competições de Jiu-Jitsu (tanto para votar como para ser votado), sendo que as últimas competições ocorreram nos dias 09 e 10 de dezembro de 2023, com cerca de 1.900 participantes, o que denota que efetivamente o lapso para cumprimento fixado, 24 horas, seria por demais exíguo[3].

Ademais, foi deferido segredo de justiça, na forma do art. 189, III do CPC, entendendo o juízo que a lista de filiados não poderia ser acessada publicamente por qualquer pessoa, contrariando o princípio da publicidade processual[4].

Após não ter acesso aos documentos, Kyra apresentou, em dezembro de 2023, nova ação[5], com o objetivo de impugnar o processo eleitoral – prestes a ser realizado – alegando:

I) falta de representatividade da FJJRJ desde 31 de dezembro de 2019 por fraude no processo eletivo que nomeou Kenya à Presidência da Federação;

II) desrespeito às normas do próprio Estatuto por apresentar uma Diretoria com mandato vencido, praticando diversos atos nulos, cuja gestão estava marcada por vícios e ilegalidades, e ainda;

III) o Estatuto apresentar diversas omissões à Lei.

Os pedidos de Kyra consistiram em:

I) extinção do mandato de Kenya Gracie, desde 31 de dezembro de 2019;

II) declaração de nulidade dos atos praticados por Kenya Gracie, a partir de 31 de dezembro de 2019;

III) nomeação de Administrador Provisório até o cumprimento das sentenças e realização de processo eleitoral para a nova Presidência da FJJRio.

Lado outro, a linha da defesa de Kenya foi no sentido de que Kyra não estaria apta a concorrer ao processo eletivo por não estar em concordância com as exigências de filiação à FJJRio. Em outras palavras, Kyra não configurava na condição de filiada e, por força do Estatuto, logo, não poderia concorrer a qualquer processo eleitoral ou mesmo votar. A ação ainda não teve desfecho.

Em 19 de dezembro de 2023, a candidatura de Kyra foi impugnada pela Diretoria da federação, em decisão assinada pela Presidência, sendo requerido que Kyra comprovasse a regularidade de sua filiação nos últimos 4 anos, o que não o fez (ao argumento que, como não pôde ter acesso aos documentos, não pôde suprir a exigência).

Cumpre ressaltar que o Estatuto da Federação previa a realização de eleições até 15 de dezembro de 2023.

Não obstante, em 22 de dezembro de 2023, Kenya Gracie, única candidata na eleição, foi reeleita por 48 dos 60 possíveis votos, destacando-se a abstenção de 12 membros[6].

Porém, a celeuma já havia ganho contornos que transcenderam a questão eleitoral da federação.

Antes da eleição, em agosto de 2023, a FJJRio havia publicado vídeos em suas redes sociais acusando Kyra de ser a responsável por uma suposta ameaça proferida pelo árbitro Múzio De Angelis.

Em setembro de 2023, Kenya apresentou ação de Pedido de Explicações em Juízo[7] após alegar ter sido ameaçada por um dos árbitros da FJJRio, supostamente em razão do conflito com Kyra.

Após ciência do MP e interesse de Kenya, foi apresentada Queixa-Crime contra Kyra[8] em 28 de fevereiro de 2024. A defesa de Kyra ainda não se manifestou nos autos, ao passo que o processo se encontra arquivado no momento, por força de certidão emitida pelo juízo ainda no começo de abril de 2024.

A série chega ao fim na próxima semana, quando traremos uma análise dos direitos envolvidos nos litígios e, ao final, algumas reflexões.

Crédito imagem: Getty Images

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* Master in International Sports Law (Instituto Superior de Derecho y Economía – ISDE). Advogado, professor, palestrante e autor e organizador de livros jurídicos. É membro da Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho do Tribunal Superior do Trabalho no Grau Oficial, especialista em Direito Desportivo (CERS), pós-graduado em Direito Processual Civil (Unileya), diretor jurídico do CNB (Conselho Nacional de Boxe), diretor do Departamento Jurídico da CBKB (Confederação Brasileira de Kickboxing), diretor do Departamento Jurídico da WAKO Panam (World Association of Kickboxing Comissions Región Panamericana) e da CBMMAD (Confederação Brasileira de MMA Desportivo). É membro da Comissão Jovem da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD-Lab), membro do núcleo de estudos “O Trabalho além do Direito do Trabalho: Dimensões da Clandestinidade Jurídico-Laboral” (NTADT), da Faculdade de Direito da USP, auditor do TJDU-DF, membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB-DF (2022-2024), membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD) e colunista do website “Lei em Campo” (Coluna “Luta e Desporto”). [email protected].

** Advogado no escritório Garcez e Associados. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC SP) e Mestrando em Direito Desportivo na mesma instituição.

[1] Processo nº 0902361-54.2023.8.19.0001 (44ª Vara Cível da Comarca da Capital/RJ).

[2] Acórdão proferido no Agravo de Instrumento nº 0063546-24.2023.8.19.0000.

[3] conforme decisão de fls. 82/83, de 18/12/2023 – véspera da eleição.

[4] A Constituição da República preceitua, em seu art. 5º, LX, que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.

[5] Ação Ordinária, distribuída sob o nº 0961543-68.2023.8.19.0001 perante a 44ª Vara Cível da Comarca da Capital/RJ.

[6] MOURA, Athos. Kenya Gracie é reeleita Presidente da Federação de Jiu Jitsu do Rio de Janeiro. O Globo, 25 ago. 2023. Disponível em: https://oglobo.globo.com/blogs/panorama-esportivo/post/2023/12/kenya-gracie-e-reeleita-presidente-da-federacao-de-jiu-jitsu-do-rio-de-janeiro.ghtml. Acesso em: 05 de abril de 2024.

[7] Processo nº 0925925-62.2023.8.19.0001 (36ª Vara Criminal da Comarca da Capital/RJ).

[8] Processo nº 0821795-84.2024.8.19.0001 (36ª Vara Criminal da Comarca da Capital/RJ).

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