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A profissionalização da arbitragem no futebol

Há cerca de 15 dias, o Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro (MPT-RJ) emitiu uma notificação à CBF no sentido que a entidade adote medidas visando a melhorar as condições de trabalho dos árbitros de futebol no Brasil, em caráter recomendatório, as quais, ao final, levariam à aclamada profissionalização da arbitragem. A recomendação foi elaborada levando em conta diversas disposições da Lei Geral do Esporte (Lei n. 14.597/2023), especialmente aquelas no sentido de que a arbitragem das competições será independente, imparcial, remunerada e livre de pressões (art. 194), que a escolha dos árbitros para cada partida deve obedecer a critérios objetivos estabelecidos em regulamento (art. 197), além de que o pressuposto legal para a profissionalização seria o exercício da arbitragem como principal atividade remunerada (art. 78, §1º).

Segundo as principais recomendações do MPT, a CBF deve adotar, em 90 dias, algumas providências essenciais, especialmente a criação de regulamento escrito contendo critérios objetivos para a escolha da equipe de arbitragem e do VAR, as condutas dos árbitros passíveis de punição e as respectivas sanções, inclusive o tempo de afastamento (garantido o direito de ampla defesa) e, ainda, a criação de um plano de carreira contendo remuneração negociada com sindicato da categoria, oportunidades e critérios de progressão e a garantia de recebimento de rescisão indenizatória em caso de término do contrato de trabalho.

Todo esse movimento, é preciso frisar, não ocorreu de maneira aleatória. O mesmo ocorre talvez no pior momento histórico da arbitragem brasileira. O ecossistema do futebol é sabidamente um ambiente cercado de falta de educação e de pressões. Todos se sentem no direito de pressionar a arbitragem de maneira desrespeitosa, no melhor estilo “ganha quem grita mais alto”. Treinadores, membros de comissão técnica e atletas em nada contribuem para um ambiente de respeito. Xingam, simulam, ofendem, cercam os árbitros. E depois reclamam quando são ofendidos, xingados e sofrem com as simulações do adversário.

Aliado a isso, é inegável que há problemas relativos à falta de qualidade da arbitragem brasileira, à ausência de critérios mais seguros e transparentes para o julgamento de lances interpretativos e a intervenção do árbitro de vídeo, além de deficiências relativas à tecnologia do VAR utilizado no Brasil, especialmente a baixa confiabilidade das linhas de impedimento. Como se não bastasse, a arbitragem brasileira é culturalmente intervencionista. O bordão “controle de jogo” é comum entre os comentaristas de arbitragem no Brasil, como se a função do árbitro não fosse aplicar as regras de jogo, mas controlar os ânimos e evitar “estragar a partida”. Em nenhum lugar do mundo o VAR é tão requisitado como se analisar todo lance no monitor com lupa e no slow motion fosse necessário, desconsiderando que o jogo de futebol tem sua velocidade e lógica naturais, as quais só o árbitro de campo deveria ser capaz de visualizar. Quem nunca assistiu uma partida de futebol e facilmente percebeu que a violência e os lances faltosos são muito mais tolerados no início das partidas? Que árbitros brasileiros vêm se abstendo de marcar pênaltis e aplicar cartões vermelhos aguardando a chamada do VAR, transferindo sua responsabilidade? Que a excessiva marcação de faltas, especialmente ao final das partidas, parece utilizada para descanso dos árbitros?

A nosso ver, o ambiente do futebol marcado por pressões e falta de educação, aliado ao perfil altamente intervencionista da arbitragem brasileira, tem tornado os árbitros o centro das atenções, o que é uma distorção completa do que deveria ser a vivência do futebol. Vale lembrar a partida disputada na última semana entre Palmeiras e São Paulo, no Allianz Parque, pelo Campeonato Brasileiro, marcada por confusões generalizadas mesmo quando a maior parte das decisões da arbitragem foi acertada. A atmosfera anda tão pesada que os acertos ou desacertos da arbitragem se transformaram em mero detalhe. Parece que sempre haverá confusão! E não estamos aqui fazendo alusão aos campeonatos de várzea, mas às principais competições e divisões do futebol nacional…

Dito isso, a intervenção do MPT é mais que bem-vinda, mas desde que não seja apenas uma resposta aos problemas de qualidade da arbitragem brasileira, como se a profissionalização por si só fosse solucioná-la. Claro que a existência de um plano de carreira pode dar maior tranquilidade e estabilidade pessoal e financeira aos árbitros, garantir repouso remunerado e indiretamente contribuir para uma melhor preparação e dedicação dos profissionais da arbitragem. Porém, repetimos, o problema da arbitragem é cultural, é urgente se despir da cultura da intervenção. Trocar o comando da arbitragem de tempos de tempos, como a faz a CBF, em nada é capaz alterar o quadro, pois os responsáveis são sempre os mesmos ex-árbitros que compartilham da mesma cultura. Nesta seara, um outsider no comando, que compartilhe de outra mentalidade, poderia surtir algum efeito.

Além do mais, apesar de tanto se falar em profissionalização da arbitragem no Brasil, ela já existe. Os árbitros que atuam nas principais divisões do país são remunerados e os de maior destaque ganham bem acima da média do trabalhador nacional. Ou seja, são profissionais. Seriam amadores caso atuassem no regime de voluntariado. De fato, o que falta é um plano de carreira que garanta dedicação exclusiva à atividade, especialmente aos árbitros iniciantes. Isto porque aqueles de maior destaque (muitos integrando os quadros da FIFA) precisam dedicar boa parte do tempo ao descanso, viagens e preparação. Seria simplesmente humanamente impossível a atuação como árbitros de competições nacionais e internacionais e serem professores, bancários ou comerciantes no tempo livre, por exemplo.

Enfim, a nosso sentir, o debate em torno do plano de carreira e profissionalização da arbitragem é urgente, mas precisa ocorrer pelas razões corretas: valorizar e estabilizar a carreira. Apenas indiretamente a referida questão resvala na qualidade da arbitragem, que pressupõe reflexões culturais mais amplas. De qualquer maneira, vale frisar que a notificação do MPT funciona como mera recomendação, especialmente diante da autonomia constitucional das entidades desportivas (art. 217, CF). A mudança precisa partir das próprias entidades, o que torna ainda mais dramática a situação.

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