É inegável que o futebol feminino atravessa um momento muito importante de sua história. A atração de público, a atenção da mídia e o interesse de patrocinadores comprovam a crescente, e merecida, evidência amealhada pelas futebolistas.
Ao se analisar o desenvolvimento do futebol feminino, faz-se oportuno o debate sobre os direitos e deveres das atletas profissionais, destacando-se a maternidade, que lhes é algo natural e exclusivo.
Embora o ordenamento jurídico brasileiro ofereça dispositivos aplicáveis ao contexto da maternidade, o objetivo deste breve estudo é descrever as providências adotadas pela FIFA em relação ao assunto.
Pela Circular nº 1743, de 14 de dezembro de 2020[1], a FIFA publicou as modificações feitas no seu Regulamento de Estatuto e Transferência de Jogadores[2] (“RSTP”, na sigla em inglês) para incluir dispositivos especificamente destinados à maternidade.
De acordo com o artigo 18quater do RSTP, que trouxe as disposições especiais relativas às atletas, restou definido que a validade de um contrato não pode estar condicionada ao fato de a jogadora estar grávida ou engravidar durante a sua vigência, estar em licença maternidade ou estar em gozo de direitos relativos à maternidade.
Nesse contexto, se o clube rescinde unilateralmente um contrato pelo fato de a jogadora estar grávida ou engravidar, estar em licença maternidade ou estar em gozo de direitos relativos à maternidade, será considerado que o clube rescindiu o contrato sem justa causa, presumindo-se que a rescisão ocorreu justamente pela gravidez.
Como consequência da rescisão sem justa causa por iniciativa do clube, a jogadora deverá ser indenizada pelo valor residual do contrato, salvo encontre um novo emprego após a sua dispensa, hipótese em que o valor do novo contrato no período coincidente com a vigência integral do contrato anterior deverá ser deduzido da compensação devida. Em qualquer hipótese, considerando a gravidade da conduta, a atleta receberá indenização adicional correspondente a seis salários mensais previstos no contrato rescindido.
Além das consequências financeiras, os clubes que rescindirem unilateralmente um contrato em razão da gravidez sofrerão sanção desportiva, a saber, o banimento de registro de atletas em âmbito nacional e internacional, por duas temporadas consecutivas.
Em respeito às convenções e acordos coletivos eventualmente existentes nas associações membro, a FIFA prevê que o seu conteúdo deverá prevalecer em relação ao RSTP.
Quando uma atleta engravidar na vigência do contrato, terá o direito de continuar trabalhando desde que isso seja comprovadamente seguro, podendo exigir que o clube faça adaptações ou crie alternativas ao seu trabalho, para proteger a sua saúde e a saúde do feto. Caso seja necessário, a atleta pode ficar sem trabalhar até a sua licença maternidade, que consiste no período mínimo de catorze semanas de ausência remunerada em razão da gravidez, sendo que o mínimo de oito semanas deve ocorrer após o nascimento. O período de licença maternidade pode ser decidido pela atleta, desde que respeite os limites estabelecidos, e o seu salário, durante a licença maternidade, será reduzido em um terço, salvo condições mais benéficas da legislação nacional do domicílio do clube ou de convenções e acordos coletivos aplicáveis.
Após a licença maternidade, a atleta tem o direito de voltar às suas atividades de futebol, recebendo a sua remuneração integral, desde que tenha a segurança atestada por um médico, sendo-lhe garantida a amamentação.
Para proteger os clubes que tenham atletas no contexto da maternidade, o RSTP se ajustou para autorizar a contratação de jogadoras fora do período de registro, ou das “janelas de transferências”, justamente para a substituição de atletas que estejam em licença maternidade. Da mesma forma, as atletas que retornem da licença maternidade não devem encontrar óbices para serem devidamente registradas fora dos períodos de registro.
Como diz a própria Circular nº 1743, de 14 de dezembro de 2020, as modificações introduzidas pela FIFA no RSTP possuem o objetivo de oferecer “condições mínimas relativas à gravidez e à maternidade”, entretanto, não se pode deixar de reconhecer e enaltecer o avanço do regulamento esportivo de aplicação global obrigatória, que coloca assunto tão relevante em evidência, estimulando o necessário debate a seu respeito.
Até a próxima.
Crédito imagem: Reuters
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[1] https://digitalhub.fifa.com/m/10abb49ec09c6744/original/pchzzmjnv5po1vaw8mar-pdf.pdf acessado em 10/10/2022, às 21:22.
[2] https://digitalhub.fifa.com/m/cb37201b05fe8f7/original/Regulations-on-the-Status-and-Transfer-of-Players-July-2022-edition.pdf acessado em 10/10/2022, às 21:38.