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A proteção da integridade e ordem econômica esportiva: a Lei Geral do Esporte e o Direito Penal – 1ª parte

Por Caio Ferraris

As regras, justas e legítimas, não são fins em si mesmas. Buscam, sempre, proteger valores significantes para aqueles que as ditam, como para aqueles que estão sob sua sujeição. Quando seus pais o proibiam de comer chocolate antes do almoço, almejavam garantir uma alimentação saudável para você. Ou quando não o deixavam jogar videogame até tarde, porque sabiam que no outro dia você não conseguiria prestar atenção na aula.

Não é diferente no Estado de Direito, que por intermédio do império da Lei, sujeita seus jurisdicionados a uma série de regras positivas (aquilo que devem fazer) e negativas (aquilo que não podem fazer). Esse é o preço do pacto civilizatório. Vivemos em sociedade e somos regulados a cada instante de nossas vidas.

Assim como em sua casa, seus pais possuíam mecanismos para garantir o respeito às regras postas, como por exemplo punições em caso de descumprimento. Algumas regras, que protegiam interesses menos importantes, tinham castigos mais leves. Outras, por sua vez, mais rígidos. Haviam inclusive mecanismos de gradação da punição: ao extrapolar o tempo no vídeogame, você passaria uma semana, um mês, um ano sem poder brincar novamente.

No Direito, da mesma forma, alguns interesses são protegidos com mecanismos de repressão e prevenção mais leves. Outros, no caso de regras penais, protegem os interesses mais importantes da sociedade e, por isso, a punição aplicada é a pena restritiva de liberdade. Certamente o leitor já percebeu que quando a sociedade ou a mídia querem enfatizar que se trata de regra muito importante, sempre a associam à palavra crime. Beber e dirigir é CRIME.

Se na sua casa as regras eram elaboradas pelos seus pais, no Estado Democrático de Direito seguem um processo rígido de formulação, deliberação e aprovação por representantes eleitos pelo povo. No caso brasileiro, compete exclusivamente à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal inovar, alterar e revogar a legislação penal, determinando quais condutas são consideradas criminosas.

Crimes, nesse contexto, nada mais são do que produtos de política. Política criminal. Como forma de proteger os bens mais caros de nossa sociedade, previstos na Constituição Federal, como a vida, patrimônio, ordem econômica, dignidade, entre outros, o legislador utiliza-se do meio repressivo mais forte do Estado: o Direito Penal.

Assim, não é incomum que Leis reguladoras dos mais diversos setores da sociedade tragam em suas previsões figuras típicas penais. É assim, por exemplo, no Código de Defesa do Consumidor ou na Lei de Falências. E é assim também na recém sancionada Lei Geral do Esporte (LGE).

O esporte é um direito social fundamental, nos termos do art. 3º, §1º, da LGE, seguindo o que já era previsto no art. 217, da Constituição Federal, e dessa forma entendeu o legislador que alguns condutas atentatórias à integridade e ordem econômica desportiva deveriam ser protegidas com seu instrumento mais poderoso.

A LGE não dispõe de maneira exclusiva sobre condutas criminosas no âmbito desportivo. Com efeito, nossa legislação é esparsa e outras figuras delitivas estão previstas em outras Leis, como por exemplo praticar, induzir ou incitar discriminação racial no contexto de práticas desportivas (art. 20, §2º-A, da Lei n.º 7.716/1989).

Contudo, a recém sancionada Lei revogou, alterou e organizou importantes marcos normativos que antes serviam de base para a persecução penal, como por exemplo o Estatuto do Torcedor.

Nesse contexto, esse será o primeiro de quatro artigos que discutiremos as principais figuras penais previstas na LGE: (i) Os crimes contra a ordem econômica esportiva (corrupção privada, crimes contra a relação de consumo em eventos esportivos e crimes contra a propriedade intelectual das organização esportivas); (ii) Os crimes contra a integridade no esporte (manipulação de resultados esportivos); e (iii) Os crimes contra a paz no esporte.

Convido a todos a embarcar nessa jornada.

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Caio Ferraris

Advogado criminalista, sócio-fundador do Fachini, Valentini e Ferraris Advogados. Especialista em Direito Penal e Direitos Fundamentais. Mestrando em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas.

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