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A reorganização do futebol francês no pós-crise dos direitos de transmissão: o papel dos legisladores no processo

Por Fernando Cezar

Desde a última temporada o debate sobre a crise dos direitos de transmissão no futebol francês vem crescendo entre seus principais atores. As consequências da ruptura com o conglomerado de mídia Mediapro e as disputas recorrentes com a rede de televisão Canal+, tradicional parceiro do futebol francês, acenderam um sinal de alerta no setor. No último dia 10 de junho o presidente da DNCG (Direção Nacional do Controle de Gestão), encarregado de fiscalizar as contas dos clubes de futebol profissional, atentou sobre as prováveis consequências desta crise dizendo o seguinte: “Sem um aporte massivo dos acionistas existentes é provável que a maioria dos clubes não sobreviva à temporada 2021-2022”. A crise se soma ao contexto da pandemia e do BREXIT que atualmente já os prejudicam. Ambos impactaram fortemente as receitas da maioria destes clubes, que sempre contaram com o valor proveniente da venda de atletas para fechar seus orçamentos anuais.

Nesse contexto, um painel de discussão reuniu nesta semana um grupo de deputados da Assembleia Nacional francesa com seis dos principais especialistas em economia do esporte do país. O objetivo era debater sobre uma possível reorganização do futebol profissional como resposta aos impactos da crise atual. Dentre os principais pontos discutidos estavam: a transformação nos direitos de transmissão, a pirataria de canais de televisão e streaming, a política de preço dos ingressos, os impostos sobre sites de apostas e também sobre a modernização das competições e uma possível extensão da duração dos contratos de transmissão.

Sobre a transformação atual dos direitos de transmissão o painel desenvolveu a ideia de que a oferta dentro deste mercado é abundante, distribuída de forma desigual e concentrada somente em alguns esportes ou ligas. Ou seja, a demanda está passando por transformações onde cresceu a fragmentação, a mudança nos canais de acesso e o consumo seletivo. O que, segundo eles, faz com que o mercado francês seja cada vez mais direcionado para TV por assinatura ou para plataformas que originalmente foram projetadas para vender outros tipos de produtos e serviços (Canal+ ou Amazon). O que acabou levando para a reflexão clássica sobre a tele dependência do setor, mas também a uma possível bolha relacionada aos direitos de transmissão no país. Como resposta, foi sugerido o aumento do número de transmissões de partidas em canais abertos. Além disso, alguns deles até levantaram a questão de não transmitir algumas partidas da rodada com o objetivo de agregar valor ao produto (algo já testado em outras ligas do continente). Tudo isso influenciaria na mudança de hábitos dos consumidores do produto.

Em relação ao segundo ponto, a análise sobre o quanto o produto é perturbado pela pirataria foi debatida. Lembrando que esta questão é atualmente discutida em um projeto de lei dentro da mesma Assembleia. Entretanto, foram sugeridas outras formas de resolução do problema de modo que não seja percebida pelos consumidores como repressiva. Entre elas estão recomendações de ofertas de assinaturas flexíveis “à la carte” e de redução do custo da assinatura. A última estaria principalmente ligada ao resultado do PL, mas também aos demais pontos debatidos pelos participantes.

Conhecedores do contexto atual, eles também debateram sobre o valor do produto percebido tanto pelos clientes quanto pelos interessados em transmiti-lo. Uma reflexão foi levantada sobre a bilheteria e impostos cobrados aos sites de apostas. Propor uma oferta de ingressos dinâmica onde os preços são variáveis de acordo com a demanda, a importância ou até mesmo o horário da partida (modelo já praticado por algumas ligas norte-americanas) foi ventilado como algo que poderia flexibilizar a política de preços de ingressos. Segundo eles, o ajuste traria uma resposta positiva dentro de uma perspectiva de aumento de receitas e do valor percebido pelos consumidores em relação ao produto. Além disso, uma possível alta dos impostos sobre sites de apostas foi defendida por alguns deles. Dentro desta ótica, seria possível compensar parte da perda, mas também aumentar a contribuição do futebol profissional ao esporte amador. Lembrando que na França existe um mecanismo de solidariedade chamado de “taxe buffet”. Esta taxa corresponde à 5% do montante pago pelos direitos de transmissão.

Os dois últimos pontos debatidos no dia foram a modernização das principais competições do setor e uma proposta de extensão dos contratos atuais de transmissão. Aqui, mesmo que se distanciando um pouco da alçada dos deputados, os especialistas defenderam uma atenção maior no que diz respeito à qualidade do produto e no formato das competições. Neste item entram questões como a redução do número de clubes na primeira divisão (já aprovado pela liga a partir da temporada 2022-2023) e melhorias na infraestrutura dos estádios. Em relação ao prolongamento dos contratos de transmissão, sugeriram que tal ação traria uma estabilidade maior ao detentor. Com isso, este último poderia planejar melhor sua oferta trabalhando em conjunto com a liga no desenvolvimento do produto.

Por último, os deputados informaram que uma consulta cidadã seria aberta na mesma semana e que dariam continuidade a consulta de especialistas de outras áreas. O objetivo é de ouvir diversos atores do setor interessados em contribuir no processo. Os representantes da Assembleia Nacional elaboraram um questionário que será enviado a todos aqueles que desejam expressar opiniões sobre as questões de regulamentação, redistribuição e também novos modelos econômicos e financeiros para o esporte. Estas ações seguem a mesma linha proposta pelos especialistas consultados que também defendem uma nova regulação do futebol profissional por parte das instituições europeias. Os mesmos defendem discussões que se referem aos seguintes pontos: desequilíbrio financeiro dos clubes, excesso de competições, preservação da competitividade e também sobre o descontrole dos valores de salários/transferências.

O debate é longo e nem tudo é viável devido as características do futebol francês. Porém é pertinente e serve de reflexão para o nosso setor, mesmo que o contexto seja completamente diferente. Alguns dos itens podem servir de base para discussões que podem chegar dentro de pouco tempo em nosso país.

Crédito imagem: Ligue 1

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Fernando Cezar é administrador especialista em gerenciamento de projetos e mestre em consultoria e pesquisa. Atualmente cursando doutorado em Ciências de Gestão sobre o processo de reorganização do ecossistema do futebol profissional francês em um contexto de evolução de modelo de negócios.

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