Por Rogerio Eduardo Ribeiro
No dia 06/01/2020, em jogo válido pela 28ª rodada do campeonato brasileiro de 2020, uma discussão entre o treinador Fernando Diniz e o jogador Tchê Tchê, ambos do São Paulo Futebol Clube, repercutiu mais do que a derrota para o time do Red Bull Bragantino.
Aos 24 minutos do primeiro tempo, quando o jogo já estava 3 a 1 para o time de Bragança Paulista, o treinador tricolor gritou com o jogador, proferindo as seguintes palavras: “Não pode mesmo. Tem que jogar, cara&#%, seu ingrato do cara&#%, seu perninha do cara&#%, vai se fo#@$.”[1]
Como os jogos estão acontecendo sem torcida, os microfones da emissora que estava transmitindo o jogo capturaram facilmente as palavras proferidas pelo comandante do time da capital paulista.
Essa situação repercutiu em toda a mídia nacional, com alguns comentaristas dizendo que se tratava de situação de jogo e outros entendendo que o treinador foi demasiadamente rigoroso na cobrança, agindo com extremo rigor em face do atleta.
Poderia toda essa situação sair da esfera de jogo e tomar outros rumos, vindo a atingir o contrato entre o atleta e o clube? Quais os direitos o jogador pode invocar no caso de ter se sentido ofendido com as duras palavras?
Para se obter uma resposta sobre esses quesitos devemos observar o que prevê o parágrafo 5º, IV, do artigo 28, da Lei n. 9.615/98, conhecida como Lei Pelé, com a seguinte redação:
- 5º O vínculo desportivo do atleta com a entidade de prática desportiva contratante constitui-se com o registro do contrato especial de trabalho desportivo na entidade de administração do desporto, tendo natureza acessória ao respectivo vínculo empregatício, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais:
IV – com a rescisão indireta, nas demais hipóteses previstas na legislação trabalhista;
A redação da citada legislação determina o momento em que se inicia o vínculo do clube com o jogador e quais são as hipóteses de dissolução dessa relação, antes da data programada para o término, sendo que entre as possibilidades previstas na legislação desportiva estão aquelas previstas no artigo 483 da CLT.
Este é o entendimento do nobre Cristiano Possídio:
“A rescisão indireta pode ocorrer por inadimplemento salarial e outras verbas decorrentes da relação de emprego (…), ou ainda, por questões desvinculadas da remuneração, dentro das inúmeras previsões elencadas no art. 483, da CLT.”[2]
Especificamente para este caso, devemos observar o que diz o artigo 483, b, da CLT, ipsis litteris:
Art. 483 – O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
É possível notar que estamos diante de uma evidente possibilidade de rescisão indiretamente do contrato especial de trabalho desportivo, aquele formalizado entre clube e jogador, antes da data prevista para o seu término, com base nas circunstâncias apresentadas.
Embora alguns entendam que essa discussão seja comum e tenha se dado em razão do calor do jogo, não há como negar que o atleta foi tratado pelo treinador com rigor excessivo ao ser repreendido quando tentava dialogar sobre um lance, sendo insultado com palavrões e gírias de futebol ofensivas.
Portanto, caso fosse de interesse do jogador, ele poderia solicitar a rescisão indireta do contrato por ter sido tratado pelo treinador com rigor excessivo, com a fundamentação dada no já transcrito artigo 483, b, da CLT.
No entanto, há uma outra situação que deve ser analisada. Trata-se da do pagamento da cláusula compensatória desportiva, a qual está regulamentada no artigo 28, II, da Lei n. 9.615/98, in verbis:
II – cláusula compensatória desportiva, devida pela entidade de prática desportiva ao atleta, nas hipóteses dos incisos III a V do § 5º.
O renomado Dr. Domingos Zainaghi já ensinou sobre a obrigatoriedade de se arcar com a cláusula compensatória desportiva, com as sábias palavras:
“O inciso IV afirma que os motivos previstos na legislação trabalhista são motivos para rescisão indireta.
Em quaisquer das hipóteses, sejam da CLT ou as da lei especial, a cláusula compensatória será devida.”
Com o intuito de se trazer um melhor esclarecimento, explica-se que a cláusula compensatória desportiva, prevista no artigo 28, II, da Lei Pelé, é um item que deverá constar obrigatoriamente no contrato especial de trabalho desportivo e será devida ao atleta quando ocorrer dispensa imotivada e rescisão indireta do contrato de trabalho.
Logo, havendo a rescisão indireta do contrato especial de trabalho desportivo por qualquer das hipóteses previstas no artigo 483 da CLT, entre elas o tratamento ao empregado pelo empregador ou seus superiores hierárquicos com rigor excessivo, o atleta terá direito ao recebimento da multa prevista na cláusula compensatória desportiva.
A cláusula compensatória desportiva será estuda em tópico apartado, mas para fins de conhecimento, o valor dela será livremente pactuado pelas partes desde que respeitado o máximo de 400 (quatrocentas) vezes o salário mensal e como valor mínimo a quantia total de salários mensais que o atleta teria para receber até o final de seu vínculo, conforme previsto no parágrafo 3º[3] do artigo 28 da Lei n. 9.615/98.
Conclui-se assim, que a forma como o treinador do São Paulo reprimiu seu jogador daria ensejo, caso fosse a intenção do atleta, à rescisão indireta do contrato especial de trabalho desportivo, ficando o clube no prejuízo, pois perderia o seu ativo, que é o jogador, sem receber nada em troca e ainda teria de arcar com o valor da cláusula compensatória desportiva, com valor mínimo igual a quantidade de todos os salários que o empregado ainda teria para receber.
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[1] https://www.espn.com.br/futebol/artigo/_/id/8001447/tche-tche-nao-foi-o-unico-ataques-de-furia-de-diniz-a-beira-do-campo-ja-tumultuaram-ate-jogo-treino <acessado em: 08/01/2020, às 17h35>
[2] POSSÍDIO, Cristiano Augusto Rodrigues. Direito Desportivo Trabalhista. 1ª Ed. Editora Juruá. Curitiba, 2019.
[3] § 3º O valor da cláusula compensatória desportiva a que se refere o inciso II do caput deste artigo será livremente pactuado entre as partes e formalizado no contrato especial de trabalho desportivo, observando-se, como limite máximo, 400 (quatrocentas) vezes o valor do salário mensal no momento da rescisão e, como limite mínimo, o valor total de salários mensais a que teria direito o atleta até o término do referido contrato.
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Rogerio Eduardo Ribeiro é advogado, especialista em direito do trabalho e direito desportivo, membro do TJD/PR do Futsal e da Comissão de Direito Desportivo da OAB Londrina-PR. E-mail: [email protected]; Instagram: @rogerioribeiroadv