Por Florence Berrogain
Com o aumento desenfreado do número de mortes por Covid-19 no país, a prática de esportes coletivos foi proibida em alguns estados, o que refletiu na realização de partidas pelos Campeonatos Estaduais.
Como medida paliativa, alguns jogos foram transferidos para cidades em que não há proibição, a fim de evitar o atraso do calendário, sem precisar entrar no mérito do evidente impacto financeiro de um setor já fragilizado pelasconsequências da pandemia.
A questão é que a transferência das partidas para outras cidades e estados não exime jogadores e comissão técnicas de ficarem doentes, o que deveria ser a preocupação precípua das entidades responsáveis pela organização do futebol. Jogadores e membros do clube podem ser infectados durante o deslocamento ou no novo local da partida, e então o clube terá que se preocupar com outras questões.
Não há dúvidas que a paralisação dos jogos poderá acentuar a crise financeira dos clubes, podendo ser irreversível para times de menor expressão. Porém, em meio ao pior cenário desde o início da pandemia, com a média de mortes no Brasil crescendo diariamente, será necessário esperar que um atleta seja internado em estado grave, ou até mesmo que aconteça o pior?
A resposta das organizações é de que os índices de casos no futebol ainda são percentualmente baixos, além do controle através de protocolos de segurança e testes frequentes. Mas caso um jogador ou membro técnico adoeça de forma severa, qual a parcela de responsabilidade dos clubes e federações ao expor o elenco ao risco?
Os clubes se veem em uma situação complicada, porque além do já mencionado impacto financeiro, se submetem às decisões das respectivas federações e confederação, e ninguém vai querer ficar fora do jogo.
Além disso, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva prevê uma multa pelo abandono da competição, que pode atingir até R$ 100.000,00. Algo inviável para equipes de menor expressão, que estão em maior número nos campeonatos estaduais. O regulamento do campeonato estadual paulista, por exemplo, é ainda mais rigoroso: a multa para o clube desistente pode chegar em até R$ 200.000,00, além do rebaixamento para a divisão inferior.Atletas, treinadores e funcionários também não encontramalternativa, com medo de punição ou rescisão contratual.
Para fins trabalhistas, o artigo 20, § 1º, alínea “d” da Lei 8.213/91, afirma que não será considerada como doença do trabalho aquela “endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.”
Ademais, o artigo 21, III, da referida legislação previdenciária determina que “a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade” será equiparada ao acidente de trabalho.
Para trabalhadores comuns, há possibilidade de postular indenização em face do empregador, requerendo o reconhecimento de doença ocupacional com o recebimento de benefícios previdenciários, caso seja comprovada negligência da empresa nos cuidados para evitar a contaminação. O entendimento do STF é de que a Covid-19 pode ser classificada como doença ocupacional, cabendo ao empregador demonstrara adoção das medidas de segurança.
No esporte é diferente. Por mais que sejam tomados todos os cuidados no deslocamento, hospedagem, ou coletivas de imprensa, dentro de campo é inevitável o contato e a exposição aorisco. Basta um jogador estar infectado, para os outros 21, além de árbitros e comissão técnica aumentarem drasticamente as chances de contaminação.
Outro fator que preocupa são os testes que apontam resultado falso negativo, e a antecedência com a qual os jogadores são testados, 72 horas antes da partida, podendo o atleta se contaminar entre o exame e o jogo.
No começo do ano, em partida disputada entre Avaí e CSA pela série B do Campeonato Brasileiro, o jogador Valdívia, foi comunicado durante o intervalo do jogo, que havia testado positivo para Covid-19, tendo que ser substituído. Porém, já havia atuado por 45 minutos, tempo suficiente para eventual transmissão do vírus. Não houve mudança nos protocolos de segurança após o ocorrido.
Além disso, é praticamente impossível rastrear o momento e local de contágio, podendo o atleta ter se contaminado em atividade alheia ao trabalho, na própria família, ou, quem sabe, em um cassino clandestino.
Ainda, a jurisprudência trabalhista entendeque o clube possui responsabilidade objetiva em caso de lesão ou acidente de trabalho, independente da culpa do empregador, considerando que a atividade do atleta é de risco.
A Lei Pelé prevê o dever das entidades desportivas de proporcionar aos atletas as condições necessárias, e submete-los aos exames médicos e clínicos indispensáveis para a prática, com a obrigação de contratar seguro de vida e de acidentes pessoais para os atletas.
As entidades ainda são responsáveis por todas as despesas médico-hospitalares e medicamentos necessários em eventualtratamento. Porém, em um momento em que as filas de espera por leito nos hospitais batem recordes diários, por melhor intencionado que esteja o clube, não há como arriscar.
A responsabilidade, no entanto, não se esgota no empregador, podendo atingir as entidades de administração do esporte, que em um momento tão delicado, poderiam ao menos flexibilizar as punições previstas nos respectivos regulamentos para os casos de desistência da competição.
Na prática, a paralisação provavelmente só ocorreria se os atletas se mobilizassem para não jogar, o que é difícil de acontecer por medo de represálias. Devemos lembrar que os salários milionários que estamos acostumados a ver nas notícias são a realidade da minoria.
Para nós, resta a torcida dupla: pelo time do coração, e para a saúde de todos que se arriscam para sustentar a nossa paixão.
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