Por Andrei Kampff e Nilo Patussi
Existe uma palavra ainda estranha, mas já indispensável para o mundo da gestão esportiva: COMPLIANCE. Tem quem diga que é “muito caro” aplicar. Esse só pode ser o argumento de quem não está comprometido com uma gestão transparente e eficaz. As empresas de ponta no mundo comprovam: compliance é investimento.
Compliance, numa tradução livre, significa comprometer-se. O mundo corporativo hoje exige comprometimento, não só de quem trabalha na empresa, como também de quem se relaciona com ela.
Hoje, cada dia mais, o mercado se preocupa quando vai investir recursos associando seu negócio à imagem de uma empresa, marca, atleta, etc. A reputação das organizações está cada dia mais em evidência, portanto, uma grande empresa não pode estar associada a qualquer imagem de corrupção ou atitudes criminosas. Diante disso, as principais empresas do mundo buscam transparência e programas de conformidades.
Nos últimos anos, nunca se falou tanto em compliance no Brasil. Podemos citar dois motivos importantes: o primeiro, os efeitos da Lei 12.846/2013, que trata dos casos de corrupção envolvendo empresas multinacionais e o governo brasileiro nas investigações da Lava Jato; o segundo, denúncias de corrupção e suborno contra membros da FIFA (Federação Internacional de Futebol) e diretores da CBF (Confederação Brasileira de Futebol).
O esporte está sendo vigiado. Cada vez mais. Ele precisa ser protegido, tal qual uma empresa. Mesmo assim, a autoridade máxima do futebol mundial se viu diante de um escândalo sem precedentes depois que uma investigação rigorosa dos Estados Unidos apontou crimes na associação que tem sede na Suíça.
Denúncias de fraudes em eleições, propinas e sonegações fiscais foram alguns dos principais pontos investigados nos últimos 20 anos pelo governo dos EUA, com auxílio de alguns países da Europa. As investigações chegaram aos nomes de cartolas muito influentes do esporte mais popular do mundo, o futebol.
O futebol, segundo o relatório da FIFA, só nas janelas de transferências do ano de 2017, movimentou mais de 6,3 bilhões de dólares, crescimento de 32,7% em relação ao ano anterior – e com perspectivas de continuar crescendo nos próximos anos. O “negócio futebol” gerou em 2017, segundo dados da consultoria Delloite, 25 bilhões de euros na Europa, mais de 112 bilhões de reais. Segundo o Banco Mundial, o mundo da bola já tem mais receita do que o PIB de 95 países!
É muito dinheiro e, por incrível que pareça, grande parte dele ainda é muito mal administrada. Desvios, fraudes, compadrio. Eliminando esses problemas, o “negócio futebol” poderia gerar ainda mais recursos, com parceiros e patrocinadores investindo ainda mais no esporte.
No Brasil, a Confederação Brasileira de Futebol, autoridade máxima do esporte associativo no país, teve seu nome diretamente envolvido em casos de suborno, corrupção e sonegação fiscal. Com isso, sofre a marca, que perde credibilidade e também receita. A CBF tem números fantásticos quando o assunto é receita. Mas eles seriam seguramente melhores se não tivessem sofrido com as denúncias envolvendo diretores da Confederação. Com a crise política e administrativa, sentida com esse envolvimento, acabou perdendo patrocinadores, reputação, além de parceiros comerciais de longa data.
O Brasil não pode ser mais conhecido como o “país do jeitinho”, nem a CBF como a entidade das “negócios escusos da bola”. A integridade da principal marca do nosso futebol também precisa ser mais valorizada, superar a malandragem e virar referência administrativa. Não só ela, como também federações, associações esportivas e clubes.
Compliance entra exatamente aí. Compliance é um programa que visa buscar o cumprimento de leis e regras por meio de procedimentos e mecanismos que envolvam todos os níveis de uma organização, gerando uma cultura comportamental mais organizada e ética nas instituições. Em outras palavras, o programa de compliance nada mais é que desenvolver, estimular, cobrar e monitorar colaboradores, do presidente ao estagiário, a fim de evitar atos ilícitos nas empresas.
O futebol, principalmente no Brasil, ainda é visto como oportunidade de muitas crianças e jovens que buscam nesse esporte a chance de mudar de vida, mudar a vida de suas famílias, de forma honesta e saudável. Mas o fair play só tem sido cobrado e praticado dentro de campo, pois fora dele os escândalos continuam presentes em diferentes níveis. Os escândalos supramencionados envolvendo a FIFA, que vieram à tona em 2015, foram e vêm sendo investigados pela Justiça dos Estados Unidos, em parceria com as autoridades suíças.
A FCPA (Foreing Corrupt Practies Act), lei americana de 1977 com finalidade de combater práticas de corrupção no exterior, uma das primeiras legislações e a mais relevante do mundo, é a base utilizada pela Departamento de Justiça dos Estados Unidos nas acusações dos cartolas. Os processos estão sendo julgados nos Estados Unidos, pois a jurisdição do caso FIFA, basilada no envolvimento de empresas norte-americanas nas propinas em contratos de marketing, transmissões de torneios, subornos, compete à Justiça americana.
Com os últimos presidentes da CBF, Ricardo Teixeira, José Maria Marins e Marco Polo Del Nero, sendo investigados pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, o futebol brasileiro vem sofrendo severas críticas da mídia e de instituições ao redor do mundo, criando um cenário bastante inseguro. Perde-se credibilidade, perde-se dinheiro.
Até parece paradoxo, mas no esporte a evolução nos mecanismos de gestão anda mais lentamente que em outras atividades empresariais. Mas a fiscalização ética e a transparência na administração estão chegando também ao mundo esportivo. Existem mudanças significativas nas leis do esporte que estão sendo analisadas pelo Congresso Nacional e que provocariam uma revolução, gerando necessidade de mudança de comportamento em muitos gestores. Entre outras coisas, no anteprojeto da Lei Geral do Esporte, está prevista a tipificação do crime de corrupção privada. Ou seja, os antigos dirigentes da CBF que foram investigados e julgados nos EUA por terem cometidos crimes tipificados naquele país poderiam ser julgados também no Brasil. Hoje, corrupção privada não é crime por aqui.
Mas seria preciso esperar por uma lei mais rigorosa para mudar a forma de gerir nosso esporte? A resposta é: não. Gestores comprometidos com transparência e eficiência devem tratar disso desde já. Afinal, agindo dessa forma, tornariam público o compromisso com a eficiência e transparência. Quando as instituições desportivas aderirem a uma filosofia mais transparente e ética, os resultados começarão a aparecer. Credibilidade e receita serão impulsionados.
Investimentos em compliance e em uma boa governança são necessários para o combate à corrupção e a retomada da reputação ilibada das instituições e seus representantes. Como bem disse Paul McNulty, ex-procurador-geral dos Estados Unidos, quando questionado sobre os valores a serem investidos em um programa de compliance: “Se você acha que compliance é caro, experimente o não compliance”.
Negócios mais sustentáveis, eficiência nas atividades, atração e retenção de talentos na empresa, minimização dos riscos, maiores oportunidades de parcerias, retomada ou manutenção da reputação da marca, além de proteger das punições legais os gestores e representantes das instituição que não estejam envolvidos nas práticas ilícitas, são alguns dos principais motivos para pensar com mais atenção em um programa de integridade efetivo.
Depois da séria crise institucional que viveu em 2015, a FIFA chegou à conclusão necessária de que era preciso investir em compliance. Consultando o website da FIFA, em Governance, no mês de janeiro de 2017, quando da primeira reunião do Comitê de Governança, observa-se a importância e a prioridade a que foram alçados compliance e governança corporativa. Ali declaram-se várias medidas práticas, incluindo o treinamento de compliance para todos os associados.
“Compliance training for FIFA committee members: In accordance with FIFA’s Governance Regulations, all members of FIFA’s standing committees will be required to complete compliance training within six months of assuming their positions and every two years thereafter.”
As mudanças só serão uma realidade com um gesto corajoso e transformador dos nossos representantes e gestores. Dando esse passo, eles estarão se comprometendo de maneira real e eficiente com o engrandecimento do produto que administram: o esporte. Portanto, acostume-se com esta palavra: compliance. Ela traz um caminho indispensável para uma organização mais honesta e mais responsável no futebol e em todos os esportes.
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Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo. Sócio na Gelson Ferrareze Advogados Associados, é pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Ibero-Americano de Direito Esportivo. É autor do livro “#Prass38”.
Nilo Patussi é advogado e especialista em São Paulo, com MBA em Gestão Empresarial e Post MBA em Governança Corporativa e Compliance, ambos pela Fundação Getulio Vargas, além de diversos cursos em compliance e ética profissional. É pós-graduando em Gestão de Esportes pela FIFA/CIES/FGV, atuando há mais de dez anos no escritório em que é sócio.