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“A slice of cake”: Do aniversário de grandes conquistas à ausência escancarada de uma governança comprometida com o tênis feminino mundial

Por Luiza Rosa Moreira de Castilho[i]

Este não é um texto sobre confeitaria, mas poderia e, com certeza, seria mais fácil de engolir.

Em 2023 celebramos 50 anos da conquista de premiações igualitárias em dinheiro no US Open de Tênis. A lenda viva da modalidade, Billie Jean King, não sossegou enquanto a disparidade salarial nas premiações dos torneios era uma realidade sem fundamentos [vale assistir ao filme Guerra dos Sexos].

Na mesma época, diante de tantas manifestações em torno dos circuitos, a WTA (Associação de Tênis Feminino) foi fundada pela mencionada atleta norte-americana em uma reunião com aproximadamente 60 outras tenistas. Atualmente, apesar de algumas mulheres participarem dos conselhos e das operações, a organização possui uma diretoria executiva composta apenas por homens, informação importante de ser considerada ao longo da leitura.

Billie Jean King, sempre conhecida por defender a igualdade de gênero e refutar o sexismo no tênis, alcançou vários objetivos nos anos 70 que até hoje são altamente reconhecidos no esporte. A sua resistência até agora reverbera nos campeonatos atuais, que ainda revelam a defasagem em termos de organização, desde horários das partidas, transmissões e, inclusive, as premiações.

Não é à toa que, embora os valores no recente Aberto de Madri, campeonato de nível Masters 1000, tenham sido equivalentes para o campeão ATP e a campeã WTA, o torneio ficou marcado por apresentar, descaradamente e em diversas oportunidades, situações de desigualdade de gênero, tendo um bolo de aniversário sido a gota d’água.

Por certo que atletas nativos, em seja qual for a modalidade, possuem uma espécie de acolhimento mais vantajoso em relação aos demais nas competições disputadas em casa. Isso ficou absolutamente notável quando no dia 05 de Maio, data que marca o nascimento dos atuais n. 2 do ranking mundial, Aryna Sabalenka e Carlos Alcaraz, cada um recebeu um bolo em comemoração, o dele com 2 andares e vários outros ornamentos, o dela pequeno, com apenas um andar e algumas velas.

O traje das gandulas, que foi posteriormente alterado, e a ausência de oportunidade de discurso pelas finalistas de duplas femininas, dentre elas a brasileira Beatriz Haddad Maia, também tiveram grande destaque negativo. Essas atitudes empregadas pela diretoria do torneio se tornaram alvo de críticas ferozes não somente pelos fãs do esporte, como – principalmente – das próprias atletas, que acompanhavam de perto o desenrolar de toda a história e manifestaram seu descontentamento nas redes sociais.

Pois bem, assim como o futebol ou qualquer outra modalidade, são claras as diferenças entre o estilo de jogo das categorias feminina e masculina no tênis. E esta é, justamente, uma das características que compõem a magia do esporte.

O que acontece é que, normalmente, o argumento para justificar a desigualdade é o [suposto] baixo apelo dos campeonatos disputados pelas mulheres. Esse pretexto obviamente desconsidera que, por exemplo, a transmissão da despedida de Serena Williams foi a partida de tênis mais assistida da ESPN americana, posição até então ocupada pela final de Wimbledon entre Andy Murray e Roger Federer em 2012.

Porém, na sequência daquelas várias ocorrências em Madri, o tenista veterano John Millman, em seu polêmico artigo sobre o tema da disparidade salarial, trouxe à tona a desproporção nas estratégias de cada corpo diretivo nas operações do tour profissional: enquanto a ATP se preocupa com a venda e valorização do produto, a WTA estaria apresentando um baixo desempenho no que diz respeito aos objetivos comerciais de longo prazo, e tendo como consequência uma receita estagnada.

Recentemente, o organizador do WTA 500 de Ostrava, Thomas Petera, anunciou que o circuito feminino sofrerá alterações para o próximo ano. Diferentemente da ATP, pela possível nova regulamentação, as Top-30 da WTA não poderão competir nos torneios 250, limitando muito a visibilidade das competições menores e confrontando suas próprias carências. Cenário que, de certa forma, corrobora com algumas das alegações de Millman.

A esta altura, em que pese ser nítida a legitimidade na celebração das conquistas das mulheres no tênis, assim como fazemos em qualquer esporte em que houve muita resistência feminina para ocupar os espaços atuais, segue indispensável o olhar para as entidades que controlam, regulamentam, estruturam e coordenam essas modalidades e suas respectivas competições.

Para além da estrita administração dos processos de uma organização, a governança é sobre as relações internas, sobre as políticas, sobre os costumes e todo o ecossistema organizacional. O tratamento proporcionado pelas entidades que deveriam proteger e auxiliar as atletas em suas conquistas diz muito sobre seus próprios desígnios.

Vista disso, o Aberto de Madri pode ter sido o estopim para nos relembrar da necessidade de se cobrar das organizações para que se mantenham no propósito de igualdade, dentro do que é justo. Seja em termos normativos, ou numa simples fatia de bolo.

Como diria Billie Jean King: “Não é sobre dinheiro, é sobre a mensagem […] Todas as gerações devem lutar pela igualdade e liberdade”.

Crédito imagem: Yara Nardi/Reuters

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[i] Advogada. Diplomada em Gênero e Esporte pela Universidad de Buenos Aires e Gestão Esportiva pela CONMEBOL. Pós-graduada em Compliance e Gestão de Riscos pela Faculdade Pólis Civitas. Especialista em Compliance no Futebol pela CBF Academy. Procuradora na 6ª Comissão Disciplinar do STJD do Futebol. Presidente da ALL Esportes Brasil. Secretária da Comissão de Direito Desportivo da OAB/PR. Membro do Grupo de Estudos de Direito Desportivo do IBDD. Membro filiado do IBDD.

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