No último 6 de agosto de 2021, a maioria das torcidas dos clubes de futebol no Brasil uniu-se em prol de uma única pauta, que foi a sanção presidencial do Projeto de Lei n° 5.516/2019, que de fato ocorreu, com vetos, no dia 9 de agosto de 2021, dando origem a Lei n° 14.193/2021.
A indústria do futebol brasileiro vivia enorme expectativa, similar com aquela que sentimos quando estamos dentro do estádio de futebol lotado e nosso clube do coração está prestes a bater o pênalti decisivo, sim, aquele que se a bola entrar mesmo que seja batido de “bico” e no meio do gol, ainda assim, será considerado um golaço, a ficar para sempre marcado na história do respectivo clube.
A missão e responsabilidade de cobrar a penalidade máxima, representando a nação do futebol brasileiro, ficou justamente com atual presidente da República, Jair Messias Bolsonaro. Este, ao sancionar o PL n° 5.516/2019, proferiu vetos em matérias exaustivamente debatidas, maduras e de grande relevância para a melhor adesão dos clubes de futebol no Brasil. Tais vetos, caso se mantenham, irão representar forte desestímulo para alguns clubes na migração para o novo modelo societário, que oportunizará, principalmente, a implementação de melhores práticas, maiores possibilidades de investimentos e real e efetiva responsabilização aos que fazem mal ao futebol fora das quatro linhas.
Antes de adentrarmos nos vetos em matéria tributária insta salientar a relatoria extremamente democrática exercida pelo senador Carlos Portinho (PL-RJ), há muito tempo não havíamos presenciado na história dessa República um Projeto de Lei voltado para indústria do futebol com tamanha dedicação de um parlamentar. O ponto mais alto da elogiosa relatoria esteve na humildade com a qual o relator do projeto recebia críticas e opiniões diversas. Tal destaque vem do fato de que o senador Portinho, como é conhecido, mesmo sendo profundo conhecedor do Direito Desportivo, com atuação em alguns clubes com propósitos profissionais distintos do ponto de vista laboral, nunca trouxe tal questão aos debates com retórica arrogante, pelo contrário, sempre se demonstrou aberto às sugestões apresentadas visando uma maior robustez do projeto.
Os vetos, infelizmente, atacaram o ponto principal do projeto, justamente o que poderia seduzir os clubes de futebol para a tão sonhada migração do ultrapassado modelo associativo – que nada mais soma do ponto vista de gestão, transparência e melhores práticas – para um novo que qualquer mercado profissional de investimentos busca.
O projeto enviado para sanção presidencial tinha em seu escopo tributário a unificação de tributos e contribuições, que teriam como base de cálculo a receita bruta auferida pelos clubes de futebol, experimentando uma alíquota de 5% nos primeiros 5 anos. A partir do 6° ano, a respectiva alíquota teria uma redução para 4%, porém, com alargamento da base de cálculo, incluídas aqui as receitas oriundas das transferências de atletas isentas no inicial período quinquenal.
Dos tributos que compunham a respectiva alíquota, 3 (três) deles são experimentados pelos clubes de futebol atualmente com isenção, quais sejam, IRPJ, CSLL e COFINS. Em relação ao PIS, os clubes associativos têm como base de cálculo a folha de salários, com percentual diferenciado das demais empresas, experimentando alíquota de 1%.
Dentro ainda das alíquotas de 5% (nos primeiros cinco anos) e 4% (a partir do sexto ano), estariam as contribuições da Lei n° 8.212/91, que os clubes atualmente recolhem com alíquota de incidência de 5% com base de cálculo limitada e muito inferior da que o projeto enviado para sanção presidencial trazia.
Entrando especificamente na renúncia de receita, que foi um dos argumentos apresentado nos vetos, indaga-se: como renunciar receita tributária quando inexiste sequer arrecadação?
O tão criticado tratamento tributário aplicado aos clubes de futebol no Brasil não pode ser analisado do ponto de vista do seu inadimplemento, se assim fosse, precisaríamos acabar com todos os incentivos fiscais existentes em nosso país, haja vista a grande massa de devedores do Fisco. Em rápida consulta no portal Regularize, no site oficial da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), mostra como resultado, no filtro “demais débitos tributários”, que o primeiro clube de futebol, Brasiliense Futebol Clube, a aparecer na lista de maiores devedores ocupa a posição 1.341°, ou seja, é de longe que os clubes brasileiros de futebol são os maiores devedores de tributos ao Fisco.
A irresponsabilidade fiscal de boa parte dos clubes brasileiros de futebol tem origem, em sua esmagadora maioria, na gestão deficitária e não em razão do tratamento tributário benéfico.
Em verdade, inúmeras tentativas foram feitas visando a regularização do passivo tributário dos clubes de futebol no Brasil, mas, em concreto, qual das tentativas trouxe uma real e efetiva possibilidade de responsabilização daqueles que deveriam gerir os tributos pautados em melhorias práticas?
A Lei n° 13.155/2015, mais conhecida como Lei do PROFUT (Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro), pouco contribuiu em relação a efetiva punição dos dirigentes, embora tenha trazido a figura da gestão temerária no bojo do Capítulo III, precisamente nos artigos 24, 25, 26 e 27. Todavia, não se tem notícia de punição aplicada a dirigente do futebol brasileiro em decorrência do respectivo instituto.
Devemos ser favoráveis ao regime tributário diferenciado, assim como, sermos críticos ferrenhos em relação a falta de maior responsabilização dos maus gestores. valendo-nos dessas premissas, podemos constatar que o contexto normativo da Lei n° 14.193/2021, traz uma possibilidade e alento para que a longo prazo tenhamos uma melhor saúde fiscal dos clubes de futebol no Brasil, visto que o escopo de responsabilidade dos gestores que se demonstrou ineficaz no modelo associativo atualmente adotado em sua maioria pelos clubes brasileiros. Certamente, esta realidade será salutarmente mudada quando da constituição da SAF (Sociedade Anônimas do Futebol).
O que devemos buscar para sanar o inadimplemento é trazer uma melhor gestão de tributos, que consiste, em parte, na simplificação do seu recolhimento, retenção na fonte e uma real e efetiva possibilidade de punição dos administradores. Tudo indica que a Lei da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) poderá contribuir muito mais do que o atual e falido modelo associativo do ponto de vista fiscal.
Fato é que, felizmente, o lance que deu origem ao Pênalti cobrado e convertido pelo craque e presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, foi em parte revisado pelo Congresso Nacional, em conformidade com o que preceitua a Constituição Federal de 1988, precisamente em seu artigo 66.
O Congresso Nacional atuou por analogia como o VAR (Video Assistant Referee, do inglês, ou Árbitro Assistente de vídeo, no português), revisando o lance, demonstrando que embora o gol seja o momento mais sublime do futebol, ele precisa ser validado por todos, inclusive pela seção bicameral do Congresso Nacional, que representa por meio de seus parlamentares a vontade do povo e, especificamente, o melhor interesse da indústria do futebol ao derrubar os vetos no tocante ao regime especial de tributação, no Senado Federal, no dia 27 de setembro de 2021, a depender neste momento de pronunciamento da Câmara do Deputados.
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REFERÊNCIAS
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2021]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 de out. de 2021.
BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei n° 5.516, de 2019. Cria o Sistema do Futebol Brasileiro, mediante tipificação da Sociedade Anônima do Futebol, estabelecimento de normas de governança, controle e transparência, instituição de meios de financiamento da atividade futebolística e previsão de um sistema tributário transitório. Brasília, DF: Senado Federal, 2019. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/139338. Acesso em: 10 de out. 2021.
BRASIL. Lei n° 8.212, de 24 de julho de 1991. Dispõe a organização da Seguridade Social, institui Plano de Custeio, e dá outras providências. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14193.htm. Acesso em: 10 de out. 2021.
BRASIL. Lei n° 13.155, de 4 de agosto de 2015. Estabelece princípios e práticas de responsabilidade fiscal e financeira e de gestão transparente e democrática para entidades desportivas profissionais de futebol; institui parcelamentos especiais para recuperação de dívidas pela União, cria a Autoridade Pública de Governança do Futebol – APFUT; dispõe sobre a gestão temerária no âmbito das entidades desportivas profissionais; cria a Loteria Exclusiva – LOTEX; altera as Leis n º 9.615, de 24 de março de 1998, 8.212, de 24 de julho de 1991, 10.671, de 15 de maio de 2003, 10.891, de 9 de julho de 2004, 11.345, de 14 de setembro de 2006, e 11.438, de 29 de dezembro de 2006, e os Decretos-Leis n º 3.688, de 3 de outubro de 1941, e 204, de 27 de fevereiro de 1967; revoga a Medida Provisória nº 669, de 26 de fevereiro de 2015; cria programa de iniciação esportiva escolar; e dá outras providências. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13155.htm. Acesso em: 10 de out. de 2021.
BRASIL. Lei n° 14.193, de 6 de agosto de 2021. Institui a Sociedade Anônima do Futebol e dispõe sobre normas de constituição, governança, controle e transparência, meios de financiamento da atividade futebolística, tratamento dos passivos das entidades de práticas desportivas e regime tributário específico; e altera as Leis nºs 9.615, de 24 de março de 1998, e 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2021. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14193.htm. Acesso em: 10 de out. 2021.
BRASIL. Procuradoria Nacional da Fazenda Nacional – PGFN. Lista de Devedores da PGFN. Brasília, DF: Advocacia Geral da União, 2021. Disponível em : https://www.listadevedores.pgfn.gov.br/resultado. Acesso em: 10 de out. de 2021.