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A tragédia climática no Rio Grande no Sul e os reflexos no cenário do futebol brasileiro

Na última semana, o Brasil acordou com a infeliz notícia envolvendo o volume de chuvas e as enchentes que acometeram diversas cidades do Rio Grande do Sul. Num primeiro momento, não se sabia a real extensão da histórica tragédia climática. Somente a partir do momento que fotos, vídeos e diferentes registros chegaram a conhecimento público é que foi possível ter uma mínima noção do tamanho da catástrofe. Com a cidade de Porto Alegre literalmente debaixo d´água, um cenário quase distópico pôde ser identificado: pessoas perdendo suas casas e pertences pessoais, dificuldade de acesso à água potável, aeroporto Salgado Filho inundado e fechado, os estádios e centros de treinamento de Grêmio e Internacional também alagados, infraestrutura urbana e estradas comprometidas, etc.

É momento de extrema consternação, empatia e de solidariedade com o povo gaúcho. Centenas de vidas foram perdidas e milhares impactadas pela tragédia climática que nos choca ainda mais a cada dia. É imperioso, antes de tudo, que a sociedade cobre as autoridades governamentais por explicações e ações concretas, pois estas, sem exceção, são as principais responsáveis por eventos semelhantes que se repetem ano após ano há décadas nos diferentes cantos do país. É preciso quebrar o velho e conhecido ciclo vicioso “falta de investimentos em prevenção – tragédia – sobrevoo das autoridades – decreto de calamidade pública – farra com o dinheiro público”.

No meio esportivo as repercussões foram diversas. Vários clubes e entidades de administração do desporto manifestaram solidariedade à população e às agremiações gaúchas e organizaram campanhas para angariar fundos em amparo aos afetados e em apoio à reconstrução das cidades. Nesta seara, a principal questão colocada inevitavelmente gravitou em torno do calendário do futebol nacional: o que fazer com a situação das equipes gaúchas na disputa das competições em curso, que neste momento estão impossibilitadas de treinar, de se locomover e de atuar em seus próprios estádios? Como (re)organizar o calendário e assegurar isonomia ou paridade de armas entre os competidores?

O impasse apresentado não é trivial.  Em que pese a comoção natural do momento, é preciso ressaltar que a indústria do futebol não pode simplesmente parar. Há contratos em curso, compromissos assumidos, interesses de detentores de direitos televisivos, vagas em competições continentais sob disputa, salários a serem pagos e milhares de pessoas cujo sustento depende do funcionamento da cadeia esportiva. A Ucrânia, por exemplo, mesmo em guerra e sob bombardeio russo, após uma paralisação inicial, viabilizou condições de prosseguir a disputa de sua liga nacional do outro lado da fronteira. As partidas válidas pelas competições da UEFA são disputadas em outros países. O futebol acaba assumindo, em diversos momentos, caráter simbólico de ajudar a população a retomar sua rotina de “normalidade”.

Entre nós, o calendário mal organizado e apertado, praticamente sem meios de semana livres até o final do ano, com várias datas reservadas para as competições continentais e ainda com a Copa América no meio do caminho, dificulta eventuais remanejamentos estruturais de datas. Além disso, estão em curso as quatro divisões nacionais que contam com a participação de clubes gaúchos, a Copa do Brasil, as competições da CONMEBOL e o Campeonato Brasileiro de futebol feminino. Some-se a tudo isto a impossibilidade de se prever quando haverá mínimas condições de normalidade no Rio de Grande do Sul e a necessidade de amparo aos atletas, que também precisarão cuidar da saúde mental em momento tão delicado e conturbado.

De imediato, a CBF adiou apenas as partidas de Grêmio, Internacional e Juventude pela 5ª rodada no Campeonato Brasileiro. Os clubes continuaram pressionando por novos adiamentos e até pela paralisação total do campeonato, em nome da isonomia. Nesta terça-feira (07), a CBF anunciou, diante da dificuldade de construção de um consenso com as demais agremiações, que as partidas dos clubes gaúchos (seja como mandantes ou visitantes) até o dia 27 de maio ficam adiadas e serão remarcadas em momento futuro, sem paralisação dos campeonatos neste momento.

Sob o ponto de vista jurídico, a CBF, na qualidade de organizadora do Campeonato Brasileiro e da Copa do Brasil, tem a prerrogativa genérica de, por meio de sua Diretoria de Competições, promover o adiamento de partidas ou, até mesmo, determinar a suspensão do campeonato por conta de motivo de força maior, contando com a possibilidade de convocar um conselho técnico para tal. O Regulamento Geral de Competições, em seus arts. 14 e 19, trata, respectivamente, de mudança de tabela e do adiamento de partidas pelo Delegado do jogo por motivo mais imediato e contemporâneo à disputa, mas os referidos dispositivos não se enquadram perfeitamente no caso. Em nossa opinião, a CBF deveria aproveitar o período de adiamentos para efeito de observação e de obtenção de uma estimativa mais concreta sobre a volta às condições mínimas de normalidade no RS. Enquanto isso, deve dar o máximo de apoio aos clubes gaúchos para viabilizar o pronto retorno aos treinamentos. Ao final do mês de maio, não haverá espaço para novos adiamentos.  Uma decisão mais definitiva será necessária, prioritariamente evitando-se a paralisação das competições. É absolutamente normal que haja o máximo de cautela para a tomada de providência tão drástica antes de traçado um cenário mais concreto sobre a situação do RS.

A situação é crítica e não haverá uma solução ótima, apenas caminhos possíveis. É inegável que a temporada já está comprometida, assim como a isonomia. Todos já foram ou serão afetados de alguma maneira com o remanejamento de datas. O desafio será minimizar os danos.

A CBF poderia, por exemplo, utilizar o período da Copa América para “colocar em dia” os eventuais jogos adiados das equipes gaúchas (até mesmo tentando negociar e sensibilizar as Federações nacionais a não convocarem excepcionalmente os atletas dessas agremiações) e paralisar os demais, alongando o campeonato até o final do ano ou janeiro seguinte, readequando a tabela do próximo ano, como foi feito na época da pandemia. Isto tornaria possível rebalancear a tabela e retomar o Campeonato Brasileiro ainda antes do início do segundo turno com as todas equipes tendo o número de jogos equiparado, evitando-se, especialmente, um sobrecarga de partidas sem o devido intervalo aos clubes gaúchos quando do retorno, o que os prejudicaria ainda mais.

Outro caminho poderia ser (até combinado com a sugestão anterior), a partir da reabertura do aeroporto, alocar os clubes em outras cidades, contando com a solidariedade das demais equipes na disponibilização de suas instalações e estádios (o que já começou a acontecer), para retomada de treinos e realização das partidas, em caráter provisório. Com a Copa Libertadores e a Copa Sudamericana, a missão da CONMEBOL será mais complexa, pois é preciso haver a definição dos classificados na fase de grupos com mais urgência. Simples adiamentos não resolverão o problema. A CBF precisará defender os interesses de seus filiados em busca de uma solução satisfatória. A ver.

Crédito imagem: Estadão Conteúdo

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