Por Luiz Moreira
A tragédia do Ninho do Urubu, ocorrida em 8 de fevereiro de 2019, representa um dos episódios mais trágicos e negligentes da história do futebol brasileiro.
O incêndio no Centro de Treinamento do Clube de Regatas do Flamengo, localizado em Vargem Grande, Rio de Janeiro, resultou na morte de 10 jovens atletas e deixou outros três feridos, e como vem se desenhando no judiciário, demonstra uma série de falhas estruturais e administrativas que deveriam e, ao que tudo indica, poderiam ter sido evitadas.
Do Contexto e do Local do Incidente
Conhecido como uma das mais importantes instalações esportivas do Brasil, o Ninho do Urubu abrigava jovens promessas do Flamengo, fornecendo espaço para o desenvolvimento esportivo.
No entanto, o local apresentava falhas graves de gestão e segurança, que deveriam ser conhecidas pelo Conselho Diretor do Clube.
O incêndio ocorreu em um alojamento provisório, composto por containers adaptados, que não atendiam às normas mínimas de segurança e conforto (leia-se, ausência de equipamentos de controle de incêndio, rotas de fuga ou mesmo monitores treinados para lidar com os menores).
Das Vítimas
Os jovens atletas, com idades entre 14 e 16 anos, residiam no alojamento para facilitar sua integração ao clube. A tragédia resultou na perda de 10 vidas e na destruição irreparável do sonho de suas famílias.
Das Irregularidades Constatadas
Inspeções posteriores ao incêndio revelaram graves irregularidades, como:
- Falta de Alvará de Funcionamento;
- Ausência de licença do Corpo de Bombeiros;
- Estrutura inadequada, incluindo o uso de materiais inflamáveis; e
- Ausência de plano de evacuação e de monitores treinados.
Ocorre que essas falhas deveriam ser bem conhecidas por gestores do Flamengo, pois já haviam sido objeto de diversas notificações e ações administrativas dos órgãos legais anteriores à tragédia.
Da Negligência Administrativa
O Ministério Público alertou o Flamengo sobre todas as irregularidades desde 2013, propondo em 2014 a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que foi recusado pelo departamento jurídico, liderado pelo então, Vice-presidente Jurídico Flávio Willeman.
Mesmo diante de reiterados autos de infrações e alertas de órgãos como a Prefeitura e o Corpo de Bombeiros, as irregularidades seguiram sem solução.
Pelo contrário, o Flamengo apresentou resposta informando que já adotava todas as medidas.
Dos Depoimentos Recentes
Em 18 de outubro de 2024, o Vice-Presidente Jurídico da época, Flávio Willeman, e o Diretor Jurídico, Bernardo Accioly, prestaram depoimento sobre o caso, no procedimento criminal em curso no Rio de Janeiro.
Ambos tentaram se eximir de responsabilidades, mas seus relatos apresentam contradições em depoimento e em provas documentais.
Flávio Willeman negou conhecimento de irregularidades, porém, em depoimento sequencial, Bernardo Accioly, diretor jurídico que respondia diretamente à Willeman, testemunhou que o próprio Willeman encaminhou ofícios ao Conselho Diretor.
Bernardo Accioly confirmou a ciência de Willeman sobre as irregularidades e a recusa em assinar o TAC.
Os depoimentos revelaram uma tentativa deliberada de desviar responsabilidades, levando a concluir gestão marcada pela negligência e pela falta de compromisso com a segurança dos jovens atletas.
Da Responsabilidade Civil dos Envolvidos
A responsabilidade civil dos envolvidos na tragédia do Ninho do Urubu é inequívoca, configurando-se tanto na modalidade subjetiva, pela evidente negligência, quanto na objetiva, considerando o dever do Clube de Regatas do Flamengo de garantir segurança e proteção aos jovens atletas sob sua guarda. Por tais circunstâncias, é que o Clube já convencionou alguns acordos indenizatórios com os responsáveis pelos atletas.
Pode-se concluir, que o descumprimento de normas de segurança mínimas, como a ausência de alvará de funcionamento e de licença do Corpo de Bombeiros, bem como o uso de instalações inadequadas, demonstra clara falha no dever de cuidado e vigilância.
Além disso, a omissão reiterada, diante de intimações/notificações e alertas dos órgãos competentes, reforça o nexo causal entre a conduta dos gestores do clube e os danos irreparáveis sofridos pelas vítimas e suas famílias.
Assim, além da reparação material e moral às famílias dos jovens, não seria nenhum absurdo que os responsáveis diretos pela gestão do clube à época, em especial o Conselho Diretor e o Departamento Jurídico, respondessem solidariamente pela tragédia, conforme preceitua o artigo 186, do Código Civil Brasileiro, que impõe reparação a quem, por ação ou omissão, causar dano a outrem.
Observa-se, no entanto, uma omissão intrigante no processo investigativo, onde, apesar da clara relação causal, nem todos os envolvidos do clube foram indiciados, mas sim, de alguns prestadores de serviço, como por exemplo, o instalador de ar condicionado.
Conclusão
Ao que transparece da análise dos fatos e das apurações nos procedimentos investigativos criminal, a tragédia no Ninho do Urubu foi o resultado de anos de negligência administrativa e desprezo pelas condições de segurança.
A recusa em assinar o TAC e as respostas distorcidas enviadas ao Ministério Público comprovam a postura insensata dos gestores à época.
Essa gestão temerária demonstrou desrespeito à vida, característica incompatível com qualquer cargo de liderança no clube.
Mais impressionante ainda é a candidatura de Flávio Willeman à Vice-Presidência Geral do Flamengo nas eleições de dezembro de 2024.
Com um histórico trágico tão recente e que ainda carece de uma conclusão, é um desrespeito à memória das vítimas e à dor de seus familiares.
Permitir que ex-dirigentes reassumam cargos após uma tragédia evitável é moralmente questionável, passíveis de aplicação e enfrentamento das regras e políticas de compliance.
O Flamengo e a torcida rubro-negra, exigem lideranças comprometidas com ética, segurança e respeito à dignidade humana, refletindo assim os valores essenciais do clube.
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Luiz Moreira
Advogado especialista em responsabilidade civil
Formado em 1984