Pesquisar
Close this search box.

A trajetória histórica do esporte: do antigo ao moderno até o contemporâneo

Com o início de mais uma edição dos Jogos Olímpicos de Verão, desta vez em Paris, é inevitável que para os amantes do esporte ou para os apreciadores casuais este seja um momento do redespertar dos valores que, de alguma maneira, aspiramos ver refletidos na sociedade: o respeito ao outro e às regras, a vitória ancorada no esforço e no mérito competitivo, a busca em superar limites, a ética que deve amparar a busca de resultados, a aceitação das derrotas e a celebração da amizade e da diversidade. O espírito olímpico representa a união de tantos valores que servem como um belo elemento de congregação entre as nações.

As Olimpíadas são atualmente celebradas na qualidade de um mega evento esportivo que congrega centenas de países e milhares de participantes e que movimentam bilhões de dólares a cada edição, além de funcionar como instrumento de promoção do turismo nos países que a sediam. Aliás, o esporte como um todo, na qualidade de pujante atividade econômica, é responsável por boa parcela do PIB mundial. Mas nem sempre foi assim.

Historicamente, a trajetória do esporte, por razões didáticas, costuma ser dividida em três períodos: antigo, moderno e contemporâneo.

O esporte antigo compreende o período que vai até a primeira metade do século XIX. Na antiguidade, as práticas desportivas eram bastante diferentes daquelas que conhecemos hoje, chegando a ser consideradas como práticas pré-esportivas. Suas primeiras manifestações foram os jogos gregos que, em verdade, eram festas ou manifestações populares e religiosas, celebradas em Olímpia. As principais modalidades eram corridas (das mais variadas versões), luta, pentatlo, pugilato, pancrácio, hipismo, etc. O desporto começava a despontar embrionariamente como fenômeno social, uma vez que, durante os jogos, ocorria uma espécie de trégua sagrada, que impedia qualquer tipo de guerra.  Para os romanos, as práticas desportivas passaram a ser relacionadas a lutas violentas e sangrentas, como forma de motivar e entreter o público, especialmente como forma de evitar revoltas populares diante da prioridade clara de conquistar territórios. Durante a Idade Média, as práticas desportivas perderam relevância a partir do seu distanciamento da Igreja, sendo os jovens nobres direcionados à educação religiosa ou à cavalaria. Já no período do renascimento, o esporte ressurge, principalmente a partir de sua associação à educação, com os educadores encarando o esporte como elemento formador, buscando-se o tradicional equilíbrio entre corpo e mente, sem violência.

O esporte moderno, por sua vez, é associado ao período a partir da década de 1820. Inicia-se de forma mais definitiva a autonomização do esporte em relação a outros campos sociais, especialmente o religioso. Com a urbanização e a industrialização, os indivíduos foram levados a novos padrões de vida, fazendo com que as práticas esportivas perdessem caráter comemorativo ou religioso. Normalmente associado às escolas inglesas e posteriormente expandido pelo resto do mundo via colonialismo, o esporte moderno foi marcado pela racionalização, sistematização e orientação ao resultado, sendo cultuados vetores como a igualdade entre os jogadores, universalização de regras e criação de calendário e espaços próprios. O pedagogo inglês Thomas Arnold deu início à chamada “revolução desportiva” ao implementar as atividades físicas burguesas na educação, fundadas em uma concepção de jogo honesto fundamental à formação moral e ao prazer dos praticantes.

A partir de conquistas trabalhistas, as classes média e trabalhadora começaram a ter acesso às práticas esportivas, com a proliferação em massa de clubes esportivos e afins. Para as elites da época, o esporte como alternativa de lazer à classe operária representava uma mão de obra mais produtiva e alienada, contribuindo para preparar fisicamente os operários para jornadas exaustivas e disciplinados a respeitar as “regras do jogo”.

O período moderno também foi marcado pelo uso político do esporte, que passou as ser apropriado pelas diferentes ideologias (especialmente o socialismo e o capitalismo) como forma de demonstração de superioridade entre Nações, tornando-o braço da competição política, militar e econômica e instrumento de manipulação de massa, o que praticamente só veio a ceder ao final da Guerra Fria a partir de manifestos de organismos internacionais.  Hitler, nas Olimpíadas de Berlim de 1936, transformou os jogos em instrumento de propagando nazista, visando a mostrar ao mundo a “superioridade ariana”. Ao fim da Segunda Guerra Mundial, com a divisão do mundo em dois blocos, quais sejam, o socialista e o capitalista, as arenas desportivas transformaram-se em campos de batalha. Passou a vigorar a regra da “vitória a qualquer custo”, desconsiderando-se a ética do jogo limpo, fazendo com que o doping e o suborno tivessem um recrudescimento substancial. O auge desse movimento foram os boicotes ao Jogos Olímpicos de Moscou, em 1980, e de Los Angeles, no ano de 1984.

Ao final do século XIX, o humanista francês Pierre de Coubertain, diante da dificuldade de se preservar a paz no mundo, vislumbrou a possibilidade de promovê-la por meio do esporte, de modo simular ao que ocorria durante a trégua santa nos jogos gregos antigos. A criação do Comitê Olímpico Internacional (COI) é considerada como um marco fundamental para a globalização do esporte. Na qualidade de organização não-governamental, o COI foi criado em junho de 1894, em Paris, por meio de delegados de nove países (Bélgica, França, Reino Unido, Grécia, Itália, Rússia, Suécia, Espanha e Estados Unidos), com a finalidade de reinstituir os Jogos Olímpicos da Grécia antiga (que depois de mais de mil anos de existência, desapareceram há catorze séculos) e promover sua realização de quatro em quatro anos. Os primeiros Jogos Olímpicos da era moderna foram realizados em Atenas, em 1896, contando com quase trezentos competidores.  O ideal olímpico era marcado pelo amadorismo, sendo o esporte praticado de modo mais descompromissado e vedada a remuneração dos atletas. A participação feminina só teve início a partir de 1920 nos jogos da Antuérpia (que também marcou a estreia do Brasil nas Olimpíadas) pois, até então, a mulher era considerada frágil e deveria dedicar-se a cuidar do lar. Com o passar do tempo e com a crescente divulgação dos jogos, o sentimento patriótico começou a nascer entre os competidores, fazendo com que símbolos e bandeiras passassem a ser utilizados nas cerimônias olímpicas. Aos poucos, a perspectiva pedagógica de Coubertain foi sendo abandonada e o desporto passou a se apropriar da ótica do rendimento, típica do ideário capitalista.

O esporte contemporâneo, por fim, seria aquele identificado a partir da década de 1980. Foi desenvolvido a partir da Carta Internacional da Educação Física, da Atividade Física e do Esporte da UNESCO[1], de 1978. Em sua versão original, tornou-se um marco ao estabelecer, de forma inédita, o esporte e a educação física com um direito de todos ao reconhecer a atividade física como aliada na promoção de estilos de vida saudáveis e a importância de profissionais qualificados na área e ao estabelecer a necessidade da adoção de políticas públicas positivas estatais para promoção do esporte e sua prática nas escolas. Reformada em 2015, também inclui disposições relativas à igualdade de gênero, à inclusão e à não discriminação, além de fazer alusão, de forma mais explícita, a compromissos internacionais no combate à dopagem, à promoção do fair play e à necessidade de coibir a manipulação de resultados em competições esportivas.

O principal fator que marca a transformação do esporte moderno em contemporâneo reside na mercantilização da prática, além da disseminação e divulgação das práticas desportivas em escala global, algo muito facilitado pelo desenvolvimento dos meios de comunicação e de transporte, marca do fenômeno da globalização. As novas orientações transcendem a hegemonia do alto rendimento, facilitando a aproximação de mais pessoas ao desporto (massificação) a partir do momento que o mesmo passa a ser encarado, também, como vetor de promoção da saúde e de inclusão. Por outro lado, o esporte passa a ser apropriado pelo mercado, que passa a associá-lo a giro de capital, fazendo surgir curioso paradoxo. Como muitos dos espaços de práticas esportivas passam a ser comprados e geridos pela iniciativa privada, o esporte se transforma em espetáculo para consumo. Enquanto os órgãos oficiais instituem políticas públicas de promoção do esporte, o setor privado, apoiado pelos meios de comunicação, encarece a prática e cria hábitos e necessidades a ela associados, visando a nutrir-se da massificação do consumo de tais produtos[2].

A nosso ver, o esporte atual vivencia um momento crucial e decisivo para avançar na promoção e proteção à diversidade e aos direitos humanos.  Que possamos ultrapassar os obstáculos, que parecem cada vez maiores em um mundo polarizado, e vencer mais essa.

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo


[1] Para acesso ao inteiro teor da Carta, em português: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000235409_por. Acesso em 24/07/2024.

[2] MARQUES, Renato Francisco Rodrigues; GUTIERREZ, Gustavo Luis; ALMEIDA, Marco Antonio Bettine. A transição do esporte moderno para o contemporâneo: tendência de mercantilização a partir do final da Guerra Fria. Disponível em: http://www.alesde.ufpr.br/encontro/trabalhos/9.pdf. Acesso em 24/07/2024.

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.