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A transnacionalidade, uma característica, das normas e das decisões vindas das federações internacionais esportivas

Por Higor Maffei Bellini

Olá a todos, voltamos a este importante espaço de estudo e discussão de assuntos jurídico relacionados ao direito desportivo, depois de certo tempo afastado em razão dos processos em curso no escritório, bem como pela minha participação em alguns eventos debatendo este tema, justamente a questão da necessidade de haver a caraterística da transnacionalidade nas mornas das federações desportivas internacionais.

No caso dos eventos em que participei, foquei nas normas provenientes da Fifa, uma vez que por termos no escritório algumas questões envolvendo direito de atletas de uma nacionalidade contra os clubes, seus antigos empregadores, de nacionalidade distinta, notamos a importância da transnacionalidade das normas da Fifa para resguardar aos atletas os seus direitos. E para fazer cumprir, sem maior demora, as suas próprias decisões.

A estrutura desportiva como um todo é uma grande associação de caráter mundial, tendo como base os clubes, que são ligados às federações nacionais, e estas são ligadas as federações continentais, assim até chegar à Fifa. No caso brasileiro os clubes de futebol são ligados às federações estaduais, com estas sendo ligadas à Confederação Brasileira de Futebol, que é ligada a Conmebol e a Fifa.

Sim, toda esta estrutura é baseada puramente em cadeia de comando, que tem a sua força no caráter associativo e que tem no temor à exclusão do sistema associativo a sua força, posto que se algum dos elementos, em especial os clubes de futebol, for excluído da família Fifa, do futebol, não mais poderá disputar os campeonatos organizados pelas entidades a elas ligadas, ou seja, qualquer uma, já que, como anteriormente explicado, todos estão ligados à Fifa.

E assim sofrendo esta exclusão os clubes, claro, terão sérios prejuízos financeiros que podem comprometer, ou vir a comprometer a existência deste integrante, obrigando-o a encerrar suas atividades por falta de condições de continuar a custear as suas despesas.

Estes prejuízos financeiros vem do fato de não poderem disputar os campeonatos organizados pelas entidades ligadas à família da Fifa. Assim, o clube não terá a oportunidade de enfrentar seus adversários tradicionais, conseguindo assim a receita de cotas de patrocínio, já que não se patrocina equipes que não disputem campeonatos com repercussão, e o conceito de repercussão deve ser avaliado caso a caso, já que o patrocinado não fica exposto para ter o retorno da exposição da marca se perde os valores relativos a bilheteria dos ingressos, para as vendas destes e, por último, mas, em tempos modernos, não menos importante sem os valores relativo a venda dos direitos de transmissão dos seus jogos, seja pela televisão, pelos serviços de distribuição das imagens dos jogos, pela internet.

E esta estrutura baseada na associação, a qual todos os clubes são obrigados a aceitar, é o que permite a existência de um ordenamento jurídico de caráter privado, dissociado do poder estatal.

A Fifa tem associada a si federações nacionais, com países complemente diferentes entre si em termos de cultura, no sentido amplo da palavra, bem como sistemas jurídicos diversos. Dessa forma, e para que todos possam convier em paz e harmonia, se faz necessária a existência de um conjunto de normas que atinjam a todos da mesma forma, com a mesma intensidade, e consequências para o caso de descumprimento destas.

A existência deste sistema de normas e de julgamento privado, que nasce para regular a vida e o negócios de particulares ao redor do mundo, não é uma novidade criada pelo futebol. Pelo contrário, é apenas a utilização atual, e com adaptações, à antiga lex mercatória. Esta precisou existir para tentar organizar as relações entre os comerciantes dos diversos países que não podiam se socorrer do poder estatal para resolver as suas questões contratuais quando aconteciam os problemas, já que o mundo ainda não era globalizado, os comerciantes estavam em locais distintos, com regras distintas.

É necessário lembrar que o direito é algo único e indivisível. A divisão feita em ramos distintos vem apenas para facilitar o estudo desta ciência, e isso apresenta mais resultados acadêmicos do que práticos. O que, infelizmente, em algumas oportunidades faz que o intérprete do direito, ao analisar o caso em concreto, se esquecer de olhar para o lado, em outra cadeira do direito, e perceber que ali, desde a muitos séculos passados, pode estar a solução dos seus problemas.

Assim as normas vindas da Fifa servem para organizar o futebol, seja como esporte, seja como negócio, e dizer que o futebol é apenas um esporte é negar a realidade, como um todo. O futebol como esporte acontece apenas dentro do campo, tudo o que acontece ao seu redor são negócios.

Desta forma, os regramentos vindos da Fifa existem trazendo não apenas as regras do jogo dentro de campo, mas também fora do campo de jogo, descortinando questões relativa aos direitos dos jogadores enquanto empregados dos clubes, o que é justo e necessários, já que com mais de cem países filiados não se pode imaginar que todos deem o mesmo tratamento ao atleta enquanto empregado dos clubes.

Deve ser lembrado que é por esta razão, a grande diferença de culturas e conceitos jurídicos, o que vem a incluir inclusive a diferença no conceito do que deve ser entendido em relação ao emprego. Daquilo que vem a tornar uma pessoa empregada de um clube de futebol, como jogadora de futebol. Assim como, também, o conceito do que é necessário para que esta seja vista como atleta profissional.

Esta definição vinda da Fifa, que é supranacional, e que deve ser aceita por todos ligados ao futebol, impede que exista uma desnecessária discussão envolvendo uma atleta de uma determinada nacionalidade, com um clube de outro pais, sobre esta ser considerada empregada para assim receber as verbas relativas ao seu contrato de trabalho que deixaram de serem quitadas a tempo e modo corretos pelo clube.

Por esta mesma razão, a diversidade de tratamentos jurídicos relativos aos direitos da mulher gestante, é que foi necessário à Fifa estabelecer em seus regulamentos relativos aos status de jogadoras um patamar mínimo de garantias para as mulheres jogadoras de futebol que desejem viver a experiência da maternidade, sem que esta tenha a necessidade de abandonar a carreira de jogadora profissional de futebol.

E por existir esta transnacionalidade no âmbito do desporto, e especificamente no caso da Fifa, de onde extraímos a nossa experiência, que este texto tem razão de ser, pois é necessária a implementação de uma corte internacional para dirimir as questões relativas as disputas internas. Sejam elas as relativas aos contratos de trabalho, ou de prestação de serviços, a depender de como se encara a realidade para aqueles integrantes do contrato que dita as obrigações para os clubes e para o atleta. Sejam elas relativas às relações comerciais e contratuais entre clubes de países diferentes.

É esta transnacionalidade das normas que regulam as relações trabalhistas e negociais entre os clubes que exige também a existência de um tribunal transnacional, posto que de nada adianta existirem normas que atinjam a todos, mas que tenham a necessidade de serem discutidas nas cortes judiciais estatais.

Isto porque a discussão já se iniciaria, no momento de se saber qual tribunal deveria dar a solução para o conflito, com a possibilidade real e concreta do exigir que seja a do seu país, onde o atleta teria a barreira da língua, a dificuldade de encontrar um advogado de sua confiança, e o tempo do visto para discutir a questão, dando a possibilidade ao clube acionado de protelar a solução do caso até conseguir um acordo ou o atleta desistir

O que cria também a necessidade, e a possibilidade, desta corte com caraterísticas internacional, após decidir a questão, poder fazer cumprir as suas próprias decisões sem a necessidade de se socorrer das cortes estatais. O que acarreta a necessidade de impor as necessárias sanções como imposição de penas pecuniárias, a impossibilidade de registrar novos jogadores, e até mesmo a exclusão, sem as quais as decisões poderiam ser ignoradas.

É graças a este caráter transnacional das normas das entidades internacionais que organizam o esporte globalmente, e das decisões vindas das cortes, quando existentes dentro destas organizações, que um litigante pode conseguir uma decisão contra um clube, seja em razão ao descumprimento dos contratos de trabalho, no caso de ser um atleta o litigante, que este poderá receber o seu crédito diretamente pela via da execução desta decisão dentro deste mesmo tribunal sem necessitar da justiça do país sede do clube.

E, já levantando a bola para um próximo artigo, é este caráter impositivo das decisões vindas do tribunal da Fifa que torna muito mais vantajoso para o atleta estrangeiro cobrar os seus direitos não pagos pelos clubes brasileiros no tribunal da Fifa do que na justiça brasileira, visto que o medo de sofrer as sanções esportivas faz com que os clubes quitem as obrigações muito mais facilmente do que o medo das penhoras nas contas vindas da justiça do trabalho, que em razão das execuções centralizadas não acontecem mais.

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