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A volta das torcidas aos estádios: entre experimentos, desacertos e desequilíbrio

E novamente ele chegou com inspiração

Com muito amor, com emoção, com explosão e gol

Sacudindo a torcida aos 33 minutos do segundo tempo

Depois de fazer uma jogada celestial em gol

(Fio Maravilha, de Jorge Benjor)

O futebol brasileiro sempre traz novidades que chacoalham os noticiários! Não há um instante de paz e serenidade…Essa tendência a grandes emoções e agito transcende as quatro linhas de campo, alcançando o chamado bastidor da bola!

Malgrado ultimamente seja crescente o interesse por informações sobre temas de gestão e finanças no esporte e até mesmo questões jusdesportivas – inclusive por parte dos torcedores-, durante um campeonato brasileiro tudo pode ocorrer, seja dentro, seja fora do relvado – como diriam nossos patrícios d’além mar.

Recentemente, enfrentamos, ainda durante a realização dos certames estaduais, um debate intenso sobre o retorno ou não dos jogos. Muitas incertezas e temores a respeito da possibilidade de partidas de futebol se transformarem em epicentros de contaminação da covid-19. Além disso, pairavam dúvidas quanto à responsabilidade civil de clubes e federações, por exemplo.

No entanto, pode-se afirmar que o desfecho das partidas remanescentes dos campeonatos estaduais – de forma geral – foi positiva. Foram desenvolvidos protocolos de saúde, após amplo debate com referências da comunidade médica e com as autoridades públicas sanitárias, promoveu-se a testagem dos participantes do evento esportivo, atletas, técnicos, dirigentes e todos os demais que adentrassem nos estádios.

Qualquer debate sobre o retorno do futebol aos gramados é coisa do passado. Criou-se parâmetros que permitem se realizar partidas com nível satisfatório de segurança, apesar de sempre existe uma crítica para seu aperfeiçoamento.

O momento é sui generis, ao longo das edições do Campeonato Brasileiro, em todos os seus níveis (Sérias A, B, C e D), tem aparecido casos concretos que apontam equipes com vários contaminados, após a testagem, que culminaram até com o adiamento de partidas. Aliás, determinadas partidas, inclusive, foram alvo de fustigações no âmbito da Justiça Desportiva e – ultimamente- até mesmo no foro juslaboral[1].

Agora, o instante em que vivemos descortina uma nova discussão, que, ao meu sentir, amigo e amiga leitores, merece atenção redobrada. Eclodiram notícias na derradeira semana informando que o Governo Federal, por meio do Ministério de Saúde, aprovou plano encaminhado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para permitir o retorno de público aos estádios, na proporção de 30% da capacidade total dos estádios[2].

O tema foi levado a uma reunião entre os clubes que disputam o certame nacional, visando debatê-lo e chegar a um consenso, posto que já se alardeia na imprensa que o município do Rio de Janeiro quer autorizar a realização de jogos de futebol com presença de público[3]. Diga-se, ainda, que esse assunto fora ventilado quando se realizavam as finais do Campeonato Carioca[4].

Apenas, a título de informação, esse conclave não resultou em qualquer decisão sobre esse tema, ao revés, descortinou insatisfações entre os participantes[5]. Em suma, pretendeu a CBF propor o retorno do público em todas as praças desportivas, enquanto a Federação de Futebol do Rio de Janeiro (FFERJ) e o Flamengo, ponderaram sobre a autorização da volta gradual, de acordo com a liberação de estádios por cada município e/ou estado. Isso, em verdade, significaria afirmar que os clubes cariocas poderiam ter o público de volta aos jogos. Quanto a esse aspecto, houve insatisfação porque implicaria em violação à paridade de armas entre os clubes.

A primeira pergunta, então, que advém é se os torcedores já podem voltar aos estádios de futebol.

Confesso o meu entusiasmo pelo tema, posto que acredito ser necessário ampliar o debate para todos os atores do segmento, para além da mera posição governamental ou dos cientistas.

A retomada das atividades até então habituais tem sido deveras discutido em todos os quadrantes do país, pelos mais diversos segmentos. E, lógico, o setor de eventos esportivos também merecem integrar este debate, para que possamos alcançar uma decisão democrática e racional. Inclusive, a data do retorno pode não ser breve, mas será projetada e construído o caminho para sua execução.

A questão deve ser, principalmente, orientada pelo paradigma médico, contudo, a primazia da realidade não deve ser desconsiderada em nenhuma hipótese. Não se pode, pura e simplesmente, se viver numa interminável reclusão e desativação de setores produtivos da sociedade, sem que sempre se inste o seu regresso gradual ou pleno.

Afirmo que pensar e planejar volta de público aos jogos de futebol não é algo errado. Discutir o tema não pode ser tabu. É preciso sim criar e desenvolver trabalhos de inteligência científica, jurídica e qualquer outra natureza para poder lutar contra os efeitos da pandemia da covid-19.

A análise de experiência existentes fora do Brasil em relação ao assunto também me parece deveras pertinente, nota-se que na França, na Holanda e na China os jogos que contemplam presença de pessoas nos estádios[6]. E, mais recentemente, tem-se um curioso exemplo na NFL (liga de futebol americano) a realização de jogos com e sem público.

O retorno da torcida às arquibancadas e cadeiras de arenas esportivas tem que ser feito com segurança. Isso é um axioma. Embora, saiba-se que nunca ninguém estará 100% seguro, em nenhum lugar ou ao se realizar qualquer ato, desde ir ao mercado. Igualmente, convém rememorar que algumas atividades profissionais não cessaram, tanto de natureza público, como privada. Recentemente, autorizou-se a retomada de shoppings centers, bares e restaurantes, locais que têm a presença constante de público.

Portanto, todos esses recortes da realidade emergem no debate sobre a volta do público aos jogos de futebol. É necessário, pois, racionalidade e sobriedade para enfrentar a questão e chegar a uma melhor saída.

Então, na minha perspectiva, a volta da torcida dependeria deveras da anuência das autoridades médicas e sanitárias, que devem demonstrar a redução concreta do estágio da pandemia in loco e a impossibilidade/dificuldade de nova onda de contágio. Porém, conviria, outrossim, ouvir as autoridades públicas municipais, os gestores dos equipamentos esportivos, as entidades de administração do esporte, os clubes. O sopesar de tais posicionamento é essencial para se alcançar uma melhor e mais justa alternativa ao dilema que vivemos.

Outra questão, diz respeito a uma potencial violação ao princípio da paridade armas, se a presença de público nos jogos poderia ser interpretada como vantagem ao clube mandante. Em abstrato, creio que se poderia crer nisso, pois é inegável que a fator e calor humanos advindo das arquibancadas motiva os atletas, permite que até se realize o inimaginável, por vezes. Se fossemos aqui rememorar partidas de futebol onde se tributa ao incentivo vindo do torcedor foi o móvel para contagiar um time rumo a triunfos inesperados, faríamos um livro, porque este espaço é diminuto por demais.

Logicamente, tal não é uma regra imutável que assegura sempre o resultado favorável ao time da casa; mas, é inegável o prejuízo esportivo dos mandantes dos jogos. Por exemplo, no retorno do certame alemão, “o aproveitamento do mandante era de 43% de vitórias, 22% de empates e 35% de derrotas. Sem público, inverteu: os visitantes venceram 44% dos jogos, com 32% de reveses e 23% de igualdades”[7].

Todavia, creio que, no quadrante em que nos encontramos, a flexibilização da paridade de armas nesse caso, a depender do quanto de público se autorize, pode ter implicações mais positivas do que negativas. É óbvio que dentro de cenário de biossegurança que nos permita ter público em estádios.

Penso que a proporção sugerida (30%) é demasiada, porquanto nalguns estádios implicaria em quantidade expressiva de torcedores, com efetivo poder de contribuir para a modificação de resultados. A balança se desequilibraria. Portanto, a proposta formulada pela CBF soa como potencial ofensa ao princípio da par conditio.

Entrementes, poder-se-ia fixar quantitativo único nesta fase, contemplando o retorno de torcedores, pouco a pouco, à medida que em cada município houvesse a liberação de estádios ao público, juntamente com um plano de ação diante desses novos fatos. Assim, advindo novo cenário, teríamos uma nova proposta a se fazer, quiçá, alcançar o percentual proposto.

O momento vivido é singular. Exige-se dos stakeholders do mercado da bola e, também, do Poder Público capacidade de reinvenção, adaptação, diálogo e articulação. Verticalizar decisões nem sempre será o melhor caminho, é necessário que cada possa escutar o outro, nutrir a empatia e buscar a racionalidade, considerando a saúde como valor reitor nesse momento, sem descurar o zelo em relação a outros, como o critério econômico.

Enfim, são tempos complexos, de erros e acertos, de experimentos, que se conduzidos com responsabilidade e de forma colegiada, nos permitirão atingir o equilíbrio necessário para se enfrentar a novel realidade e garantir um futuro mais próximo do que se tinha como presente.

……….

[1] Me refiro, em especial, ao episódio que envolveu a realização da partida entre “Palmeiras x Flamengo”, válida pela 12 a rodada do Campeonato Brasileiro da Série A, que ficou na iminência do cancelamento devido a liminar proferida pelo Poder Judiciário Trabalhista Fluminense, sendo, ao fim, cassada pela Corte Maior Laboral. A respeito disso, com maior detalhe e ampliando as reflexões, sobretudo passadas as primeiras impressões – que podem nos turvar a visão nalgumas questões – escreverei na próxima Coluna.

[2] Disponível em: < https://globoesporte.globo.com/rs/futebol/brasileirao-serie-a/noticia/ministerio-da-saude-aprova-estudo-da-cbf-de-retorno-de-ate-30percent-de-publico-no-futebol-brasileiro.ghtml> Acessado em 28 set 2020.

[3] Disponível em: < https://www.esporteinterativo.com.br/futebolbrasileiro/Crivella-garante-que-Flamengo-x-Athletico-dia-04-de-outubro-tera-publico-20200918-0036.html> Acessado em 28 set 2020.

[4] Disponível em: < https://globoesporte.globo.com/futebol/times/vasco/noticia/prefeitura-do-rio-decide-adiar-publico-nos-jogos-de-futebol-diz-marcelo-crivella.ghtml> Acessado em 28 set 2020.

[5] Disponível em: < https://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,reuniao-na-cbf-sobre-volta-da-torcida-aos-estadios-termina-em-confusao,70003451662> Acessado em 28 set 2020.

[6] Interesse conhecer a realidade de diversos países na retomado do público aos estádios. Nota-se que não há uma linearidade ou que as escolhas sejam pautadas em critérios eminentemente científicos em relação ao quantitativo, mas tentativas que podem ocasionar em erros e acertos. Disponível em: < https://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/noticia/com-ou-sem-publico-veja-quais-paises-autorizaram-torcedores-nos-estadios-em-partidas-de-futebol.ghtml> Acessado em 28 set 2020.

[7] Disponível em: < https://veja.abril.com.br/esporte/o-destino-do-efeito-casa-em-jogos-sem-torcida-nos-estadios/> Acessado em 28 set 2020.

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