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Abel Ferreira x Mauro Cezar e Jovem Pan: qual o limite da liberdade de imprensa?

Na última segunda-feira (12), o técnico do Palmeiras, Abel Ferreira, entrou com uma ação na Justiça contra o jornalista Mauro Cezar Pereira e também a Jovem Pan na qual cobra uma indenização de R$ 50 mil por danos morais, além de um pedido de retratação. O motivo do processo foi uma declaração dada pelo profissional durante um programa esportivo da emissora onde ele disse que o treinador português teria uma “visão de colonizador”. O caso gerou polêmica nas redes sociais e reacendeu uma velha discussão: há limite para a liberdade de imprensa?

“A liberdade de imprensa possui natureza distinta da liberdade de expressão, embora ambos sejam garantias constitucionais, e direitos fundamentais que visam a tutela dos pilares democráticos. A liberdade de imprensa concerne ao veículo de comunicação, o direito de informação, trata-se de uma forma de exercício da cidadania através do acesso às publicações de notícias, circulação de jornais (Lei 2.083/53, art. 1º). Ou seja, a plena liberdade da informação jornalística (art. 220, §1º, CF), sendo proibida a criação de legislação que constitua embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, desde que não viole o direito à vida privada, a honra e a imagem do outro. Quando isso ocorre, há previsão constitucional ao direito de indenização por eventual dano material ou moral que a extrapolação da liberdade de imprensa ou de expressão possa ter causado”, conta Ana Mizutori, advogada especializada em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.

“A liberdade de imprensa é pautada pelos valores e princípios do Estado Democrático de Direito, sobretudo pela liberdade de expressão, da qual podemos dizer que representa uma decorrência. É importante frisar que nem mesmo os princípios mais relevantes do nosso ordenamento jurídico, como entende-se que é a Liberdade de Expressão, serão considerados absolutos, e isso significa que existem também limites legais para o exercício dessas prerrogativas. Por mais polêmico que possa ser o tema, afinal, envolve um direito fundamental no Estado Democrático de Direito e, mais: no caso concreto envolve o exercício da profissão de jornalista e o futebol, é necessário destacar que em se tratando da liberdade de expressão, esses limites são os crimes contra a honra, a qual é também um direito subjetivo resguardado pela Lei. Isso significa que qualquer pessoa tem o direito a expressar-se, emitir opinião e manifestar seu pensamento no limite do direito à honra dos envolvidos, isto é, sem cometer calúnia, difamação ou injúria”, Luiza Soares.

“Da mesma forma que a Constituição Federal veda a censura (como forma de assegurar a pluralidade de ideias, o acesso à informação), limita também essas liberdades quando interpostas a outros direitos, como os invioláveis direitos citados acima, como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem. Em conclusão, não basta que haja uma mera inconveniência ou desgosto pela manifestação de pensamento alheia, ou a publicação de determinado conteúdo jornalístico, para que a liberdade de expressão ou de imprensa, respectivamente, transponham as suas garantias constitucionais. É preciso que estas incorram em prática tipificada como crime, como por exemplo, os crimes contra a honra, sendo eles a calúnia, difamação e injúria, para retirar tutela do direito à liberdade de expressão ou de imprensa”, acrescenta Ana Mizutori.

A liberdade de expressão e a liberdade de imprensa são garantias constitucionais, previstas no artigo 5º, incisos IV, IX, XIV e artigo 220 da Constituição Federal, respectivamente.

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

“Sobre essa questão de pensar os limites da liberdade de expressão convém reparar o fato de que hoje o jornalismo não esteja mais tão preocupado com a busca da verdade real, mas, sim, com a repercussão virtual. Por isso, sempre vemos textos impregnados de ideologia pessoal, numa nova corrente ‘pseudofilosófica’ que poderia se chamar ‘umbigocentrismo’, e diante desse cenário, a reflexão necessária pode ser encontrada numa parábola Socrática conhecida como as ‘Peneiras da Verdade’. Vamos a ela:

Certa vez, um rapaz procurou Sócrates e disse-lhe que precisava contar algo sobre alguém. Sócrates ergueu os olhos do livro que estava lendo e perguntou:

– O que você vai me contar já passou pelas três peneiras?

– Três peneiras? – indagou o rapaz.

– Sim! A primeira peneira é a Verdade. O que você quer me contar dos outros é um fato? Caso tenha ouvido falar, mas não tenha certeza da sua veracidade, a coisa deve morrer aqui mesmo.

– Suponhamos que seja verdade. Deve, então, passar pela segunda peneira: a Bondade. O que você vai contar é uma coisa boa? Ajuda a construir ou destruir o caminho, a fama do próximo?

– Se o que você quer contar é verdade e é coisa boa, deverá passar ainda pela terceira peneira: a Necessidade. Convém contar? Resolve alguma coisa? Melhora a comunidade? Pode ajudar o planeta?

Arremata Sócrates:– Se passou pelas três peneiras, conte! Tanto eu, como você iremos nos beneficiar. Caso contrário, esqueça e enterre tudo!”, cita Diogo Medeiros, advogado especialista em direito desportivo.

A ação foi ajuizada na 17ª Vara Cível de São Paulo, no dia 12 de setembro, cerca de dois meses depois da declaração dada por Mauro Cezar. Em julho, após a eliminação do Palmeiras para o São Paulo, na Copa do Brasil, Abel Ferreira comentou o episódio de indisciplina do atacante Gabriel Veron, então jogador do Alviverde, que havia sido flagrado bebendo em uma festa na véspera do Choque-Rei. A atitude do jogador rendeu a ele uma punição financeira por parte da direção do clube paulista.

“Eu já lhes disse várias vezes que o jogador brasileiro tecnicamente, de longe, os melhores que eu já joguei. De longe, os melhores que eu já joguei, mas mentalmente têm muito que evoluir, muito, a nível de educação, a nível de formação enquanto homens. Também já o disse aqui, porque eles não têm essa formação, eles as vezes não têm noção do que estão a fazer, noção, noção nenhuma, não tem noção nenhuma e apostar na formação é isto”, disse Abel, ao abordar o tema na entrevista coletiva.

No dia seguinte, Mauro Cezar repercutiu a declaração do treinador durante o programa esportivo ‘Canelada FC’, da Jovem Pan.

“Então o (Gabriel) Veron não é o primeiro nem o último a fazer isso, é um garoto. Eu acho que não é uma questão de formação do homem, é natural, um deslumbramento. O cara é jovem, tem uma oportunidade, tá ganhando bem, tem dinheiro, geralmente cercado de amigos e supostos amigos e ele se empolga em uma hora ali. É uma questão de amadurecimento muito mais do que de educação. Agora, eu não acredito que o Abel, como o (Jorge) Jesus falava coisas assim também quando era técnico do Flamengo, falasse isso se treinasse o Grealish no Manchester City, ‘ah o inglês precisa de formação’, então eu acho que não falariam, por isso que eu acho é visão de colonizador”, disse Mauro Cezar.

“Eu acho que esses portugueses vêm para cá, acho ótimo, os defendo sempre, já falo aqui não sou apaixonado pelo Jesus, tenho críticas a ele, ao Jorge Jesus, mas assim, não acho legal quando têm esse tipo de conduta e tudo. Eles falam em um tom como se estivéssemos em 1500 novamente, chegaram aqui nas caravelas, não é assim. Eu acho, para mim, esse tipo de declaração, a mim incomoda, porque eu acho que são coisas distintas. Questão educacional é uma, isso aí é o comportamento do rapaz”, acrescentou o jornalista, na ocasião.

Na ação, obtida pelo Lei em Campo, os advogados de defesa de Abel Ferreira afirmam que a crítica do treinador foi feita em relação “a educação de base do Brasil, cuja deficiência é notória”.

“Note-se, Excelência, que o Autor (Abel Ferreira) faz uma crítica à educação de base no Brasil, cuja deficiência é notória, sendo tema constante de críticas de todo o povo brasileiro. O Autor menciona ainda a necessidade de se apostar na formação dos jovens, o que também é unanime no nosso país”, diz parte do documento.

Ainda segundo a defesa do treinador, Mauro Cezar proferiu “falas injuriosas” e com “conotação xenofóbica”.

“Especificamente com relação ao Sr. Mauro Cezar, em programa denominado “Canelada FC”, realizado no mesmo dia 14.7.2022 e difundido em rádio, bem como no canal do Youtube da Corré RADIO JOVEM PAN, o Jornalista em questão, sem ouvir a integra da resposta dada pelo Autor na entrevista coletiva transcrita acima, proferiu falas injuriosas em face do Autor, com conotação xenofóbica, aduzindo que a opinião do Sr. Abel Ferreira a respeito do atleta Gabriel Veron se tratava de “visão de colonizador”, diz outro trecho do documento.

“Com efeito, o Corréu (Mauro Cezar) tratou da nacionalidade do Autor em tom pejorativo e comparou seu comentário – que se diga novamente, apenas expos o que todo o povo brasileiro pensa – a atos de colonização ocorridos há mais de 500 anos”, acrescentou a defesa do treinador.

Diante da declaração do jornalista e a repercussão dada pela emissora, a defesa de Abel Ferreira afirma que o treinador teve sua honra atingida e que a fala “ultrapassou a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa”.

“Tais falas atingiram o íntimo da honra do Autor, visto que não se tratou do primeiro episódio de agressão sofrido pelo Sr. Abel Ferreira a partir de falas da imprensa brasileira. Igualmente, não se tratou da primeira crítica exagerada do Sr. Mauro Cezar em face do Autor (…). Não há dúvidas de que as falas do Corréu ultrapassaram a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. Isso foi reconhecido, inclusive, por profissionais da imprensa que trabalham atualmente ou que são ex-colegas do Sr. Mauro Cezar”, acrescentou.

Além de Mauro Cezar, a ‘Jovem Pan’ também está sendo processada pelo treinador. A defesa de Abel Ferreira alegou que a emissora foi passiva e impulsionou as falas feitas pelo jornalista.

“Antes de adentrar nas razões de mérito, que ensejam a procedência desta ação, o Autor destaca a legitimidade passiva da RÁDIO JOVEM PAN. Conforme se verifica do relato fático, não há dúvidas de que tal emissora divulgou e impulsionou as falas injuriosas do Sr. Mauro Cezar”, diz o documento.

Os advogados de Abel pedem que a indenização de R$ 50 mil, valor esse que segundo consta na ação será integralmente revertido pelo técnico a organizações humanitárias de caridade, seja dividida entre o jornalista e a emissora.

Abel Ferreira quer ainda que a Jovem Pan faça uma retratação, conforme a Lei de Direito de Resposta (Lei 13.188, de 11 de novembro de 2015).

“O Autor requer, ainda, a condenação dos Réus na obrigação de fazer consistente na publicação de retratação pública em todos os seus canais de comunicação, proporcional ao agravo sofrido pelo Sr. Abel Ferreira, com o mesmo alcance atingido pelas falas injuriosas do Corréu, sob pena de multa, a ser arbitrada nos termos do art. 7°, § 3° da Lei de Direito de Resposta e do art. 537 do CPC (Código de Processo Civil)”, finaliza o documento.

Procurado por diversos meios de comunicação diferentes que repercutiram a notícia, Mauro Cezar disse que o tema está sendo tratado por seu advogado.

Crédito imagem: Cesar Greco/Palmeiras

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