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Acidente grave na NFL faz lembrar de médico nigeriano que comprou briga com a Liga; e venceu!

A concussão é um problema sério no esporte. Ela pode desencadear uma série de problemas neurológicos. Por isso, depois de muito estudo um médico nigeriano comprou uma briga gigante com a poderosa NFL que desencadeou uma série de mudanças no esporte para proteger a integridade de quem joga. Mas na última semana o protocolo da liga norte-americana sofreu um grande revés.

O protocolo de concussão conjunto da NFL e da NFL Players Association passou a sofrer uma série de questionamentos depois que o quarterback do Miami Dolphins, Tua Tagovailoa, sofreu uma concussão e foi brevemente hospitalizado durante a derrota de sua equipe por 27 a 15 para o Cincinnati Bengals.

O médico da NFL que liberou o atleta para voltar ao jogo com visíveis sinais de lesão acabou sendo demitido e entidades de saúde estão pedindo mudanças no protocolo de concussão, uma delas a de que qualquer jogador que mostre “instabilidade motora grosseira” após um golpe na cabeça o protocolo determine um “não ir” automático pelo resto do jogo.

A discussão por lá é a de que é preciso continuar avançando na conquista de um médico nigeriano.

A história do médico nigeriano que enfrentou a NFL e venceu

Dr. Benett Omalu era um médico legista que trabalhava em Pittsburgh havia 30 anos. Ele não se interessava por um esporte milionário e sequer conhecia personagens do jogo.

Isso até ele se “encontrar” com Mike Webster, num sábado, em setembro de 2002. O detalhe importante é que um dos maiores nomes do esporte americano estava morto. Nesse momento, a NFL se deparou com um problema que não conseguiria vencer.

Antes de falar desse encontro, da pesquisa que provocou a ira dos chefões da Liga e das consequências para o jogo, é importante reforçar algo sobre o Direito Esportivo e esta seção.

O professor Wladimyr Camargos já escreveu no Lei em Campo sobre os fundamentos do Direito Esportivo. Ele destacou que a Lex Sportiva não pode ser confundida com a Lei do Esporte. Afinal, esse sistema transacional ultrapassa os limites jurídicos, abrangendo também sociologia, cultura e diálogos, nem sempre tranquilos.

Vamos falar hoje justamente disso. De um diálogo provocado por um médico africano, com cidadania americana, que incomodou os comandantes da NFL, que se negaram a conversar. Mesmo assim, desse quase monólogo surgiram mudanças importantíssimas para a segurança do esporte, muito embora a Liga não admita isso de forma transparente. Tem conversa, tem questionamento às regras, tem conflito, tem mudança. Sim, é caso de Juri-história.

Ao caso. Resumidamente. Em 2002 o médico Bennet Omalu, legista, se deparou com Mike Webster, um ídolo do futebol americano que acabara de morrer com apenas 50 anos. Omalu costumava repetir que se preocupava não com a forma como as pessoas viviam, mas sim como morriam. A hipótese de ataque cardíaco, como se suspeitava, nunca foi recebida por Omalu. Até porque o ex-atleta apresentava um quadro de demência surpreendente nos últimos anos de vida. Ele precisava entender aquela morte.

“Iron Mike” era um “center“, a mais violenta das posições do esporte. Ele sofreu uma tempestade incansável de golpes ao logo da carreira. Segundo estimativas, foram mais de 25 mil colisões em campo. Na autópsia, Omalu não abriu mão de analisar o cérebro de Mike, mesmo com a oposição de muita gente. No exame, encontrou uma série de pequenas lesões. O mesmo aconteceu com outras autópsias feitas com ex-jogadores de futebol americano.

O médico concluiu que a doença degenerativa, chamada ETC (encefalopatia traumática crônica), havia sido causada pelos golpes que os atletas receberam na cabeça ao longo da carreira. Ele então passou a apresentar os estudos à NFL, que negou que os danos eram fruto da prática do futebol americano.

A indústria do esporte sempre fez de tudo para manter o ídolo ativo. Fitas, injeções, Vicodin, lidocaína, a lista é longa. O espetáculo precisava continuar. E um “médico legista africano”, que “mal conhecia o esporte”, que “nem nos Estados Unidos havia nascido”, ousava questionar os procedimentos desse esporte americano, que movimentava fortunas, empregava milhares e investia em projetos sociais. Os executivos do esporte não podiam admitir que o esporte que era empolgante, bonito, apaixonante e rentável poderia ser também perigoso.

Omalu sofreu ameaças, preconceito. Nem sequer conseguia se encontrar com os poderosos da Liga. Mas a NFL se deparou com a pessoa errada a ter descoberto algo tão avassalador. Sabe por quê? Porque Bennet Omalu aprendeu desde sempre, em Nnokwa, no sudeste da Nigéria, onde nasceu, em setembro de 1968, a lutar pelo que acreditava. Seu sobrenome, Omalu, é uma abreviação de “Onyemalukwube“, que significa que “se um homem sabe algo, ele deve falar”.

Ele não ficaria quieto, apesar de todo o risco.

Para uma publicação científica, três casos seriam suficientes. Ele e seu grupo já tinham quatro. Omalu tinha certeza: “Isso já é muito maior do que a NFL”.

Outros estudos deram ainda mais força à tese de Omalu. Em 2014 uma pesquisa da Universidade de Boston identificou que, nas autópsias feitas com 79 jogadores de futebol americano, 76 apresentavam doenças degenerativas causadas por situações de jogo. Outro estudo, de 2015, indicava que um jogador de futebol profissional sofre em média entre 1.000 e 1.500 colisões com outros jogadores ou quedas no campo a cada temporada, algumas chegando a atingir forças sobre o corpo equivalente a levar uma pancada de um carro circulando a 55 km/h.

Isso gerou uma série de processos e mudanças

Os atletas buscaram seus direitos no fórum adequado, a Justiça. Em um julgamento de grande repercussão, a poderosa liga concordou em pagar mais de US$ 1 bilhão em uma ação movida por um grande grupo de ex-jogadores aposentados que alegaram ter o problema diagnosticado por Omalu, devido à prática do esporte.

E mais, depois disso, a NFL tem mudado regras de segurança no esporte. A “lei do esporte” está deixando o jogo mais seguro. Ela criou o “Protocolo de Concussão”, investiu mais de 100 milhões de dólares para o desenvolvimento de tecnologias e apoio à investigação médica desses casos, ajudou a desenvolver um capacete tecnológico. O jogo tem tido menos colisões perigosas.

A história de Omalu virou filme, com Will Smith no papel do médico, “Um homem entre gigantes”. Não há no filme nenhuma batalha jurídica, como também essa não apareceu como de costume por aqui. Isso não tira a descoberta científica de Bennet Omalu do rol das transformações que o esporte sofre a partir das provocações que recebe.

As histórias transformadoras são sempre surpreendentes. Afinal, elas rompem a linha normal dos fatos, exigem um realinhamento cultural e jurídico, estabelecendo uma nova relação entre o esporte e seus operadores. Foi exatamente o que provocou a pesquisa médica de Bennet Omalu.

Uma conquista gigante, que precisa de vigilância permanente e novos cuidados para continuar ajudando na preservação da saúde dos atletas.

Filme “Um homem entre gigantes”. Disponível na Netflix, aqui.

Crédito imagem: David Butler II-USA TODAY Sports.

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