O Papa Francisco revisou recentemente a doutrina oficial da Igreja Católica vigorante desde o século XV, que dizia ser o inferno uma punição perpétua para aqueles que pecam. Conforme ressaltou o pontífice, “o castigo do inferno com o qual a Igreja atormenta os fiéis não é eterno”.
Ele não quis reinventar a roda. Antes, porém, fez retornar o catolicismo às suas origens, época em que a Igreja jamais defendera a teoria da eternidade do inferno. A bem da verdade, a doutrina revista pelo Papa foi idealizada com o objetivo de incutir medo na mente do povo, com o objetivo de que este se abstivesse de pecar.
Como ressaltam os especialistas, Jesus Cristo, em sua trilogia sobre a redenção (caracterizada pelas Parábolas do Filho Pródigo, da Ovelha Perdida e da Moeda Perdida), enfatiza claramente que as pessoas sempre poderão se redimir junto ao pai eterno.
Se Deus não condena seus filhos eternamente, não parece correto que os homens possam fazê-lo com seus semelhantes. Nossa Constituição, por exemplo, reza na mesma cartilha, ao vedar expressamente que sejam estipuladas penas de caráter perpétuo.
Contudo, as organizações desportivas internacionais parecem não ligar para as limitações que o direito e a divindade impõem. São comuns os casos de banimento de dirigentes, atletas, treinadores e outros atores desportivos que tenham cometido infrações graves em suas áreas de atuação.
O mais recente caso foi do tenista ex-número 1 do Brasil João Souza, mais conhecido como Feijão, que após ser colocado em banho maria com uma suspensão provisoria do circuito mundial desde abril de 2019, foi agora queimado definitivamente: está banido do tênis profissional pelo resto da vida, sem poder competir ou sequer entrar em qualquer evento sancionado, organizado ou reconhecido pelos órgãos que administram o tênis.
Este fato reacende o debate sobre a eternidade das penas. Há exatos três anos, a Corte Europeia de Direitos Humanos firmou sua jurisprudência, no sentido de que a prisão perpétua viola os direitos fundamentais do condenado, se não der a ele qualquer expectativa de liberdade.
O acórdão é muito claro. É preciso que haja uma revisão periódica da condenação do preso, depois dele ter cumprido uma parte da pena, a fim de que se verifique se o agente reúne condições para voltar a conviver em sociedade.
Embora a decisão trate de prisão perpétua, os seus fundamentos são igualmente aplicáveis às demais penas que possuam caráter eterno, como as de banimento, por exemplo.
Parece que neste particular o direito está de mãos dadas com os céus. Para o espiritismo, a duração de um sofrimento, que jamais será eterno, se baseia no tempo necessário para que o Espírito se melhore.
Conforme salienta o Espírito São Luís na questão n°1004 de “O Livro dos Espíritos”: “Sendo o estado de sofrimento ou de felicidade proporcionado ao grau de purificação do Espírito, a duração e a natureza de seus sofrimentos dependem do tempo que ele gaste em melhorar-se. À medida que progride e que os sentimentos se lhe depuram, seus sofrimentos diminuem e mudam de natureza.”
Pensar de forma diferente seria atentar contra a própria natureza. Parafraseando Lulu Santos, “tudo muda o tempo todo no mundo”. Nada nesta vida dura para sempre e as coisas estão em constante transformação. Se a sociedade muda, se a natureza muda, se os valores mudam, as pessoas também podem mudar.
Agir contra essa diretriz viola tanto as leis divinas quanto humanas. Como definira a Corte europeia, as leis das nações que não respeitam esta perspectiva violam o artigo 3º da Convenção Europeia de Direitos Humanos, que proíbe tratamento desumano ou degradante.
Vale destacar que inúmeras instituições têm mecanismos que permitem verificar se os condenados podem ter restituídos seus direitos. Na advocacia, por exemplo, o advogado que é excluído dos quadros da OAB tem a chance de retomar a sua profissão após cumprir certos pormenores.
O próprio Código Brasileiro de Justiça Desportiva prevê expressamente a possibilidade de reabilitação em seu art. 99 quando diz que “A pessoa natural que houver sofrido eliminação poderá pedir reabilitação ao órgão judicante que lhe impôs a pena definitiva, se decorridos mais de dois anos do trânsito em julgado da decisão, instruindo o pedido com a documentação que julgar conveniente e, obrigatoriamente, com a prova do pagamento dos emolumentos, com a prova do exercício de profissão ou de atividade escolar e com a declaração de, no mínimo, três pessoas vinculadas ao desporto, de notória idoneidade, que atestem plenamente as condições de reabilitação.”
Isto não significa dizer que os indivíduos condenados a cumprir penas de caráter perpétuo serão tidos como necessariamente reabilitados no futuro. Fundamental é, porém, que de tempos em tempos a condenação possa ser revisitada, a fim de que se possa aferir se os requisitos que a consumaram ainda se fazem presentes.
Foi exatamente isso que a Corte Européia de Direitos Humanos disse e que todos deveriam seguir. Entretanto, as federações desportivas internacionais parecem não estar nem ai para nada disso, pois se consideram acima de tudo e de todos.
Acima dos Tratados e Convenções mundiais.
Acima dos Tribunais internacionais.
E acima de Deus.