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Acontecimentos em Porto Alegre são outdoor de uma cultura que precisa acabar

Não existe caminho que não seja o da punição. Não existe. Nem para o Grêmio, muito menos para os criminosos que invadiram a Arena tricolor após a derrota do clube gaúcho para o Palmeiras pelo Brasileiro. A imagem é mais um outdoor de um imaginário popular que precisa acabar: o futebol não é mundo paralelo.

Passou da hora é de enxergar o óbvio. O que é crime para um cidadão comum é para o torcedor (cidadão comum).

O absurdo que tem se repetido no Brasil não escolhe cor de camisa. Centros de treinamentos invadidos por torcedores uniformizados, patrimônio depredado, agressão em aeroportos, atletas constrangidos, ameaças. Clima de medo e insegurança.

Passar a mão, relevar, tentar encontrar justificativa… são comportamentos que não contribuem em nada para tornar o futebol um ambiente mais saudável. Pelo contrário, cada vez que isso acontece se presta um desserviço para o esporte.

A simples aplicação da lei já ajudaria a atacar esse problema. No movimento jurídico privado do esporte o caminho já me parece mais efetivo.

O Grêmio (clube mandante) era o responsável em garantir a segurança do jogo. Em casos como esse, a justiça desportiva tem aplicado o CBJD e tem sido rigorosa na punição, até porque a conduta dessas pessoas contraria também o espírito do jogo.

Os criminosos disfarçados de torcedores irão prejudicar o clube e seus legítimos torcedores. O papel do Grêmio é identificar essas pessoas e agir, afastando todos do clube. Essa reação efetiva e imediata pode ajudar o clube na defesa no Tribunal desportivo.

A punição desportiva virá, mas é preciso ir além. Os invasores precisam ser punidos, não só pelo clube. Caminhos existem.

O que diz a lei:

– A Lei do esporte, a Lei Pelé, estabelece logo no art 2º, XI o desporto como um direito individual, que tem como base o princípio da segurança, propiciado ao praticante de qualquer modalidade desportiva, quanto a sua integridade física, mental ou sensorial.

– O Estatuto do Torcedor também foi alterado em 2019 e se tornou ainda mais firme no combate à violência. Ele ampliou o prazo de afastamento do criminoso de 3 para 5 anos, conforme o art. 39-A, além de estender sua incidência a atos praticados em datas e locais distintos dos eventos esportivos, instituindo também novas hipóteses de responsabilidade civil objetiva de torcidas.

– Além disso, claro que sim, também se aplicam ao torcedor-agressor toda a lista de crimes prevista no nosso ordenamento, como crime de ameaça, de agressão.

A tecnologia é uma auxiliar para tornar a lei efetiva. As imagens correm o mundo e são claras. Há como identificar todos os invasores, denunciar, julgar e punir no rigor da lei.

Papel do clube

A relação clube-torcida uniformizada é outro problema. Historicamente ela é promíscua em muitos lugares. Ingresso em troca de favor, dinheiro por apoio em eleição. Sem falar que muitos dirigentes sentem medo de líderes dessas torcidas. A relação pode – e deve – existir. Mas ela precisa mudar.

O clube tem que pensar na via preventiva e estimular uma ação saudável com o torcedor, estabelecendo pontes para diálogos. É preciso criar mecanismos de governança que possam passar para a torcida mais transparência, aproximar torcedor e sócio, e criar mais aspectos de controle para dar eficiência à gestão

O caminho para começar a acabar com esse clima de insegurança é quase uma receita de bolo: identificar os culpados, para que eles sejam julgados e condenados de acordo com o rigor da lei. Assim, se reforça o compromisso pelo fim desses atos de violência, como também de devolver uma segurança perdida por essa cultura da impunidade.

O futebol não é mundo paralelo. Nem pode parecer ser.

Enquanto o futebol alimentar com impunidade o imaginário do “mundo paralelo”, de que as leis da sociedade civil não se aplicam ao ambiente esportivo, cenas como a do fim de semana em Porto Alegre se repetirão, e a tragédia será sempre uma possibilidade.

O esporte tem a seu lado a lei. Mas ela só tem efetividade quando coíbe uma ação indesejada ou quando pune essa ação indesejada. Daí a força coercitiva do direito. Caso contrário, perderá força, efetividade e razão de ser.

A lei é instrumento indispensável na construção da paz social, inclusive dentro do universo esportivo.

O que aconteceu no Porto Alegre – e se repete pelo Brasil – tem culpados. E eles precisam ser punidos.

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