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Aderência do modelo do Green Bay Packers à SAF

O objetivo deste artigo é trazer aos dirigentes do futebol brasileiro, torcedores, jornalistas, anunciantes, jogadores, investidores, agentes, governo, ou seja, para toda a comunidade que vive o futebol brasileiro (seja por paixão clubística, necessidade de regulação, ou interesse comercial), uma nova alternativa: (i) de captação de recursos; (ii) que evite que investidores privados se tornem proprietários de clubes sem que tenham qualquer vínculo esportivo e emocional; e (iii)  de governança mais professional que  permita aos clubes de massa do futebol brasileiro aderir à Lei SAF, mas mantendo com seus sócios e torcedores a propriedade e a definição do destino dos “seus” clubes.

Num primeiro momento você poderia questionar:

  1. Como fazer para que uma empresa privada que observe os requisitos da Lei SAF, seja detida por seus torcedores, obtenha recursos junto a esses mesmos torcedores, passe a ter bons níveis de governança corporativa e, ainda, atenda aos interesses (ganhar títulos com a maior frequência possível) de seu torcedor fanático e apaixonado?

Então com o objetivo de trazer uma proposta objetiva e clara inspirada no modelo do Green Bay Packers, sugerimos uma série de ações e medidas que poderiam ser analisadas pelos Conselhos Deliberativos das associações sem fins lucrativos e posteriormente adotadas por um clube de futebol de massa no Brasil:

  1. Todos os ativos, receitas, direitos, dívidas, contratos e obrigações relacionados às atividades do futebol seriam vertidos da entidade sem fins lucrativos para uma nova companhia (“Sociedade Anônima do Povo – SAP”) privada formada como uma sociedade anônima do futebol nos termos da Lei 14.193/21;
  2. Neste primeiro momento, a SAP seria 100% controlada pela associação sem fins lucrativos que atualmente detém e gere o time de futebol (“Clube Social”);
  3. O presidente do Clube Social nomearia um grupo de executivos remunerados, incluindo por exemplo: Diretor de Operações (COO), Diretor de Futebol e Diretor Financeiro (CFO);
  4. A SAP passaria a seguir os procedimentos habituais de sociedade anônimas do mesmo porte, sendo auditada por uma das grandes empresas de auditoria e com regras de governança e compliance observando as melhores práticas;
  5. Com o intuito de captar recursos para fazer frente a novos investimentos e redução de dívida, a SAP faria uma proposta aos seus torcedores para que comprem novas ações de sua emissão, a chamada emissão primária. Essa ação da SAP teria as seguintes características:
    1. O preço de emissão da ação baseado em laudo e avaliação de banco de primeira linha. O número de ações a serem emitidas deverá ser tal que não permita que o Clube Social perca o controle da maioria das ações da SAP;
    2. Todas as ações com direito a voto;
    3. Todas as ações com restrição de circulação, sendo vedada a transferência ou venda a terceiros, podendo somente serem doadas a herdeiros diretos, ou a sucessores em caso de morte. Caso o torcedor deseje vender, elas somente poderão ser recompradas pela própria SAP por um valor simbólico (i.e.: R$0,01);
  6. Portanto, as ações não teriam valor de mercado ou qualquer valor econômico de revenda, mas dariam poder de voto em assembleias gerais da SAP. Os torcedores não comprariam as ações como investimento financeiro ou poupança, mas sim para participar das decisões em assembleias e fortalecer o legado e tradição de um time de massa com torcida fanática, passando a ser verdadeiramente de seus torcedores.
  7. O estatuto teria uma previsão de que todo o lucro apurado obrigatoriamente tem que ser reinvestido na SAP, fortalecendo o princípio de que a ação não é um valor mobiliário que caracteriza investimento ou poupança popular. Além disso, com o reinvestimento do lucro no próprio time, o desempenho esportivo tende a ser mais bem sucedido[1];
  8. A única exceção poderia ser a alocação de parte do lucro para criação e manutenção de uma fundação para executar projetos sociais relacionados ao desenvolvimento de esportes no clube social que deu origem à SAP;
  9. Após a realização da captação dos recursos junto aos torcedores, a SAP continuaria controlada pelo clube social, com um Conselho de Administração com a maioria dos seus membros também escolhido pelo Presidente do clube social, mas teria acionistas minoritários torcedores com a função de acompanhar e fiscalizar os resultados e funcionamento da SAP;
  10. Outro ponto a ser observado é alocação das ações na oferta. A regra de alocação deve buscar a pulverização máxima da distribuição dos novos acionistas entre pessoas físicas, podendo ser ainda criadas regras de restrição de poder de voto para acionistas que detenham mais do que um determinado percentual de ações;
  11. A assembleia de acionistas da SAP se reuniria para analisar e aprovar as demonstrações financeiras, eleger os membros do Conselho de Administração, aprovar eventuais novas captações de recursos junto aos torcedores, bem como alterações no estatuto social. Eventuais alterações relevantes no estatuto exigiriam quórum qualificado de aprovação;
  12. Os acionistas da SAP não se confundem com os detentores de ingressos de temporada (season tickets) ou programas de fidelização do torcedor para frequentar os jogos nos estádios. São programas distintos. Os acionistas da SAP têm o poder de influenciar as decisões de governança do seu time, enquanto o detentor de ingressos (season ticketholders) acompanha seu time presencialmente no estádio. A princípio, não há qualquer venda casada ou conjugada entre eles, sendo fontes de receitas diversas para a SAP.

Conclusão

A adoção de modelo de governança e estrutura jurídica similar ao do Green Bay Packers permite aos clubes brasileiros a possibilidade de:

  1. se beneficiarem dos incentivos trazidos pela Lei SAF, quais sejam:  renegociação das dívidas com regras pré-aprovadas, um regime tributário próprio com alíquota unificada e capacidade de atrair executivos remunerados com salários de mercado;
  2. captação de recursos novos junto aos seus torcedores com participação minoritária; permanecendo o clube social com o controle das decisões e a maioria das ações da SAP;
  3. todo lucro que vier a ser obtido pela SAP será integralmente reinvestido no próprio futebol, alinhando os interesses do acionista controlador que é o clube social, bem como dos acionistas minoritários, que são seus torcedores.
  4. Não há qualquer possibilidade de venda da SAP a investidores privados, bilionários, empresários, fundos de investimento, ou fundos soberanos, uma vez que as ações da SAP têm restrição de transferência e não podem ser vendidas pelo clube social ou pelos torcedores;
  5. adoção de um sistema de governança de sociedades anônimas do mesmo porte, em que os acionistas minoritários (neste caso, seus torcedores) terão mais voz e influência na fiscalização das ações e decisões dos dirigentes, devendo esses mesmos dirigentes cumprir seus deveres fiduciários e podendo ser responsabilizados pessoalmente por má gestão. Além disso, a SAP estaria sujeita a auditoria externa, com regras de governança e compliance observando as melhores práticas do mercado;
  6. o programa de sócio torcedor seria totalmente desvinculado das decisões políticas do clube social ou da gestão da SAP. Trata-se de um produto a ser trabalhado pela equipe de marketing junto aos torcedores para maximizar a experiencia dos torcedores no estádio. Aliás, essa é a prática adotada por todos os times de massa, sejam clubes sociais como Real Madrid e Barcelona; ou clube-empresas detidos por seus torcedores como o Bayern de Munique, Borussia Dortmund ou o próprio Green Bay Packers;
  7. manutenção do Clube Social como entidade sem fins lucrativos e exercendo as atividades que atualmente já fazem, mas como entidade separada das atividades do futebol. Com o compromisso de repasse que a Lei 14.193 exige que seja feito pela SAP ao Clube Social, este poderá ter seu orçamento independente para condução de suas atividades, incluindo as mensalidades pagas pelos sócios que frequentam o Clube Social.

Crédito imagem: Getty Images

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[1] Sempre observada a previsão da Lei SAF de repasse de valores de parte da receita para a associação sem fins lucrativos originária

José Sarkis Arakelian
Doutor em Estratégias de Marketing pela FGV-EAESP.
Consultor e Professor de Estratégia em cursos de graduação e pós graduação na FAAP, FIA e Fundação Dom Cabral. Seus interesses em pesquisa se concentram em sistemas dinâmicos de criação e desenvolvimento de mercados.

José Luis Camargo
Advogado, conselheiro de administração, fellow na Harvard University, Advanced Leadership Initiative, onde desenvolveu pesquisa nas áreas de impacto social e governança (ESG). Também atua como investidor em startups e no apoio da profissionalização de organizações não governamentais. Foi um dos sócios fundadores de Madrona Advogados, tendo liderado mais de uma centena de operações de M&A e joint ventures em diversos setores da economia.

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