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Adicional noturno e atletas profissionais outra vez? Um tradicional problema para uma clássica solução

A questão do adicional noturno no contrato de trabalho dos atletas profissionais já é um tradicional problema para uma resposta também clássica no Direito do Trabalho Desportivo brasileiro.

Segundo o escrito há anos,[1] o problema da ordem jurídica brasileira, tradicionalmente reconhecida como um Direito Romano-Germânico (Civil Law), é a insistência de menosprezar a necessidade de se legislar somente sobre o Trabalho Desportivo em uma Lei Única, fora da Lei n. 9.615/98 (Lei Pelé) ou qualquer Lei Geral do Desporto (Esporte) que seja.

A questão foi relembrada, recentemente, quando a 2ª e a 7ª Turmas do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro (TRT1) julgaram providos os adicionais noturnos em favor de ex-atletas profissionais de dois grandes clubes brasileiros.

Tais decisões não são nada absurdas, pois a Lei n. 9.615/98 (Lei Pelé) é totalmente lacônica a respeito do adicional noturno.

Ao contrário, diante da lacuna legal, levando-se em consideração que o art. 28, § 4°, da própria Lei Pelé normatiza a aplicação subsidiária da Legislação Trabalhista e da Seguridade Social, a interpretação juridicamente mais lógica e segura para o Magistrado Trabalhista é mesmo aplicar subsidiariamente o art. 73 da CLT, que prevê o adicional noturno, aos atletas profissionais.

Adicional noturno é a compensação adicionada ao salário para reparar monetariamente as horas trabalhadas em horário noturno, considerado por estudos científicos como prejudicial à saúde do ser humano trabalhador.

Em disposição consolidada no art. 73, da CLT, o horário considerado noturno para fins de incidência do adicional no valor de 20% sobre a hora normal diária é de vinte e duas horas de um dia às cinco horas do dia seguinte (22h às 5h), contabilizando-se a hora noturna como cinquenta e dois minutos e trinta segundos (52min30seg).

No trabalho dos atletas, é pauta de dissidência a aplicabilidade ou não do adicional noturno, conforme o já relatado acima, tendo em vista que a Lei Pelé e suas seguintes modificações legais nunca regulamentaram especificamente o labor noturno do atleta ou sequer o tangenciaram.

Prevalece na doutrina, sensivelmente, corrente defesa de que o atleta profissional é também um empregado. Por ser assim, deve o jogador ter direito ao adicional noturno quando efetivamente trabalhar dentro do período considerado noturno para fins de aplicação do previsto no art. 73, da CLT.[2]

Não obstante antiga decisão de referência ontológica do C.TST[3] julgando improcedente o recebimento de adicional noturno pelo jogador, a jurisprudência atual parece bastante variante, sutilmente a predominar pela impossibilidade de o atleta empregado ter direito ao adicional noturno.[4]

Outra vertente doutrinária[5] advoga a não aplicação do adicional noturno aos jogadores empregados, basicamente por três argumentos:

  1. a atividade desportiva é de entretenimento e por força dos costumes é praticada em horários de lazer, não devendo repercutir no salário dos atletas qualquer adicional noturno;
  2. a extensão do espetáculo para além das vinte e duas horas (22h) da noite atende aos interesses empresariais da venda do espetáculo que sustenta em boa parte a atividade econômica esportiva e, consequentemente, suporta os próprios salários dos atletas, sendo excessivo cobrar-se o adicional noturno;
  3. nem todos os jogos se estendem para além das vinte e duas horas (22h) e quando ocorre, raramente ultrapassa as duas horas extras (0h). Portanto, nem sempre o atleta trabalha nessas condições, e a esmagadora maioria dos empregados desportivos que trabalham nesses horários são “hipersuficientes” com firmamentos contratuais financeiramente compensatórios de tal situação, já que o fundamento é a venda da transmissão/retransmissão do espetáculo esportivo, somente abarcado por esta circunstância os jogadores empregados em grandes clubes que participam nas maiores competições, ou seja, os que recebem o direito de arena (art. 42, da Lei Pelé).

Entre as duas correntes, adere-se à segunda, mais pelo terceiro argumento do que por qualquer outro. Contudo, ressalte-se que se o caso concreto revelar outra realidade divergente do argumento perfilado na letra c) acima, sendo o atleta não “hipersuficiente” (economicamente, negocialmente) perante o clube e submetido constantemente a treinos ou jogos que passem das vinte e duas horas (22h) da noite, entende-se aplicável o adicional noturno tal e qual normatizado no art. 73, da CLT.[6][7]

Outra polêmica seria a participação dos atletas empregados menores de dezoito (18) anos em horários depois das vinte e duas horas (22h), já que a Lei Pelé permite o labor do jogador profissional a partir dos dezesseis anos (16) no art. 44, III. Todavia, tal tema será reservado a outra ocasião.

O art. 21, VII, do projeto de Lei n. 10.319/18, taxativamente, exclui o adicional noturno ao empregado atleta no tempo de trabalho em partidas oficiais, períodos de concentração, pré-temporadas e viagens. Restaria questionar se tal disposição seria constitucional perante o mandamento do art. 7º, IX, da CF/88, que estabelece o valor da hora noturna superior a da hora diurna.

Em consonância com a posição explicitada no Livro Curso de Direito do Trabalho Desportivo, recentemente publicado,[8] o afastamento do adicional noturno em concentração, viagens e certos períodos de pré-temporada é compreensível, mas, via de regra, expungir legalmente o adicional noturno de partida oficial e treinamentos em pré-temporada ocorridos entre as vinte e duas horas (22h) da noite e às cinco horas (5h) do dia seguinte, contrariando os ditames do art. 7º, IX, da CF/88, considera-se flagrante inconstitucionalidade.

A participação do atleta em jogos oficiais e treinamentos de pré-temporada entre os horários descritos acima são algumas das principais obrigações do contrato trabalhista desportivo, não podendo simplesmente serem alijadas do adicional noturno.

Treinamentos em pré-temporada e participação em jogos oficiais são tempo de trabalho efetivo, exceto se o empregado desportivo se enquadra como “hipersuficiente” e se as horas noturnas trabalhadas decorrerem de atuação em jogos, troca de roupa em vestiário, entrevistas pós jogo e deslocamento do estádio para casa.

Todavia, outra vez, eis o problema do adicional noturno, que assim como outras matérias já se tornou algo tradicional no Direito do Trabalho Desportivo brasileiro, pois requerem uma solução também clássica, qual seja, o Parlamento legislar especificamente em Lei exclusiva, pormenorizada sobre o trabalho no desporto, incluindo o novo tipo de trabalho desportivo – eSports. João Leal Amado revela desde 1995: “Portugal, Espanha, Itália, Bélgica e Grécia legislaram especificamente sobre o labor desportivo.”[9]

Parafraseando Albino Mendes Baptista, “obriga-se ao Legislador brasileiro a procurar soluções legais adequadas à realidade laboral desportiva, despindo necessariamente a camisola do direito laboral comum pensado para outro tipo de trabalhadores e de realidade”.[10] Nesse sentido, o Brasil continua rejeitando as suas raízes Romano-Germânicas (Civil Law), sendo omisso e eternizando o problema.

……….

[1] Críticas antigas deste autor escritas em RAMOS, Rafael Teixeira. Direito do trabalho desportivo: profissionalismo, contrato laboral desportivo, as partes da relação empregatícia desportiva e a interveniência de terceiros. In: BELMONTE, Alexandre Agra; MELLO, Luiz Philippe Vieira de; BASTOS, Guilherme Augusto Caputo (organização e coordenação). Direito do trabalho desportivo. São Paulo: LTr, 2013, p. 105-117., reproduzidas em RAMOS, Rafael Teixeira. Curso de direito do trabalho desportivo: as relações especiais de trabalho do esporte. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 60-61.

[2] BARROS, Alice Monteiro de. Contratos e regulamentações especiais de trabalho: peculiaridades, aspectos controvertidos e tendências. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 126-127. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 908., e MARTINS, Sérgio Pinto. Direitos trabalhistas do atleta profissional de futebol. São Paulo: Atlas, 2011, p. 84-86.

[3] Atesta-se na obra de VEIGA, Mauricio de Figueiredo Corrêa da. Manual de direito do trabalho desportivo. 2. ed. São Paulo: LTr, 2017, p. 223.

[4] (TRT1, PROCESSO nº 0100590-41.2017.5.01.0032 (RO), Rela. CARINA RODRIGUES BICALHO, 3ª TURMA, 02/05/2019)., (TRT18, ROT – 0011608-46.2017.5.18.0010, Rel. CELSO MOREDO GARCIA, 2ª TURMA, 06/02/2020)., (TRT-1 – Processo: 00568007920035010005 – RO ACÓRDÃO. Recurso Ordinário RO 568007920035010005 RJ (TRT-1). 10ª Turma, Data de publicação: 11/04/2012.)., (Sentenção já confirmada em acórdão de uma das Turmas do TRT2, impossibilitada de acesso por estar o processo tramitando em segredo de justiça – 4ª Vara do Trabalho de São Paulo. RTOrd 1001389-53.2016.5.02.0004). (grifos nossos).

[5] Baseados na especificidade do trabalho desportivo, entendem não ser cabível o adicional noturno ZAINAGHI, Domingos Sávio. Os atletas profissionais de futebol no direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2015, p. 85-86.

[6] Aproximação desta abordagem em terceira corrente protagonizada por SÁ FILHO, Fábio Menezes de. Contrato de trabalho desportivo: revolução conceitual de atleta profissional de futebol. São Paulo: LTr, 2010, p. 91-93., e VEIGA, Mauricio de Figueiredo Corrêa da., op., cit., 2017, p. 223-224.

[7] No mesmo sentido é o julgado – Ementa: ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. ADICIONAL NOTURNO. Em razão das peculiaridades do contrato de trabalhado de atleta profissional de futebol, penso que não lhe são aplicáveis as regras celetistas relativas ao adicional noturno, em face da especificidade da atividade desportiva. Recurso a que se nega provimento, no particular. TRT-6-Processo: RO – 0015600-50.2009.5.06.0003 (00156-2009-003-06-00-3), Redator: Acácio Júlio Kezen Caldeira, Data de julgamento: 10/05/2011, Segunda Turma, Data de publicação: 22/05/2011. (grifos nossos).

[8] RAMOS, Rafael Teixeira., op., cit., 2021, p. 149-154.

[9] AMADO, João Leal. Contrato de trabalho desportivo anotado. Coimbra: Coimbra Editora, 1995, P. 14.

[10] BAPTISTA, Albino Mendes. Direito laboral desportivo – estudos. vol. I. Lisboa: Quid Juris?, 2003, p. 57.

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