O mês de agosto, para mim, é sempre especial. Reuniu-se, a critério aleatório do ciclo da vida (ou seria proposital!?) datas de muita significação em minha existência, como o meu próprio nascimento ou da minha filha, sem dúvidas, o meu melhor invento até aqui. No entanto, além de tais questões pessoais, agosto sempre me cativou por contemplar uma data muito relevante a meu juízo, o 11 de agosto.
Celebrar o Dia do Advogado sempre foi motivo de alegria e regozijo, no passado mais distante, o congraçamento com corajosos e sonhadores colegas de Universidade; pouco depois, quando já dispunha da habilitação legal, os almoços com queridos companheiros de lutas forenses, entre causos e teses que desfilávamos naqueles conclaves; hoje, a felicidade é a mesma de ontem, apesar das restrições, embora sem a motivação para se festejar – sobretudo por vivermos entre números crescentes de mortos pela covid-19 (neste último final de semana, o Brasil ultrapassou a casa dos 100.000) e uma insegurança em relação ao seu combate -, impõe-se reflexão e revisão conceitual para podermos compreender o novel cenário que se descortinou com os efeitos da pandemia no país.
Escolhi ser Advogado.
Voltando no tempo, consigo me recordar de quão avidamente quis sê-lo e, como todo bom jovem obstinado, fechei os olhos e me lancei em busca do que era à época o meu sonho. Inicie minha caminhada pela Advocacia Criminal e, já há alguns bons anos, além dela me dedico à Desportiva. Julgo-me feliz, apesar das naturais asperezas e dificuldades, inerentes da jornada eleita; mas, inegável são as alegrias e o amor pelo que faço – não aquele sentimento frio, o “para cumprir tabela”; e sim algo caliente, pulsante e vivo!
Pronto! É sobre a Advocacia Desportiva que pretendo dialogar com vocês, meus caros leitores!
Na última semana, participei de Webinar realizado por uma das maiores Subseções da OAB/BA, a de Feira de Santana, a convite do seu Presidente e amigo, Raphael Pitombo, onde a temática que escolhemos debater foi O Futuro da Advocacia Desportiva[1].
Naquele espaço virtual, chamou-me a atenção a participação do querido Tullo Cavallazzi Filho, Presidente Comissão Especial de Direito Desportivo da OAB Nacional, quando, ao iniciar a sua participação, de logo, asseverou que não devemos mais discutir o futuro, posto que ele já chegou e não nos demos conta. O nosso futuro é construído agora, hoje, sem mais perdermos tempo. Ante os seguidos avanços dos aparatos tecnológicos (sobretudo os aplicáveis aos meios lógicos) em relação à Advocacia e à Justiça, nos catapultaram a um novo tempo, que é o presente-futuro.
E vejam os senhores leitores quão lúcida foi a abordagem feita, embora a Advocacia Desportiva, não obstante exercida há bastante tempo, quando comparada com outros segmentos, parece ainda engatinhar. Existe um desconhecimento sobre verdadeiro papel do advogado no âmbito do desporto.
Diria que o Direito Desportivo nos estimula a sermos melhores e mais capacitados profissionais! A sua transdisciplinariedade e os pontos de intersecção com legislação que versa de outros ramos jurídicos impõe ao Advogado um grau mais elevado de preparação.
Ademais disso, a vastidão do mundo desportivo e os negócios jurídicos que nele são celebrados exige que os Advogados militantes sejam mais versados nas letras jurídicas de mais variadas matizes (civil, penal, tributário, trabalhista, consumidor, etc); e, além disso, mister que compreendam a realidade próprio do desporto, o seu dinamismo, os valores do fair play e pro competitione, entre outros princípios tão caros ao desporto.
Nos últimos anos, o interesse de jovens egressos dos bancos dos cursos jurídicos têm trazido mais luminosidade para o Direito Desportivo, não sem razão, muito se rotula de “novo ramo” (rememorando minha penúltima coluna[2], agora se riem João Lyra Filho e Valed Pery, deveras até!) e dele se fala como um ser desconhecido. A ignorância, respeito do seu alcance e significado nos surpreende.
Trabalhar com este ramo seria algo distante, para muitos estariam “sonhando um sonho sonhado, o sonho de um sonho”, como diria Martinho da Vila.
O mencionado interesse se reflete bastante no significativo aumento dos números de Comissões de Direito Desportivo que florescem no seio das Seccionais da OAB. Atualmente, 19 delas têm estes colegiados em plena atividade. Some-se, ainda, que nalgumas existes Subseções que contemplam as comissões.
Além disso, há um frequente (e em alguns casos, antigo) trabalho acadêmico de entidades que se dedicam a difundir o direito desportivo, a exemplo do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD), da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD), da Sociedade Brasileira de Direito Desportivo (SBDD), do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo (IIDD), do Instituto de Direito Desportivo da Bahia (IDDBA)[3], do Instituto Pernambucano de Direito Desportivo (IPDD), Grupo de Estudos de Direito Desportivo da Faculdade Nacional (GEDD-FND) e tantos outros mais espalhados pelo país.
Quiçá, este momento em que se verifica com mais facilidade e frequência a instalação de cursos de Pós-graduação e extensão universitária sobre o Direito Desportivo, se deve ao estímulo da inclusão do disciplina nos cursos jurídicos, ainda que como optativa, após decisão do Ministério da Educação e Cultural, em 2018[4], uma luta antiga das instituições acima mencionadas e do próprio Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
É possível se viver do Direito Desportivo, assim disse o jovem e preparado Rafael Fachada, no mesmo webinar que mencionei linhas acima. O que antes era um sonho, hoje se vê como uma realidade.
Nota-se, portanto, que o ambiente atualmente, visto como mais favorável e solidificado Advocacia Desportiva não é por capricho do acaso ou apenas porque existe um elevado número de advogados no país, o que conduz à uma busca por novas áreas para exploração.
Retorno aqui para os efeitos da pandemia na Advocacia Desportiva, certamente, ela mudará mais ainda, sendo sobremaneira fluída!
Muito embora, já se convivesse deveras com os aplicativos e aparatos tecnológicos, a torrente de modificações legislativas e as constantes nuances inerentes à pandemia global, exigiram que o business fosse revisitado em diversos aspectos, demandou reinvenções dos próprios advogados, para poder atender as necessidades do cliente e do novo rumo que adota do mercado.
Na prática, como bem pontuado pelo advogado amigo Cristiano Possídio no mesmo Webinar, a resposta à provocação do escritor Richard Susskind[5], que trouxe o debate no livro “The End of Lawyers?” sobre a possibilidade de a tecnologia ameaçar a carreira dos advogados é um sonoro e eloquente: não! As funções do advogado não são meramente burocráticas e, portanto, não podem ser “substituídas” por inteligência artificial. Devem se adaptar as exigências da modernidade.
Nesse prisma, volto ao que bem disse Tullo Cavallazzi Filho, nós fazemos agora o nosso futuro, por isso, afirmo vivemos um momento sui generis, onde a sensação é de que o nosso tempo é um presente-futuro, marcado por uma incerteza quanto aos seus delineamentos mais estáveis.
Remanescerá a certeza de que a Advocacia Desportiva marca sua posição definitiva, sendo vista e reconhecida pela sua peculiaridade, autonomia e independência, não mais olhada como um apêndice de outros ramos jurídicos ou um “quebra galho”.
A construção da ciência Direito Desportivo e da Advocacia que encontra firme lastro na atuação de João Lyra Filho, Valed Pery, Marcílio Krieger, Álvaro Melho Filho, referências que se multiplicam em outros tanto profissionais espalhados por todo o Brasil. Tal qual no Esporte, a obra é coletiva. Nada se faz só.
Como já cantou Raul Seixas, em Prelúdio:
“Sonho que se sonha só
É só um sonho que se sonha só
Mas sonho que se sonha junto é realidade”
E que vivamos o nosso presente-futuro já!
Viva o Direito Desportivo!
Viva a Advocacia Desportiva!
Viva o 11 de agosto!
……….
[1] O evento contou com minha mediação e palestras de Cristiano Possídio, Leonardo Máximo, Tullo Cavallazzi Filho e Rafael Fachada. Os temas eleitos foram: Mercado da Advocacia, As Novas Alterações das Normas Fifa e seu reflexo no Direito Desportivo Brasileiro, CNRD: Nova forma de resolução de litígio e Impactos do “novo normal”nos contratos de trabalho desportivo. Apesar disso, viu-se ali uma aula sobre Advocacia, verdadeiramente inspiradora! Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=8Q8Je73O0uE&feature=youtu.be> Acessado em 10 ago 2020.
[2] Disponível em: <https://leiemcampo.com.br/alvaro-melo-filho-eterno/>. Acessado em 10 ago 2020.
[3] Particularmente, ressalto a minha honra em presidi-lo e vivenciar a sua longa jornada de 11 anos.
[4] Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-dez-17/mec-mantem-curso-direito-anos-aprova-novos-cursos>. Acessado em 10 ago 2020.
[5] Professor Escocês, residente em Londres, Doutor em Direito pelo Balliol College, de Oxford.