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Afeganistão é mais um exemplo de que política e esporte não se separam jamais

O Afeganistão é mais um dos tristes exemplos que a história nos traz de que política e o esporte não se separam jamais. Com a retomada do poder pelo Taleban, a proteção indispensável de direitos humanos e de direitos fundamentais corre risco, em especial a igualdade de gênero. O esporte também deve sofrer com essa mudança política em uma país que foi usado como motivo para o maior boicote olímpico da história.

Os Estados Unidos são a principal potência olímpica do planeta. Eles costumam colecionar pódios e feitos. Mas em 1980, a política falou mais alto e o país abriu mão de disputar os Jogos de Moscou.

Naquele começo de 1980, o mundo vivia um momento político de alta tensão. Era o auge da Guerra Fria que colocava duas ideologias em lados radicalmente opostos, tendo a antiga União Soviética e os Estados Unidos como as maiores potências antagônicas.

Mas além disso, o mundo oriental passava por uma ruptura política. A revolução islâmica tomou o poder no Irã, com direito à invasão da embaixada dos Estados Unidos em Teerã, ocorrida em novembro de 1979. Depois, em dezembro daquele ano, as tropas da então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas invadiram o Afeganistão. Foi o ponto inicial do que seria conhecida como Guerra do Afeganistão, que durou até 1989.

Boicote norte americano aos Jogos de Moscou

O fato trazia uma ameaça gigante a política externa norte-americana. A pedido do presidente Jimmy Carter, o comitê olímpico norte-americano decidiu, em 26 de janeiro de 1980 não participar dos jogos soviéticos. A ideia inicial era pressionar o Comitê Olímpico Internacional (COI) a cancelasse a competição ou mudasse a sede, o que não ocorreu.

A decisão de Carter foi uma resposta à invasão militar soviética do Afeganistão, ocorrida no mês anterior.

O auge da Guerra Fria determinando rumos do planeta, e até uma tradicional arena de confraternização esportiva se transformou em um elemento altamente politizado. A vitrine dos Jogos usada como elemento de pressão política internacional.

Em 20 de janeiro de 1980, em uma entrevista à rede NBC, que entraria para a história, Carter falou pela primeira vez na ideia de não apoiar o envio de uma equipe americana para competir em solo soviético.

“Nem eu ou o povo americano apoiaremos o envio de uma equipe americana com tropas soviéticas no Afeganistão. Hoje, enviei uma mensagem ao comitê olímpico dos Estados Unidos explicando minha posição de que, se os soviéticos não retirarem suas tropas dentro de um mês do Afeganistão, os os Jogos sejam transferidos para outro local ou não apoiarei o envio de uma equipe americana para a Olimpíada”, declarou o presidente americano.

Carter disse que não era a favor de colocar a política no meio dos Jogos, mas lembrou que 104 países votaram contra a invasão soviética na ONU (Organização das Nações Unidas). Com isso, entendia que poderia ter o apoio destes países pressionando a União Soviética, ao ameaçarem não disputar também.

Sem recuo soviético, no dia 12 de abril de 1980 o comitê norte americano avisou que atenderia ao pedido de Carter e não enviaria sua delegação a Moscou. Além dos Estados Unidos, mais 61 países alinhados à política externa americana também aderiram ao primeiro boicote em massa em um evento esportivo.

Os soviéticos ignoraram o ultimato e o COI manteve Moscou como sede. Pela primeira vez na história os Jogos foram realizados sem os Estados Unidos. Quase uma década se passou até que os soviéticos abandonassem o território afegão.

Afeganistão agora

A volta do Taleban ao poder no Afeganistão representa muito mais do que uma derrota das forças norte-americanas que estavam no país há quase 20 anos. É uma derrota das minorias, dos direitos humanos, das mulheres e de todos que buscam um mundo mais igual e livre. Claro que o esporte também sofre uma perda gigante.

Mulheres que conquistaram espaço na sociedade afegã na última década, ingressando em universidades, ocupando cargos no magistério, na medicina, no jornalismo e no judiciário, por exemplo, já começam a largar empregos por medo ou por imposição masculina. No esporte não é diferente.

Nilofar Bayat é uma das milhares de mulheres afegãs que temem por seu futuro desde que o Taleban assumiu a capital Cabul e já controla o país. Bayat, capitã do time de basquete em cadeira de rodas, conseguiu entrar em contato com a Federação Espanhola de Basquete para pedir ajuda para sair do Afeganistão, em meio à incerteza e ao caos, informou o diário Marca..

Se antes o sonho dela era participar de uma Paralimpíada, agora, diante da presença Taleban, o principal objetivo passou a ser fugir do país, “Não posso sair e sei que não estou segura aqui. O Taleban vai me matar. Eles não gostam de mulheres como eu”, disse o atleta ao VICE World News.

O pedido de socorro de mulheres do esporte é muito maior. Atletas do futebol já pediram ajuda à FIFA. Em outras modalidades, atletas tentam um auxílio do Comitê Olímpico Internacional.

Claro que a religião e a soberania precisam ser sempre defendidas. Agora, elas jamais podem ser usadas como pretexto para uma política de violação a direitos humanos e agressão à igualdade. Nessa hora, todos precisam fazer a sua parte.

É fundamental que a ciência, a ONU, coletivos globais e o próprio movimento esportivo exerçam mecanismos de pressão internacional dando atenção especial a vigência, eficiência e vinculação dos direitos da pessoa humana não somente na proteção de Direitos Humanos, como também Direitos Fundamentais.

Ser diferente nem sempre é uma escolha, é uma necessidade. E ela precisa ser protegida. Ajudar mulheres e minorias para que o regime do Taleban respeite a liberdade e o simples direito de escolha – como praticar e viver do esporte – é dever de todos nós.

E mais uma vez a história nos mostra que o esporte não se separa da política jamais. Dessa vez, uma história triste. E quem não entendeu isso, ainda não entendeu nada sobre esporte.

Crédito imagem: AFP

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