Um dos notórios avanços da Lei Geral do Esporte é finalmente a regulamentação da atividade do agente desportivo, também conhecido, por força da legislação, costume local de cada país, ou ainda, por alguma doutrina laboral, de terceiro homem[1], empresário, intermediário, representante, procurador, etc.
Antes da existência da Lei n. 14.597/23 (LGE) havia tão somente os arts. 27-B e 27-C da Lei n. 9.615/98 (Lei Pelé) ainda em vigor, disponentes de previsões negativas (vedatórias) a respeito dos agentes desportivos, prescrevendo nulidade às cláusulas em que o terceiro homem pudesse intervir ou influenciar nas transferências dos atletas, nas atuações dos clubes e jogadores agenciados. Referidas disposições sustentam a declaração nulo de pleno direito dos clausulados contratuais e instrumentos procuratórios que: “a) resultem vínculo desportivo; b) impliquem vinculação ou exigência de receita total ou parcial exclusiva da entidade de prática desportiva, decorrente de transferência nacional ou internacional de atleta, em vista da exclusividade de que trata o inciso I do art. 28; c) restrinjam a liberdade de trabalho desportivo; d) estabeleçam obrigações consideradas abusivas ou desproporcionais; e) infrinjam os princípios da boa-fé objetiva ou do fim social do contrato; ou f) versem sobre o gerenciamento de carreira de atleta em formação com idade inferior a 18 (dezoito) anos”.
Assevere-se, é vedado legalmente aos agentes o agenciamento de carreira de atletas menores de 18 (dezoito) anos em formação desportiva, mas não os jogadores que com 16 (dezesseis) ou 17 (dezessete) anos já sejam profissionais, detendo o contrato especial de trabalho esportivo com um clube empregador. Nesta ocasião o menor pode e deve ser orientado por um bom agente desportivo, seja da própria família ou de confiança.
Providencialmente, a LGE em seu art. 95 normatiza o contrato de intermediação, de representação e de agenciamento desportivo, embora não descreva especificamente “agente ou empresário desportivo”. Este foi o vocábulo eleito pelo legislador português, desde a Lei n. 28/1998, atualmente revogada pela Lei n. 54/2017, que mantém os arts. 36.o a 39.o somente sobre a atividade profissional “dos empresários desportivos”.
Agente desportivo é a pessoa natural ou jurídica que realiza a atividade de intermediação de contratos esportivos e o agenciamento de carreira de atletas (art. 95, caput, da LGE).
Esta disposição é digna do reconhecimento de evolução normativa no desporto brasileiro, pois além de utilizar o vocabulário “contratos esportivos”, que significa a atuação em negociação de quaisquer contratos relacionados ao desporto praticado pelo atleta, também regula não apenas o exercício do agente na prospecção de novos contratos de trabalho para o jogador agenciado, mas o gerenciamento de sua carreira inteira, onde entra a atuação do empresário desde os cuidados sobre a manutenção do patrimônio, reinvestimentos, e, até mesmo orientações à vida pessoal de seu cliente (praticante esportivo profissional).
No mais, porquanto pareça lógico, regulamentar que o agente esportivo pode atuar como pessoa natural autônoma ou revestido de pessoa jurídica, observa-se como uma normatividade polida, organizada, condizente com a realidade cotidiana da atividade de agenciamento desportivo.
Os parentes em primeiro grau (pai, mão, filho, filha), cônjuge e advogado inscrito na ordem dos advogados do respectivo país podem ser agentes esportivos/ representantes se eleitos por outorga expressa em instrumentos contratuais e procuratórios pelo próprio atleta agenciado, sendo desnecessário o registro ou licenciamento nas entidades federativas nacionais e internacionais da respectiva modalidade desportiva (art. 95, § 1o, da LGE).
Dessa maneira, somente precisam ser agentes esportivos autorizados pelas entidades federativas desportivas, aqueles que não se enquadram nas exceções descritas no parágrafo anterior.
Nada obstante, este dispositivo em pauta não é claro se somente o “cônjuge” na acepção técnico-jurídica pode ser agente do atleta sem a licença federativa ou se o “companheiro”, aquele que vive em união estável, também entra na via de exceção.
Entende-se, conforme a tendência do Direito Civil de Família em diminuir discriminações entre “cônjuge” e “companheiro”, que a interpretação deve ser extensiva para abranger também a possibilidade de a “companheira/companheiro” ser agente esportivo sem o dever de registro/licenciamento nas respectivas federações desportivas da modalidade (nacionais e internacionais).
O art. 95, § 2o, da LGE busca reafirmar o compromisso da República Federativa do Brasil com a Lex Sportiva, descerrado no art. 26 da própria Lei ao alinhar que a atividade de intermediação, representação e agenciamento esportivo se submetem às regras e regulamentos das federações desportivas nacionais e internacionais da respectiva modalidade de desporto.
Neste ponto o legislador não foi muito feliz na redação legal, pois usar a palavra “submetem-se” sem qualquer balanceamento da ordem jurídica brasileira, soa como um “estado de submissão”, o que não é saudável na descrição de uma Lei. Salutar seria se fosse “aplicam-se diretamente as regras e regulamentos das federações desportivas nacionais e internacionais da respectiva modalidade de desporto, desde que não contravenham as normas de direitos humanas fundamentais do sistema jurídico interno e internacional”, ou pelo menos, alguma redação semelhante.
Através de tais verbetes legais supramencionados, a LGE intensifica a qualificação jurídica de fontes materiais subsidiárias às normas federativas desportivas (regras e regulamentos) pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Entretanto, ressalve-se, há parcela da doutrina especializada desportiva do Brasil que defende ser as referidas normas federativas “fontes formais autônomas”, similares às normas coletivas de trabalho.[2] Posicionamento que não se pode concordar, sob pena de desvalorização total das normas coletivas trabalhistas, bem como todo o seu mecanismo alicerçado no sistema jurídico brasileiro.
Semelhante ao ocorrido com a autorização de trabalho para os atletas estrangeiros (art. 90, § 4°, da LGE), o art. 95, § 3°, da LGE estabeleceu a função de dupla fiscalização sobre as atividades profissionais dos agentes esportivos, conferindo às entidades federativas desportivas a fiscalização do agenciamento desportivo na respectiva modalidade, podendo informar à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda quaisquer valores associados à cessão e transferência de atletas.
Enfim, esta previsão normativa, inegavelmente, pode auxiliar às autoridades de fiscalização tributária e criminal a evitar a fluidez de lavagem de dinheiro e evasão de divisas que possam estar relacionadas não apenas ao agenciamento desportivo, bem como a outros segmentos da atividade esportiva profissional.
Crédito imagem: Getty Images
Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo
[1] Nomenclatura jurídica descrita por João Leal Amado em sua Tese de Doutorado: AMADO, João Leal. Vinculação versus liberdade: o processo de constituição e extinção da relação laboral do praticante desportivo. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 487-498.
[2] DANI, Marcos Ulhoa apud VEIGA, Mauricio de Figueiredo Corrêa da. Manual de direito do trabalho desportivo. 4. ed. São Paulo: LTr, 2022, p. 41.