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Ainda o caso Diarra

Ultrapassado o inevitável tédio com a famigerada data FIFA (vem mais uma por aí!), novamente a atenção retorna ao futebol de clubes, que é aquele que verdadeiramente move o torcedor. Nesta última janela de futebol internacional, o caso Lassana Diarra impregnou o noticiário esportivo e tem havido um grande esforço de se compreender adequadamente o alcance do recente julgado do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

Ao longo das últimas semanas, viemos repercutindo (em partes) a importância histórica do caso Bosman, o fim do passe e a movimentação da FIFA em criar mecanismos substitutivos àquele instituto como forma de adequar suas regulamentações ao direito comunitário europeu, garantir estabilidade contratual dentro do sistema associativo piramidal que governa e assegurar remuneração aos clubes formadores.

Como o caso Bosman representou um verdadeiro leading case que mudaria para sempre o modo de ser das negociações contratuais, é inevitável que o caso Diarra, recentemente julgado pelo mesmo TJUE, possa eventualmente ser apontado como um novo paradigma de mudanças profundas que estão por vir no futebol.

O atleta francês Lassana Diarra teria rompido o contrato com o Lokomotiv Moscou em 2014, no último ano de vigência do mesmo. A DRC da FIFA condenou o atleta a indenizar o clube em 10,5 milhões de euros, como base no art. 17 do RSTP da entidade máxima do futebol, criado muito em resposta ao fim do passe. O referido dispositivo trata da quebra de contrato sem justa causa, sendo que o atleta responsável pelo rompimento fica sujeito a suspensão por tempo determinado em caso de não pagamento da compensação devida. Tal valor seria devido solidariamente com o eventual novo clube do jogador, que seria presumivelmente indutor daquele descumprimento contratual. O atleta acabou ficando sem atuar por vários meses e demandou o TJUE alegando ter sido vítima do referido sistema de transferências, que seria perverso e teria prejudicado o prosseguimento de sua carreira.

O TJUE deu ganho de causa ao atleta, declarando que o referido art. 17 viola o direito comunitário europeu, especialmente a liberdade laboral e a livre circulação de trabalhadores, e asseverou esperar que a FIFA reveja tal regramento. Praticamente o mesmo roteiro e argumentos do caso Bosman. O atleta não poderia ser impedido de atuar via sanção disciplinar por conta de uma condenação financeira, o que solaparia o direito fundamental ao trabalho e que, indiretamente, poderia estimular o trabalho “forçado”. De imediato, houve muita expectativa em torno da movimentação da FIFA após o referido julgado. Ficaria inerte, até por conta da jurisdição limitada do Tribunal Europeu ou, assim como no caso Bosman, se apressaria em adequar (mais uma vez) seus regulamentos?

Conforme repercutimos na coluna da última semana, nossa expectativa era de a que a FIFA, ainda em busca de consolidar um adequado sistema de estabilidade contratual, não se limitaria a simplesmente revogar o art. 17 do RSTP. Caso contrário, de pouco serviria a vigência de um contrato, até porque a vinculação contratual entre atletas e clubes teria sido um dos caminhos adotados com o fim do passe. Qualquer tipo de movimento da FIFA, a nosso ver, assim como ocorrido no caso Bosman, dar-se-ia no sentido rever pontualmente seus regulamentos para assegurar direitos trabalhistas dos atletas, mas sem que isso gerasse um desmonte no sistema de estabilidade contratual. A indústria do futebol não poderia simplesmente abrir mão de instrumentos tão relevantes para o seu funcionamento e para garantir segurança jurídica às avenças.

Eis que, na última segunda-feira, nossa perspectiva aparentemente se confirmou. A FIFA, por meio de um pronunciamento de seu diretor jurídico Emilio García Silvero, comunicou que está abrindo canais de diálogo com os diversos stakeholders do futebol para fins de adequar o atual sistema do art. 17 do RSTP à lei europeia. Embora não tinha dito expressamente, o diretor minimizou qualquer possibilidade de que mudanças mais profundas sejam implementadas, ratificando que a FIFA jamais teve sua posição de reguladora do mercado mundial do futebol questionada pelo TJUE. Além do mais, fez questão de frisar que a quebra de contrato sem justa causa, seja por parte dos atletas seja dos clubes, continuará sujeita à necessidade de compensação financeira.

Difícil, portanto, dizer quais mudanças estão por vir, mas é possível supor que a FIFA fará mudanças apenas para fins de adequação, as menores possíveis. O famoso mudar para mudar o menos possível. Para garantir estabilidade e segurança ao mercado, a vinculação contratual precisará persistir e as multas continuarão a fazer da dinâmica das negociações e amarração dos contratos. Do contrário, um sistema sem sanções acabará por estimular quebras antecipadas de contrato e forçará os clubes a oferecer contratos menores e a deixar de investir altas cifras na aquisição de direitos econômicos, o que, ao final, também será pernicioso para os atletas e seus intermediários, exatamente aqueles que pareciam os maiores beneficiários com o julgamento do caso Diarra.

Será preciso aguardar qual coelho da cartola a FIFA apresentará em substituição ao sistema atual de quebra de contratos sem justa causa. E se o TJUE aceitará. De qualquer sorte, este também precisará se despir de certos preconceitos, pois a nosso ver, a vinculação de um atleta ao clube que adquiriu seus direitos, muitas vezes por altas cifras, não deve ser equiparado a trabalho forçado.

Nossa aposta é de que a FIFA manterá a necessidade de compensação em caso de descumprimento contratual, o que já ficou nas entrelinhas da manifestação da entidade, mas subtraída a suspensão por tempo determinado ao atleta que eventualmente deixar de cumprir obrigação financeira como meio de coerção interno ao sistema associativo, evitando, com isso, que seu sistema seja “acusado” de solapar o direito fundamental ao trabalho. Uma sanção alternativa precisaria ser implementada, já que o caminho não talvez não seja mais a negativa da emissão do certificado de transferência. O conceito de clube indutor ainda poderia subsistir. A cobrança das eventuais compensações financeiras eventualmente teria de se corporificar pelas vias tradicionais, como a arbitragem. No mais, o sistema de estabilidade contratual, que tinha sido acabado de ser estendido aos treinadores, também teria de ser adaptado em igual medida.

Isto faria com que, ao contrário das expectativas iniciais, o caso Diarra induza mudanças importantes, mas sem revolucionar o futebol com a mesma profundidade que o caso Bosman. A ver.

Crédito imagem: Getty Images

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