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Algumas reflexões sobre a necessidade de atualizar o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD)

*Leonardo Garcia[1]

O Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) foi promulgado em 2003 com o objetivo de organizar, regulamentar e atribuir funções à Justiça Desportiva no Brasil, bem como definir as infrações disciplinares e suas respectivas sanções em relação à prática formal do esporte. A reforma do CBJD, aprovada e publicada em 2009, representou um marco histórico para a área, buscando modernizar o código e adaptá-lo às necessidades do esporte brasileiro. A reforma foi conduzida pela Comissão de Estudos Jurídicos Desportivos (CEJD) do Ministério do Esporte, em parceria com o Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD), com ampla participação da comunidade esportiva por meio de consultas públicas.

Desde sua concepção, o CBJD buscou alinhar-se com normas e diretrizes de entidades internacionais, como a FIFA e o Comitê Olímpico Internacional (COI). Esse alinhamento foi crucial não apenas para garantir que as normas brasileiras fossem compatíveis com padrões globais, mas também para assegurar a participação do Brasil em competições internacionais e a organização de eventos de grande porte, como a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. A influência dessas entidades ajudou a moldar um código que, embora nacional, está em sintonia com práticas internacionais.

No contexto atual, o esporte no Brasil evoluiu para se tornar um fenômeno cultural e social, impactando significativamente a economia e a identidade nacional. Essa evolução trouxe novos desafios para o CBJD, que agora precisa lidar com uma diversidade crescente de modalidades esportivas e a profissionalização dos atletas. Além disso, a tecnologia transformou a maneira como o esporte é consumido e arbitrado, com a introdução de ferramentas como o VAR no futebol e a crescente influência das mídias sociais. Esses fatores exigem que o CBJD seja flexível e atualizado, capaz de atender às diferentes necessidades e particularidades de cada modalidade esportiva.

Uma das lacunas mais significativas no CBJD é a falta de mecanismos eficazes para lidar com questões éticas e legais emergentes, como a manipulação de resultados. Esses desafios não apenas ameaçam a integridade das competições, mas também afetam a confiança do público no sistema desportivo como um todo.

Um dos problemas mais evidentes do CBJD é a defasagem das multas aplicadas. Desde sua última grande reformulação em 2009, os valores das multas permanecem inalterados. A inflação acumulada no período corrói o caráter punitivo e pedagógico das multas, tornando-as irrisórias, especialmente para clubes de grande porte. Como exemplo,  o artigo 213 prevê multa de R$ 100 a R$ 100.000 para clubes que deixarem de tomar providências para prevenir ou reprimir desordens. Considerando a receita de alguns clubes, a multa máxima se torna insignificante, desestimulando a adoção de medidas eficazes para coibir a violência.

Outro exemplo da necessidade de atualização do CBJD é a utilização, muitas vezes, de linguagem aberta e genérica em alguns de seus artigos, gerando insegurança jurídica e dificultando a aplicação da lei. A falta de especificação clara de algumas infrações abre margem para interpretações subjetivas e decisões inconsistentes por parte dos órgãos judicantes. Um exemplo é o artigo 250, que trata de “atos hostis”. A ausência de uma definição precisa sobre o que configura um “ato hostil” pode levar a punições díspares para condutas semelhantes.

Outro ponto que merece atenção é a necessidade de reformular as punições aplicadas aos árbitros, especialmente quando se considera a desproporcionalidade em relação às penalidades impostas aos jogadores. Atualmente, punições baseadas no tempo (em dias), como as previstas no artigo 261-A, podem resultar em suspensões mínimas de 15 dias para os árbitros. Isso, na prática, pode significar uma ausência de 4 a 5 jogos, dependendo do calendário de competições, o que é uma pena significativamente mais severa do que a aplicada a jogadores para infrações comparáveis. Essa disparidade não apenas afeta a carreira dos árbitros, mas também pode influenciar a qualidade das arbitragens, já que a pressão e o medo de punições excessivas podem impactar suas decisões em campo (principalmente considerando a falta de profissionalização dos árbitros no Brasil, sendo remunerados por partida).

Sobre a punição aos atletas não profissionais, o art. 182 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) estabelece que as penas aplicadas devem ser reduzidas pela metade, visando reconhecer a diferença de contexto entre o esporte profissional e amador. No entanto, essa abordagem pode gerar distorções, especialmente quando se busca aplicar uma reprimenda mais significativa (quando um atleta amador comete uma infração mais grave). Para evitar que a redução resulte em uma pena insignificante (apenas 1 jogo), muitas vezes as sanções são inicialmente aumentadas, de modo que, após o redutor, a punição resulte em 2 a 3 jogos de suspensão. Essa prática, paradoxalmente, pode levar a situações em que a pena final para atletas não profissionais (sem o redutor) acaba sendo mais severa do que para profissionais, fugindo ao objetivo da norma. Assim, seria mais adequado desenvolver um sistema de penalidades que considere a natureza e a gravidade da infração de forma mais flexível, permitindo que as sanções sejam proporcionais e efetivamente educativas, sem a necessidade de manipulações artificiais das penas iniciais.

Assim, as lacunas e desafios enfrentados pelo CBJD destacam a urgência de uma reforma que não apenas atualize suas normas e procedimentos, mas também fortaleça a confiança no sistema de justiça desportiva brasileiro. Através de uma abordagem abrangente e colaborativa, é possível construir um código robusto e eficaz, capaz de enfrentar os desafios do presente e do futuro do esporte no Brasil.

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[1] Procurador do Estado do Espírito Santo, Pós-graduado em Direito Desportivo e auditor do TJD/ES.

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