As notícias se espraiam a respeito das ameaças e agressões das torcidas a integridade física, psíquica e patrimonial dos jogadores de grandes clubes do Rio de Janeiro e São Paulo por conta de mals resultados recentes em competições.
O questionamento fático jurídico a ser comentado é: jogadores que sofreram tais investidas relatadas acima podem requerer a rescisão indireta (extinção do contrato especial de trabalho desportivo por justa causa do empregador)?
Sem se apegar apenas a um dos casos noticiados, indubitavelmente, se a torcida ou grupo de torcedores ameaçam ou agridem fisicamente, psiquicamente, patrimonialmente os jogadores em quaisquer estruturas (inclui-se, a locomoção para estas ou entre estas) do empregador desportivo, sem que este forneça a segurança mínima esperada, que não saia do razoável do que se espera de uma entidade empregadora do futebol, então, este incorre na justa causa para rescisão indireta do contrato especial de trabalho desportivo, por descumprimento claro da obrigação (dever) de proporcionar aos seus trabalhadores desportistas condições dignas e necessárias na realização do labor desportivo (art. 34, II, da Lei n. 9.615/98-Lei Pelé; art. 84, II, IV, da Lei n. 14.597/23-Lei Geral do Esporte-LGE).
O deslocamento para a atividade principal, partidas em estádios, para as estruturas ou entre sedes do empregador desportivo, é considerado tempo de trabalho, devendo a integridade dos atletas ser resguardada (art. 34, II, da Lei n. 9.615/98-Lei Pelé; art. 84, II, IV, da Lei n. 14.597/23-Lei Geral do Esporte-LGE; aplicação direta do art. 21, IV, § 1o, da Lei n. 8213/91), como decorreu no caso Fortaleza Esporte Clube em Recife pela Copa do Nordeste, a somente eximir a responsabilidade civil desta entidade empregadora por ser inesperado um ataque tão massivo (fortuito externo com excludente de tal responsabilidade).
Em qualquer relação empregatícia, na desportiva não seria diferente, cabe ao empregador dispor de estrutura mínima, pertinente à atividade econômica, que proteja a incolumidade física, psíquica e patrimonial de seus trabalhadores, quanto mais na indústria do esporte, cujo objeto principal é a empresa de venda de entretenimento, emoções, espetáculos, a mexer com a paixão do torcedor (consumidor específico). Defende-se em capítulo de livro individual que a atividade econômica do desporto é equiparada as de tendência ou ideológica, exatamente pela acentuada emoção que se emprega de maneira organizada neste ramo industrial.[1]
Nesse sentido, na chamada indústria do desporto, pelo motivo exposto no parágrafo anterior, incumbe ao empregador desportivo edificar um sistema de segurança ainda mais intenso do que o existente em várias outras atividades econômicas, sob pena de não cumprir com o dever (obrigação) delineado nos dispositivos supracitados. A entidade empregadora desportiva somente se exime da responsabilidade civil sobre segurança de seus trabalhadores desportivos, se restar plenamente comprovado que os ataques superam uma segurança razoável que se espera neste tipo de ramo industrial.
Para o requerimento da rescisão com justa causa do empregador desportivo nesses casos, incide a aplicação subsidiária conjugal do art. 483, d), da CLT, uma vez que o descumprimento de obrigação contratual contido nas Leis Pelé e Geral do Esporte, conforme o exposto acima, permite a referida opção aos jogadores trabalhadores.
Sofrimento de ameaças e agressões por atletas em atividade profissional também se apregoam perfeitamente a “serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato”, bem como “o tratamento pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessive” (art. 483, a) e b), da CLT), cláusulas legais a servir de instrumento para o pleito da cessação contratual laboral desportiva com justa causa da entidade empregadora de desporto.
O problema mais delicado parece ser as ameaças e agressões dos torcedores aos trabalhadores desportistas fora das estruturas ou em deslocamento para a sua atividade, as que decorrem em momentos de folga e férias.
Este entendimento em seguida já foi manifestado no caso das agressões sofridas pelo jogador Luan pela torcida do seu ex-clube empregador, cabe total divergência diante das normas existentes e da particularidade fática exigida.
Na atividade laboral dos atletas é cediço a especificidade dos reflexos da sua vida privada, em momentos de folga, lazer, pois é exigível a manutenção das condições biopsicofísicas mínimas do atleta para que ele possa desenvolver o objeto principal do seu contrato de trabalho com o maior rendimento possível (conhecida teoria dos efeitos reflexos acentuados, postulada por este autor em mais de uma obra). Nessa esteira, assim como o jogador trabalhador pode incorrer em justa causa se excessivamente não se cuidar nos momentos extralaborais, é razoável exigir da entidade empregadora desportiva que, caso ocorra uma agressão efetiva ao seu atleta por sua torcida, fora da esfera laboral explicada alhures, possa incorrer também na conhecida rescisão indireta.
Entretanto, nestas específicas ocasiões, fora da atmosfera laboral, o intérprete/aplicador do Direito deve ser mais rigoroso, ou seja, por via de exceção, somente se o clube for total omisso em apoiar o seu atleta trabalhador ou concorrer para o ataque da torcida fora do horário de trabalho, aí considerar-se-ia plausível, mediante provas, a vindicação de justa causa, com base no descumprimento de obrigações do empregador na contribuição para a manutenção da integridade biopsicofísica para que se possa exercer as obrigações contratuais laborais. Esta hermenêutica é possível a partir dos mesmos arts. 34, II, da Lei Pelé, 84, II, IV, da LGE usque art. 483, a), b), d), da CLT.
Enfim, as ameaças e agressões aos jogadores fora do deslocamento para o labor ou na dimensão deste, devem ser analisadas com muita acuidade, sendo a regra a absolvição do empregador desportivo, salvo as peculiaridades das circunstâncias pontuadas acima.
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[1] RAMOS, Rafael Teixeira. Curso de direito do trabalho desportivo: as relações especiais de trabalho do esporte. 2. ed. São Paulo: JusPodivm, 2022, p. 341-348.