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Amores de plástico morrem

Por Cáscio Cardoso

Só pode atestar o fim de uma pandemia quem tem preparo e respaldo para isso. Autoridades públicas e de saúde, juntas, serão, em breve, porta-vozes de um grito oficial de liberdade depois de mais de 2 anos de dor, sofrimento, perdas, restrições, aprendizados.

Até para o futebol, que sempre tentou agir de acordo com os seus próprios princípios, como se fosse uma bolha dentro da sociedade, mas precisou curvar os joelhos às imposições do coronavírus. Paralisou calendário, mudou regras, regulamentos, esvaziou estádios. Tentou, à base de muito esforço, manter-se vivo, em um tempo onde estar respirando era a grande vitória que qualquer um poderia ter. A experiência que passamos entre o início de 2020 e o meio de 2022 fez um risco no chão e transformou a humanidade mais uma vez, inclusive o ecossistema do esporte bretão.

O interrupção dos jogos em todo o mundo, durante o período mais agressivo e obscuro da pandemia, em 2020, provocou uma onda de resgates, de nostalgia, de valorização da cultura, da história, dos primórdios do futebol, principalmente a partir da iniciativa de veículos segmentados no esporte e comunicadores, na luta por preservarem suas atividades dentro do possível, em meio àquela loucura. “Lives” com personagens marcantes, do presente e do passado do futebol, debates à distância, reprises, fizeram a fibra ótica ganhar do olho no olho, ditaram o ritmo e nos criou costume.

Os clubes, absolutamente afetados pelas restrições do coronavírus (como milhares de empresas em diversos outros segmentos), precisaram se coçar para buscar receitas. Até “descobriram” o torcedor à distância e passaram a se relacionar um pouco melhor com quem não vai ao estádio.  À “forcéps”,  desenvolveram atividades com potencial de geração de dinheiro e tiveram a oportunidade de tratar melhor o torcedor que mora em outra cidade, estado ou país.

A regra das 5 substituições foi implementada em caráter provisório, por conta das questões físicas dos atletas, mas continua presente até hoje, como uma percepção de incremento do jogo e do entretenimento. Protocolos de saúde foram desenvolvidos como prioridade e serão úteis daqui para a frente.

A volta dos jogos no período pandêmico também trouxe um avanço nas transmissões esportivas, que fizeram o máximo de esforço para o torcedor sentir-se em casa, na arquibancada, mesmo fora de casa, no sofá da sua sala. Sim, porque a casa do torcedor é a cancha.

Muita coisa funcionou, mas algo precisa ser dito e reforçado: o aspecto humano jamais poderá ser retirado do futebol ou de qualquer atividade esportiva. Os estádios vazios serviram a um propósito nobre, necessário, indiscutível, mas não é algo que sequer podemos especular sobre “manter”.  Aquela imensidão de concreto, onde ecoavam os gritos dos atletas, e às vezes dos poucos locutores presentes, representava no jogo a tristeza do momento melhor do que qualquer discurso ou minuto de silêncio (justos minutos de silêncio, diga-se de passagem).

A reta final dos estaduais de 2022, com Maracanã, Morumbi, Allianz Parque e Mineirão lotados, as finais da Copa do Nordeste, com Arena Pernambuco e Castelão plenos,  a primeira rodada dos nacionais das séries A, B e C, com outros estádios cheios pelo Brasil, com torcedores tendo autorização para ficarem sem máscaras, trouxeram a sensação, aí sim, de que tudo está passando. A verdadeira volta não é do futebol, é a do torcedor. Aquele que precisou amar de longe, abraçar a tela da TV e do celular e que agora pode chegar perto de seus ídolos, de sua identidade e cantar, a plenos pulmões (e essa frase tem forte significado), o hino do seu time junto à família, amigos e desconhecidos unidos pela mesma paixão.

O futebol estava sentindo falta disso. O  torcedor precisa de contato. Se for para compartilhar, que seja um grito de gol, se for para curtir, que seja um abraço, se for pra comentar, que seja no estádio com alguém do lado. Se for para sair na foto, que seja o goleiro do time fazendo uma ponte. Seguido por efusivos aplausos ou aquele maravilhoso “Uhhh” do quase-gol.

Lamento pelos DJs, que dispensaram um grande esforço para que a gente sentisse o mínimo possível os efeitos das arenas vazias, mas eles não poderiam ir além do que foi feito. O estádio sem torcida representa um futebol artificial. Triste, mecânico, oco. Não há música cantada em caixa de som que seja melhor do que as que vêm da caixa do peito.  É incomparável.

Em algum momento, DJs tocaram Titãs e fizeram ecoar no vazio das praças esportivas um verso da música “Flores”, mas até eles sabem que no ludopédio é diferente: amores de plástico morrem.

Viva ao futebol de carne, osso e coração. Ao futebol vivo. A pandemia só acaba quando as autoridades apitam, mas a gente já está à beira do campo comemorando e com a certeza que essa conquista vem.

Crédito imagem: Will Vieira

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Cáscio Cardoso é apresentador e comentarista esportivo da TV Aratu (SBT), da Rádio Sociedade da Bahia, do Podcast 45 Minutos e do Futebol S/A. Acredita em um futebol melhor a partir do aprofundamento das ideias e do equilíbrio na relação entre paixão e razão na condução do esporte mais encantador do mundo. É sócio do Futebol S/A.

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