A Lei Pelé já autorizava que os clubes fossem constituídos na forma de sociedade empresária. Contudo, a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) foi instituída pela recém aprovada Lei nº 14.193/2001, em vigor desde 09/08/2021, sendo que esta dispôs acerca de normas de constituição, governança, controle e transparência, meios de financiamento da atividade futebolística, tratamento dos passivos das entidades de práticas desportivas e regime tributário específico, com alteração da Lei Pelé e do Código Civil Brasileiro.
A referida lei é dividida em Capítulos independentes. O primeiro deles trata da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) e é subdividido em Seções que tratam, respectivamente, das Disposições Introdutórias, Constituição, Governança e Obrigações da SAF e o modo de quitação das obrigações. Já a Subseção I estabelece o Regime Centralizado de Execuções (arts. 14 a 24), enquanto a Subseção II dispõe acerca da recuperação judicial e extrajudicial do clube ou pessoa jurídica original.
O Capítulo II estabelece disposições especiais em três Seções: do financiamento da SAF, do programa de desenvolvimento educacional e social e do regime de tributação específica no futebol. Por fim, o Capítulo III trata das disposições finais.
O atual diploma legal dispôs, ainda, acerca de incentivos fiscais e tributários para os clubes que optarem pela transformação, uma realidade já existente em muitos países, tema que será abordado neste artigo.
Em Portugal, para que um clube desportivo possa participar de competições desportivas profissionais, deverá constituir sociedade desportiva (SAD), nos termos do n.º 1 do art. 1º. do DL nº 10/2013.
Tal como ocorre no Brasil é a própria Constituição Federal que consagra o direito à cultura física e ao desporto, em termos que pressupõem a colaboração entre o Estado e as entidades de direito privado (art. 79º da CRP e art. 217 da CRFB).
O Decreto-Lei n.º 146/95 teve o objetivo de estabelecer, de forma pioneira no ordenamento jurídico português, o regime jurídico das sociedades desportivas e acabou por criar uma sociedade híbrida, com contornos intermediários entre a associação com personalidade civil e a sociedade comercial, tendo sido esta a razão do insucesso daquela lei.
Por outro lado, havia a proibição de distribuição de lucros entre os acionistas, fato este que não despertava o interesse por parte de potenciais interessados e a constituição da sociedade desportiva dependia, exclusivamente da vontade dos clubes desportivos.
Aquele modelo de 1995 foi substituído pelo Decreto-Lei n.º 67/97 e implementou as sociedades desportivas sob a forma de sociedade anônima.
Desta forma, os clubes poderiam optar pela constituição da sociedade anônima desportiva, com a finalidade de obtenção de lucro e distribuição deste entre os acionistas, ou a manutenção do seu estatuto de pessoa coletiva sem fins lucrativos.
Eram vários os aspectos que direcionaram o legislador naquela altura. Uma das maiores preocupações era o grande endividamento dos clubes. Com efeito, a estrutura associativa tinha se revelado pouco adequada para assegurar a tutela de todos os interesses de regulação. Na verdade, a prática demonstrava que muitos clubes estabelecidos sob a forma de associação, na prática, desenvolviam atividades essencialmente empresariais com intuito de obtenção de lucros, o que não era compatível com o regime de associação.
Aponta Maria de Fátima Ribeiro[1] que a sociedade anônima desportiva constituía um tipo especial de sociedade anônima, regida subsidiariamente pelas regras gerais aplicáveis às sociedades anônimas, mas com algumas especificidades decorrentes das especiais exigências da atividade desportiva, particularmente atinentes ao financiamento da sociedade e à tutela dos interesses dos seus credores e da posição do clube fundador.
Além disso, os clubes que participassem de competições profissionais e que não optassem pela constituição de sociedade anônima estariam sujeitos a um regime especial com o intuito de estabelecer regras mínimas com a finalidade de assegurar transparência e rigor na gestão, era a consagração da responsabilidade pessoal dos dirigentes do clube por certos atos de gestão, na medida em que os cargos eram ocupados mais em razão da popularidade que gozavam do que pela competência profissional.
Na prática o que se demonstrou foi a baixa adesão dos clubes que optaram por constituir o modelo de sociedade anônima, o que pode ser atribuído a desigualdade de condições dos participantes das competições sendo necessária uma fórmula de assegurar o mesmo patamar aos participantes com obrigações e deveres análogos.
Foi com este propósito que o Decreto-Lei n.º 10/2013 aprovou a Lei das Sociedades Desportivas (LSD) assegurando a participação em competições apenas às sociedades desportivas, constituídas através de Sociedade Anônima Desportiva (SAD) ou Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas (SDUQ).
Na Espanha a figura das sociedades anônimas desportivas foi criada pela Ley 10/1990, de 15 de outubro, através da Ley de Deporte, substituída pelo Real Decreto 1251/1999. Naquele país a forma de constituição dos clubes não teve sucesso, principalmente pelo fato de determinados clubes não terem se convertido em SAD´s e mesmo assim gozarem de tratamento privilegiado não disponível à outras sociedades comerciais, enquanto os clubes que alteraram a sua forma de constituição ficaram insolventes[2].
O primeiro país a legislar acerca deste tema foi a Itália, com a legge 23 de marzo 1981, n. 91 sul professionismo sportivo, que determinou que apenas as sociedades desportivas constituídas sob a forma de sociedade anônima ou sociedade por quotas poderiam outorgar contratos de trabalho desportivo com atletas profissionais.
Na França, o Code du Sport, responsável por regular a atividade desportiva desde 2006, prevê em seu artigo L.122-1 que uma associação desportiva filiada a uma federação desportiva, que participe habitualmente na organização de espetáculos desportivos não gratuitos que lhe proporcionem receitas superiores a um determinado montante, ou que empregue algum profissional desportivo cuja remuneração total não exceda um determinado valor, deve constituir uma sociedade comercial regulada pelo Code de Commerce para a gestão destas atividades.
A estrutura jurídica mais comum na Alemanha e Grã-Bretanha é a sociedade desportiva, nada obstante não haver uma legislação específica neste sentido.
A maioria dos clubes alemães adotam, nos dias atuais, a estrutura societária. Contudo, para tutela da posição do clube fundador de sociedade desportiva, foi consagrada a regra denominada “50+1”, que consiste em participação maioritária daquele, sendo esta considerada uma participação que corresponda a maioria de votos em assembleia geral.
O endividamento dos clubes e a necessidade de adoção de mudanças legislativas no intuito de viabilizar maior transparência na gestão dos clubes era um fator de preocupação em vários países europeus e é neste contexto que surge uma proposta de criação de um estatuto jurídico europeu para as sociedades anônimas desportivas.
A transformação da natureza jurídica dos clubes de futebol não é a fórmula mágica para a solução dos problemas, pois esta ocorrerá a partir de uma gestão profissional e qualificada. Porém, pode significar um primeiro passo para a restruturação e profissionalização das entidades de prática desportiva.
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[1] RIBEIRO, Maria de Fátima. Sociedades Desportivas. 1ª edição. Universidade Católica do Porto: Porto, 2015. ISBN: 978-989-8366-97-9 (P.11)
[2] Não há vedação à distribuição de lucros para a sociedade desportiva espanhola.