O Caso Diarra suscitou discussões sobre a relação entre as regras de transferências da FIFA e a legislação trabalhista nacional, expondo de forma prática a complexidade da aplicação das normas internacionais da FIFA no contexto das legislações domésticas, a necessidade de que os contratos de atletas sejam elaborados de forma a garantir segurança jurídica para todas as partes envolvidas, a partir de questões que envolvem a compatibilidade das regras internacionais de transferências de jogadores com os direitos trabalhistas protegidos por leis locais.
O Caso Diarra envolveu uma disputa entre o jogador e seu clube sobre a rescisão antecipada de contrato. Como fundamento de sua defesa, o atleta se pautou na legislação europeia que versa sobre a proteção ao trabalho para justificar a rescisão, em contraponto aos argumentos da FIFA, esmerados na aplicação de suas próprias regras de transferências e compensações por quebra de contrato.
Com base no ordenamento jurídico europeu, defendeu-se que as regras da FIFA, que estabelecem limites rígidos para a rescisão de contratos e impõem penalidades significativas aos jogadores que rompem contratos sem justa causa, violam as normas europeias de proteção ao trabalhador, como o direito à liberdade de movimentação e as condições para a rescisão de contrato de trabalho sem restrições financeiras excessivas.
A FIFA estabelece regras de transferência e rescisão de contrato para garantir estabilidade contratual entre clubes e jogadores, com o objetivo de proteger os investimentos dos clubes e manter a integridade das competições esportivas. Essas regras incluem cláusulas penais, de inserção obrigatória no contrato especial de trabalho desportivo, como a cláusula indenizatória em caso de rescisão unilateral de contratos por parte dos jogadores.
No Brasil, a relação de trabalho entre clubes e atletas é regulada pela Lei Geral do Esporte, pela Lei Pelé, e subsidiariamente pela CLT, além das regulamentações específicas da CBF.
A Constituição Federal e a CLT tutelam os direitos laborais em relação a condições de trabalho justas, direitos trabalhistas e proteção contra a rescisão sem justa causa. Assim, a legislação brasileira garante ao trabalhador, por exemplo, a possibilidade de rescindir seu contrato de trabalho com o pagamento das verbas rescisórias e a indenização correspondente.
Ao se estabelecer a cláusula penal, tanto a indenizatória esportiva, como a compensatória esportiva, a legislação desportiva brasileira vigente busca proteger, tanto as entidades esportivas empregadoras, como os atletas, em casos de rescisão antecipada do contrato de trabalho, visando, por exemplo, na cláusula indenizatória esportiva, compensar os clubes pelo investimento realizado, como treinamentos, salários e luvas.
Neste contexto, o § 10 do art. 28 da Lei Pelé estabelece que, aos contratos de trabalho desportivo, não se aplicam os artigos 479 e 480 da CLT, que tratam da rescisão de contratos por prazo determinado. Isso significa que, no Brasil, as regras de rescisão de contratos esportivos seguem a legislação específica do esporte e as normas da FIFA, que são consideradas compatíveis com a legislação nacional.
O Caso Diarra pode influenciar debates sobre a compatibilidade das regras da FIFA com as legislação pertinente nacional. Se a União Europeia afirmar que as regras da FIFA violam a legislação de proteção ao trabalho, essa posição pode servir de argumento para questionamentos semelhantes no Brasil. No entanto, no Brasil, as regras específicas da Lei Geral do Esporte e da Lei Pelé e a forma como a Justiça do Trabalho brasileira trata os contratos de atletas podem dificultar um movimento semelhante ao ocorrido na Europa. A legislação esportiva brasileira já prevê a existência de cláusulas indenizatórias e compensatórias em contratos de atletas, prevendo, inclusive, a obrigatoriedade de tais penalidades. Além disso, a Justiça do Trabalho tem reconhecido a validade desses acordos, desde sejam pactuados de forma transparente e prévia, e observados os limites, mínimo e máximo, legais.
O citado contexto legislativo e as previsões legais específicas dificulta uma interpretação que sirva de fundamento para não aplicação e incidência das cláusulas penais esportivas em razão da rescisão antecipada do contrato de trabalho. A incidência das cláusulas indenizatória e compensatória esportivas funcionam como parte das regras de transferências, e encontra respaldo expresso na legislação, de forma que eventual discussão acerca da violação dos direitos dos trabalhadores, deve ser feito em sede de controle de constitucionalidade, sendo este competente para apurar a legalidade da lei. No mais, as organizações de prática esportiva seguirão apenas seguindo as regras específicas da lei que dispõem sobre a matéria tratada, bem como os regulamentos emanados pelas entidades de administração desportiva, as quais, munidas da autonomia constitucional, organizam o seu sistema tal como demanda as respectivas singularidades.
Crédito imagem: Getty Images
Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo