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Ao condenar Cruzeiro SAF por dívida trabalhista, justiça pode abrir precedente importante para casos futuros

O Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais condenou, no último dia 17, o Cruzeiro SAF (Sociedade Anônima do Futebol) e a associação Cruzeiro a pagar uma dívida de R$ 45 mil ao ex-treinador de goleiros do time feminino do clube, Fábio Anderson Fagundes. A decisão gerou discussões, principalmente na área do direito desportivo, e pode abrir um importante precedente para um futuro próximo no futebol brasileiro, já que ela é a primeira envolvendo uma SAF em um processo trabalhista, contrariando o que diz a lei do clube-empresa (Lei 14.193/21).

Para o advogado trabalhista Theotonio Chermont, a decisão que reconheceu a formação de grupo econômico e responsabilidade solidária da SAF é tecnicamente perfeita.

“A vinculação entre SAF e o clube é incontroversa, tanto é que a própria lei, no art.10, obriga a SAF a pagar as dívidas da associação. A legislação fala em sucessão do clube pela SAF, mas entendo que não existe essa figura, pois de fato houve apenas a transferência da atividade produtiva para a SAF, ficando o clube esvaziado com parte irrisória de algumas receitas, mantendo sua vivência. Ou seja, clube e SAF estão interligados. Não há como separa-los para os fins pretendidos pela lei. Tentativa clara de fraudar as execuções quando a lei tenta isentar a SAF de responsabilidade imediata pelo pagamento das dívidas”, afirma o colunista do Lei em Campo.

“A Lei da SAF cria um sistema de recuperação econômica através de um Regime Centralizado de Execuções (RCE), acesso a recuperação judicial e extrajudicial, com alguns mecanismos favoráveis a quitação de dívidas civis e trabalhistas a prazo em relação ao clube (associação sem fins econômicos) que origina a SAF. De fato, nesse espírito legislativo, não há previsão minuciosa acerca da sucessão e de responsabilidade entre clube de origem e a SAF originada, pois a intenção legal é a observância estrita dos instrumentos da lei para quitação das dívidas anteriores, paralisando execuções imediatas, evitando à futura SAF de total responsabilidade sobre dívidas passadas, apenas se responsabilizando a futura SAF em parte e nos termos de repasse de percentuais expostos no sistema de RCE”, explica Rafael Ramos, advogado especializado em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.

Segundo Rafael, sentenças ou futuros acórdãos como essa decisão judicial podem “enfraquecer o objetivo perseguido pelo legislador, a recuperação dos clubes”.

“Por mais que a decisão do magistrado trabalhista afronte o espírito da Lei da SAF, não é nada absurda diante dos princípios e preceitos do Direito do Trabalho para facilitar o acesso dos credores trabalhistas aos seus créditos”, pondera.

“Me espanta que o relator da lei, advogado que militou anos nessa seara, tenha chancelado esses absurdos. Vivenciou muitos credores se sujeitando a vários atos trabalhistas, alguns fraudados, sem até hoje receberem seus direitos sonegados, muitos há mais de 20 anos. Faltou muita sensibilidade, tamanha a ânsia de atender os anseios dos clubes e eventuais investidores para emplacar essa lei deformada. Lamento muito que não tenha havido essa empatia com os coitados que passam necessidade. Espero que o judiciário trabalhista se debruce sobre o tema, siga esse precedente e repare essas ilegalidades”, critica Theotonio Chermont.

O que diz o art. 10 da Lei da SAF?

“Art. 10.  O clube ou pessoa jurídica original é responsável pelo pagamento das obrigações anteriores à constituição da Sociedade Anônima do Futebol, por meio de receitas próprias e das seguintes receitas que lhe serão transferidas pela Sociedade Anônima do Futebol, quando constituída exclusivamente:

I – por destinação de 20% (vinte por cento) das receitas correntes mensais auferidas pela Sociedade Anônima do Futebol, conforme plano aprovado pelos credores, nos termos do inciso I do caput do art. 13 desta Lei;

II – por destinação de 50% (cinquenta por cento) dos dividendos, dos juros sobre o capital próprio ou de outra remuneração recebida desta, na condição de acionista”

O ex-treinador de goleiros processou o Cruzeiro e acionou o Cruzeiro SAF como ré solidária para cobrar salários atrasados, horas extras e os honorários devidos após a rescisão de seu contrato com o clube. Na decisão, obtida pelo Lei em Campo, a juíza substituta Jessica Grazielle Andrade Martins, da 12ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, condenou os dois a pagar R$ 45 mil ao profissional.

“Isso posto, decido, na Ação Trabalhista ajuizada por FABIO ANDERSON MONCAO FAGUNDES em face de CRUZEIRO ESPORTE CLUBE, CRUZEIRO ESPORTE CLUBE – SOCIEDADE ANONIMA DO FUTEBOL, nos termos da fundamentação, rejeitar as preliminares, nos termos da fundamentação, e, no mérito, julgar PROCEDENTES, os pedidos, para condenar, a 1ª ré e, solidariamente, a 2ª ré, a pagarem à parte autora (…)”, diz parte da decisão da magistrada.

O Cruzeiro SAF alegou na ação que é “parte ilegítima na ação, uma vez que não há responsabilidade ou sucessão pela SAF das obrigações exclusivas do clube”. O argumento foi sustentado com base na Lei 14.193/21, que determina que a SAF repasse 20% de receita e 50% dos dividendos para a associação, e a desobriga a responder na Justiça pelo passivo do clube. Apesar disso, a magistrada ressaltou que os termos não se aplicam quando a dívida é relacionada “às atividades específicas de seu objeto social”, nesse caso, o futebol.

“Não pode o credor trabalhista ficar à mercê de eventual ausência de transferência ou repasse dos administradores para quitação das dívidas, sendo tal obrigação decorrente do contrato entre as rés que deverão fiscalizar entre si o cumprimento contratual. O que se analisa, nesse momento, quanto à segunda reclamada, Cruzeiro Esporte Clube – Sociedade Anônima de Futebol/SAF, é, portanto, a responsabilidade, sendo que a forma de pagamento prevista na Lei 14.193/2021 e suas peculiaridades, principalmente quanto ao prazo de pagamento, será analisada em fase de liquidação”, argumentou a juíza.

Como a decisão é em primeira instância, o Cruzeiro ainda pode entrar com recurso na segunda instância e posteriormente no Tribunal Superior do Trabalho (TST), em Brasília. Caso ocorra a manutenção do entendimento, uma jurisprudência será criada, o que poderá mudar a relação entre associações e SAFs.

No próprio Cruzeiro, por exemplo, o goleiro Fábio, que atualmente está no Fluminense, cobra mais de R$ 20 milhões em pagamentos atrasados ao longo de sua trajetória no clube, que poderão ter sua responsabilidade transferida também para a SAF.

Crédito imagem: Cruzeiro

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