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Apelação de resultados: o funcionamento da justiça desportiva no MMA

Quando uma promoção como o UFC ou o Bellator realiza um evento, a comissão atlética ligada ao esporte do MMA desempenha um papel vital que não pode ser negligenciado.

As comissões participam do que pode ser chamado de trabalho de “manutenção” entre eventos, tomando ações como o reforço de regras para melhorar a segurança dos combatentes ou a entrega de notificações a indivíduos que falharam nos testes antidoping ou violaram regulamentos. Sua principal responsabilidade é desempenhar um papel ativo na supervisão dos combates para garantir que cada competição seja segura e justa.

Em caso de resultados controversos relacionados aos combates, nos EUA, a maioria das comissões atléticas, responsáveis pela regulação dos esportes de combate em território americano, adere a um processo de apelação semelhante ao estabelecido pela Comissão Atlética de Nevada, que prevê apenas três circunstâncias sob as quais uma apelação pode ser bem sucedida.

Sob a regra contida no NAC 467.770, a comissão indica que não anulará um resultado, a menos que:

  1. A Comissão determine que houve conluio que afetou o resultado da contenda ou exibição;

  2. A compilação das fichas de pontuação dos juízes revelae um erro que mostra que a decisão foi dada ao combatente errado; ou

  3. Como resultado de um erro na interpretação de uma disposição deste capítulo, o árbitro tenha proferido uma decisão incorreta. (tradução livre)

Como vemos, desafiar uma decisão da comissão exigiria provar um conluio em favor de um determinado lutador, um erro matemático na soma dos cartões de pontuação, ou mesmo um erro de intepretação do arbitro em relação à regra.

A primeira hipótese seria muito difícil e exigiria uma investigação exaustiva, enquanto a segunda seria simples, bastando apenas o uso de uma calculadora (como ocorreu recentemente no evento brasileiro SHOOTO 113).

Já a terceira hipótese, a exemplo da primeira, tem um grau considerável de dificuldade para ser aplicada. Um exemplo desta hipótese ocorreu em maio de 2021, quando Renan “Problema” Ferreira e Fabricio Werdum estiveram envolvidos em uma luta com um final controverso em um evento da PFL realizado em Atlantic City.

Fabrício colocou Renan em um triângulo, conhecido golpe de Jiu-Jitsu aplicado com as pernas, no qual “Problema” possivelmente bateu em sinal de desistência, mas o árbitro não viu ou não acreditou que fosse um pedido para parar a luta e o combate continuou, com Ferreira escapando da posição e ganhando por nocaute pouco depois.

A equipe de Werdum apresentou um recurso após a luta e foi relatado que o Conselho de Controle Atlético do Estado de New Jersey anulou o resultado do combate para “sem decisão” (no decision), por ter o Conselho entendido que o arbitro falhou em observar que o atleta Renan teria pedido para parar.

Em março de 2015, a CABMMA, comissão atlética de MMA que regula os eventos do UFC no Brasil, anulou o resultado de uma disputa ocorrida no UFC Fight Night 62, realizado no Rio de Janeiro, entre Drew Dober e Leandro Silva, que foi interrompida por causa de uma polêmica intervenção do árbitro.

No segundo round de uma luta de pesos leves, Dober estava a ponto de se libertar de uma guilhotina de Leandro quando o árbitro Eduardo Herdy parou o combate, aparentemente acreditando que Dober havia desistido. A equipe do atleta Drew Dober apresentou recurso de apelação logo após a luta.

Sobre a questão, a CABMMA assim decidiu à época:

A Comissão Atlética Brasileira de MMA (CABMMA) fez uma relevante pesquisa e análise de precedentes envolvendo o governo e órgãos reguladores independentes para decidir como proceder no caso de Leandro Silva x Andrew Dober. Não existe jurisprudência internacional encontrada ou registro de resultado alterado baseado em um julgamento incorreto do árbitro, quando, especificamente, não está relacionado com a má interpretação da regra.

Depois de receber o relatório técnico detalhado do Sr. Eduardo Herdy, árbitro da luta mencionada no caso, que no final esclarece que sua paralisação era para preservar a integridade do lutador, sendo sua responsabilidade maior no dever de árbitro, ele admitiu seu erro profissional e está de bom grado renunciando à sua autoridade no combate.

Devido aos fatores envolvidos e depois de receber apelação formal do Sr. Andrew Dober, a CABMMA definiu uma quarta disposição sobre a mudança de decisão após competição ou exibição que se segue abaixo:

“O Comitê Executivo poderá, em caráter excepcional, reverter uma decisão para “no contest” se determinar que a decisão de um julgamento de boa fé do árbitro foi errada e, portanto, considerada um erro evidente. Essa decisão poderá ser tomada desde que (i) o recurso é protocolado na Comissão no prazo de 72 horas após o combate, (ii) o recurso for acompanhado por um vídeo (ou link dos mesmos) da luta que mostrando o julgamento contestado, (iii) a pedido do Comitê Executivo, o árbitro apresenta uma justificativa por escrito de seu julgamento e (iv) após a análise do vídeo e justificação relevante, o Comitê Executivo determina que o julgamento estava em boa fé, mas considerado um erro evidente”.

Além disso, com base no sucesso da Comissão Atlética do Estado de Nova Jersey e sua pesquisa para ajudar a prevenir casos semelhantes pelo uso de replay instantâneo, a CABMMA vai estudar as possibilidades de usar esse mesmo recurso em eventos futuros, onde os promotores tenham a infra-estrutura para fornecer de tal modo. Os novos protocolos são, a partir deste momento, a analisados com o objetivo de identificar tais erros palpáveis durante os eventos. É importante afirmar que o Sr. Larry Hazzard , Sr. (Comissário), mostrou uma nova perspectiva de condução para a CABMMA, criando um ambiente mais seguro e mais justo para o MMA .

Quanto ao Sr. Eduardo Herdy, a CABMMA é grata pelo seu profissionalismo em reconhecer este erro, ajudando a entidade a evoluir em seus assuntos regulatórios no Brasil, buscando o desenvolvimento de padrões mais altos e demonstrando seu compromisso como um árbitro oficial do esporte. Consequentemente, depois de analisar o caso, a Comissão Executiva, presidida pelo Sr. Rafael Favetti (Chairman & CEO) e o Sr. Cristiano Sampaio (COO), decidiu anular o resultado de Leandro Silva x Andrew Dober luta e é oficialmente a sua determinação como um No Contest.” (grifo meu)

Os membros da comissão disseram inicialmente que não tinham autoridade para mudar a decisão, mas evidentemente mudaram uma regra a fim de conceder a si mesmos o poder de, como diz a declaração, em uma base excepcional, reverter uma decisão para “sem decisão” se determinar que um julgamento de boa fé de um árbitro foi equivocado e, portanto, considerado um erro evidente, criando então, além da três hipóteses já citadas, uma quarta hipótese relativa à mudança de decisão após luta ou exibição.

Será interessante ver se ou em que medida esta mudança de regra estabelece um precedente entre as comissões atléticas de MMA.

Importante observar que a CABMMA esclareceu, como vimos acima no trecho em destaque, o funcionamento do procedimento relativo ao possível apelo em caso de resultado controverso envolvendo lutas reguladas pela entidade.

Nesse ínterim, cumpre observar que a CABMMA já teve até um STJD do MMA, que chegou a ter decisões emblemáticas, como quando suspendeu o atleta Roy Nelson por nove meses e o multou em R$ 80 mil devido ao chute desferido no árbitro John McCarthy e às ofensas e gestos obscenos que fez na mesma ocasião, após sua vitória sobre Antônio Pezão no UFC Fight Night 95, em 24 .

Tal transparência é digna de nota, uma vez que não é sempre observada em comissões atléticas ligadas a outros eventos. O ideal é que todas fizessem o mesmo pelo bem da integridade esportiva e seguissem os mesmos procedimentos, colocando as informações em sites ligados às entidades e disponibilizando canais para que as equipes tomem nota das regras e entrem em contato em caso de discordância quanto aos resultados e os meios pelos quais podem recorrer.

O MMA é um dos esportes mais perigosos do planeta, sendo as comissões a linha de frente na proteção dos lutadores, seja em relação à sua saúde ou à condução de seus combates, permitindo-lhes, e por sua vez a nós fãs, desfrutar do espetáculo das artes marciais mistas.

A transparência geral quanto ao funcionamento da justiça desportiva interna de cada entidade, ou mesma a criação de uma justiça unificada ligada à modalidade levará o esporte a outro patamar.

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REFERÊNCIAS

COSTA, Elthon José Gusmão da. Aspectos jurídicos do desporto MMA. 1ª. ed. São Paulo: Mizuno, 2023.

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