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Árbitro de futebol pode receber Direito de Arena?

Já tivemos a oportunidade de discorrer acerca da MP n.º 984 em outros artigos. Pontos polêmicos, constitucionalidade, autonomia desportiva e prerrogativa quanto à exploração do direito de arena foram tratados na última coluna Sem Olé na Lei.

Tendo em vista a alteração de pontos relevantes relacionados ao direito de arena, uma questão volta à tona: os árbitros poderiam ser contemplados com essa rubrica? A resposta negativa não demanda maiores questionamentos, tendo em vista que a redação da lei é direta ao contemplar os atletas participantes do espetáculo, sendo que essa era a previsão constante antes mesmo da vigência da MP 984.

A Lei Geral do Desporto foi modificada para estabelecer que serão distribuídos, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, 5% da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais, como pagamento de natureza civil, exceto se houver disposição em contrário constante de convenção coletiva de trabalho.

É importante ressaltar que não é a primeira vez que a Lei Geral do Desporto sofre alterações por meio de medida provisória. No ano de 2015, o governo federal apresentou a MP n.º 671, posteriormente convertida na Lei n.º 13.155/2015 e que passou a ser conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal no esporte. Naquela época, a então presidente da República vetou alguns dispositivos que foram inseridos pelos parlamentares, dentre eles, aquele que previa a destinação de 0,5% da receita proveniente do direito de arena para os árbitros.

O veto da então presidente estava lastreado no parecer emitido pelo Ministério do Esporte, o qual afirmava que, “embora medidas que busquem o aperfeiçoamento da arbitragem mereçam ser estimuladas, seu custeio por parcela decorrente do direito de arena não se revela mecanismo adequado para esse fim. Além disso, o regramento da matéria deveria prever critérios para utilização e controle dos recursos recebidos[1].

Desde então quase 5 anos se passaram e o tema volta a ser debatido, sendo certo que em relação à profissionalização dos árbitros nada mudou desde então.

Muitas críticas são disparadas contra os árbitros. Todavia, poucas são as medidas adotadas no intuito de se formar e qualificar este trabalhador que é essencial para assegurar a lisura das partidas e competições.

A atividade do árbitro de futebol está disciplinada na Lei n.º 12.867/2013, que tem apenas quatro artigos bem incipientes.

A Lei Pelé (Lei n.º 9.615/1998) traz, no artigo 88[2], parágrafo único, que o árbitro e seus auxiliares não têm qualquer vínculo empregatício com as entidades desportivas a que são vinculados[3].

Portanto, se constata que a atividade da arbitragem, nela incluída o árbitro principal e os auxiliares, nunca foi considerada como aquela principal por tais profissionais, que em sua imensa maioria exercem um outro ofício, tendo em vista que não contam com nenhum critério de continuidade e garantia de atuação.

O árbitro e seus auxiliares só recebem a sua contraprestação financeira quando são escalados e efetivamente atuam nas partidas. Porém, conforme determina o Estatuto do Torcedor (Lei n. 10.671/2003), a equipe de arbitragem que atuará em determinada partida será escolhida mediante sorteio, o que, invariavelmente, pode fazer com que determinado profissional passe um campeonato inteiro sem atuar. Além disso, esses profissionais não têm qualquer espécie de garantia em caso de acidente do trabalho ou outro direito decorrente das leis trabalhistas.

Durante o período no qual atuei como procurador-geral do TJD da Federação de Futebol do Distrito Federal, eram muitos os casos de denúncias apresentadas contra clubes que pagavam os árbitros com cheques sem fundos, e os que adotavam essa prática eram julgados e condenados por infração do art. 191 do CBJD. Ou seja, além de todos os revezes em suas carreiras, os árbitros têm que conviver com essas situações.

Em Portugal, a Lei 50/2007 define o árbitro desportivo como sendo quem, a qualquer título, principal ou auxiliar, aprecia, julga, decide, observa ou avalia a aplicação das regras técnicas e disciplinares próprias da modalidade desportiva. Todavia, conforme contundente afirmação de Nuno Barbosa[4], essa definição não seria adequada na medida em que o árbitro tem que estar habilitado pela federação para exercer o seu ofício, e esse credenciamento é certificado por um órgão federativo designado conselho de arbitragem, o que revela que não basta a simples intenção de se exercer a função.

A MP n.º 984 sofreu 91 emendas, sendo que 4 dessas foram direcionadas aos árbitros, sinalizando com a possibilidade de alteração do texto legal para viabilizar que esses profissionais possam fazer jus ao recebimento do direito de arena.

O deputado Roman (Patriota/PR), justificou que “estes profissionais são responsáveis por fazer valer o regramento da partida, de forma imparcial e justa, mesmo quando submetidos à intensa pressão psicológica”. Portanto, a eles seria justo destinar 1% da parcela proveniente da receita obtida com a exploração de direitos desportivos audiovisuais.

Outrossim, lembrou o deputado em questão que, no ano de 2019, a CBF lançou importante campanha destinada ao reconhecimento dos profissionais da arbitragem, com valorização dos árbitros e assistentes e respeito à própria regra do futebol.

O senador Randolfe Rodrigues (REDE/AP) apresentou emenda com redação semelhante ao antigo art. 42 da Lei Pelé, mas com destinação exclusiva ao Sindicato dos Árbitros, de percentual equivalente a 1% da receita com as transmissões, e à entidade caberia a distribuição aos árbitros participantes do espetáculo, em partes iguais.

É mais ousada a proposta do deputado Airton Faleiro (PT/PA), pois pretende que sejam distribuídos em partes iguais 5% da receita obtida com a exploração audiovisual, entre atletas, árbitros e assistentes participantes do espetáculo.

O deputado Hugo Leal (PSD/RJ) lembra a histórica luta das entidades representativas dos árbitros no tocante à reivindicação para participação do percentual do direito de arena. Todavia, o parlamentar carioca sugere uma (injustificável) participação de 10% para os atletas e, em outro parágrafo, 5% para entidade nacional representativa dos árbitros. O ponto interessante é o último parágrafo proposto, que insere uma oportuna transparência dos valores arrecadados pela entidade, com a divulgação dos valores recolhidos a título de direito de arena e a devida prestação de contas.

É oportuno destacar que o projeto original da Lei de Direitos Autorais de 1973 assegurava a prerrogativa “aos outros participantes figurantes do espetáculo e técnicos” da participação na importância recebida a ser dividida proporcionalmente na forma que fosse determinada pelo Conselho Nacional de Desportos.

Um dos primeiros defensores da tese de que o árbitro fazia jus ao direito de arena foi o ilustre jurista Antônio Chaves, que afirmava ser uma grande injustiça não conceder essa rubrica ao árbitro de futebol, pois nem mesmo o vínculo de emprego lhe era assegurado (entendimento que prevalece até os dias atuais), sendo que o direito de arena seria devido não apenas aos desportistas profissionais, mas deveria amparar todos aqueles que atuam em um espetáculo, exteriorizando suas particularidades e habilidades, cujo valor econômico teriam o direito de reivindicar quando suas atuações fossem exploradas economicamente[5].

Além disso, mencionava o autor que, algumas vezes, os árbitros se apresentavam com performance mais espetacular do que a grande maioria dos atletas participantes do espetáculo, fato esse que os consagrava como verdadeiros artistas em suas especialidades.

É importante frisar que o maior beneficiário da profissionalização da atividade do árbitro é o torcedor (consumidor), devidamente amparado pelo Estatuto do Torcedor, que poderá se assegurar da lisura da arbitragem e da adoção de critérios técnicos que serão ministrados em escolas de arbitragem.

Como parte integrante desse movimento que visa a maior qualificação, comprometimento e formação da equipe de arbitragem, a destinação de parte do percentual obtido com o direito de arena para os profissionais da arbitragem, pode ser um passo decisivo para o objetivo traçado, devendo ser lembrado, por fim, que a imagem do árbitro também é propagada durante o espetáculo. Não se pretende, de forma alguma, equiparar a equipe de arbitragem ao atleta para fins de recebimento do direito de arena, mas contemplá-los com fração entre 0,5% a 1% da receita da exploração audiovisual nos parece justa.

……….

[1] VEIGA, Mauricio de Figueiredo Corrêa da. Direito e Desporto – São Paulo – LTr, 2018. p. 35.

[2] Art. 88. Os árbitros e auxiliares de arbitragem poderão constituir entidades nacionais, estaduais e do Distrito Federal, por modalidade desportiva ou grupo de modalidades, objetivando o recrutamento, a formação e a prestação de serviços às entidades de administração do desporto.

Parágrafo único. Independentemente da constituição de sociedade ou entidades, os árbitros e seus auxiliares não terão qualquer vínculo empregatício com as entidades desportivas diretivas onde atuarem, e sua remuneração como autônomos exonera tais entidades de quaisquer outras responsabilidades trabalhistas, securitárias e previdenciárias.

[3] Nesse sentido, são os seguintes precedentes do E. TRT/SP da 2ª Região ao negar a existência de vínculo de emprego entre árbitro e entidade desportiva: Recurso Ordinário 01416-2006-016-02-00-3, Rel. ROVIRSO APARECIDO BOLDO, publicado em 23/09/2008; Recurso Ordinário 02214-1999-025-02-85-2, Rel. LUIZ EDGAR FERRAZ DE OLIVEIRA, publicado em 02/12/2005.

[4] BARBOSA, Nuno. O Estatuto Jurídico do Árbitro no Direito Português. P. 48, In Direito do Desporto Profissional, Coord. AMADO, João Leal e COSTA, Ricardo – Ed. Almedina.

[5] CHAVES, Antônio. Direito de Arena. Julex Livros – 1. ed. – 1988. p. 62/63.

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