Pelo Brasil as Federações preparam a volta do futebol, e esperam autorização do governo para retomarem os campeonatos paralisados em função do coronavírus. Nessa volta, os clubes e entidades esportivas precisam garantir a segurança dos atletas. Mas quem garante a segurança dos árbitros? A situação deles é ainda mais complicada.
E tudo por causa da lei.
Diferentemente do atleta, que é um empregado do clube e detém um Contrato Especial de Trabalho Desportivo, o árbitro não tem vínculo empregatício com as entidades que organizam os eventos esportivos. O parágrafo único do artigo 88 da Lei Pelé é claro quando diz que “os árbitros não terão qualquer vínculo empregatício com as entidades esportivas”.
Esse artigo tem sido decisivo na Justiça para aqueles árbitros que buscam um vínculo profissional. Mesmo conseguindo demonstrar todos os requisitos que caracterizam o vínculo de emprego estabelecidos pela CLT, como subordinação, pessoalidade, não eventualidade, onerosidade, a lei específica acaba prevalecendo.
O Lei em Campo publicou que no retorno ao futebol os cuidados dos clubes terão de ser maiores para que nenhum atleta venha a se contaminar. Se isso ocorrer, além do prejuízo financeiro decorrente da perda de receitas, os clubes poderão ser acionados na justiça pelo atleta que contrair a Covid-19. Entre as demandas, o atleta pode pedir desde uma indenização até a rescisão do contrato.
Havendo uma relação do trabalho como causa para uma contaminação, o jogador pode acionar o clube. A questão é de prova. “Se houver contaminação, o jogador poderá demonstrar a sua exposição à doença, e que essa exposição ocorreu da determinação dos clubes de retornarem os jogos”, esclarece a procuradora regional do Ministério Público do Trabalho, Ileana Neiva Mousinho.
Segundo ela, é necessário para retomada de jogos que medidas de prevenção sejam adotadas, como a medição de temperatura dos atletas, o distanciamento entre eles nos vestiários, centros de treinamento, campos, e o compromisso de que os jogadores e suas famílias estão em isolamento, para que o jogador possa ser convocado. Essas medidas estão no protocolo médico elaborado pela CBF e que foi analisado pelo Ministério da Saúde.
O fato é que o empregador/clube é responsável pela saúde e integridade do empregado/atleta. Isso está previsto na Constituição Federal, bem como na CLT e da Lei Pelé. Agora, o árbitro não tem esse vínculo profissional.
Eu ouvi a opinião de outros advogados que também acreditam que, mais uma vez, o árbitro está desprotegido. Filipe Souza, especializado em direito esportivo, diz que “por ser considerado um profissional autônomo, o árbitro que se sentir inseguro para trabalhar pode se negar a aceitar a escala”.
A questão é que a imensa maioria tem medo de negar uma escala, e assim não ser chamado para outros jogos. A alternativa poderia ser um grande acordo coletivo, com o sindicato da categoria negociando com a entidade organizadora dos jogos um seguro para o caso de contaminação.
Mas aí vem outro problema, que também vale para os jogadores.
A relação causa e efeito, no direito chamado de nexo causal. Ela é decisiva nos casos dos jogadores, e também para os árbitros. Domingos Zainagui, advogado trabalhista, lembra que para o árbitro a questão da prova é ainda mais complicada já que “o árbitro não tem contato com os atletas, o deslocamento dele é individual, ele treina sozinho. Provar que contraiu a doença trabalhando fica ainda mais difícil.”
Mas a verdade é que o árbitro que voltar a trabalhar corre o risco de contrair o vírus no desempenho de sua atividade. Se ele conseguir provar essa relação, com provas robustas, ele não teria o caminho da justiça trabalhista para buscar indenização, mas “poderia buscar um processo cível ou administrativo”, diz a advogada especializada em direito esportivo, Danielle Maiolini.
Afinal, quem organiza um evento não é responsável pela segurança de todos? O organizador de uma festa não precisa garantir condições de segurança as pessoas que participam dela? O próprio Estatuto do Torcedor fala dessas responsabilidades que recaem sobre os organizadores de eventos esportivos.
Mas, claro, que o caminho não é tranquilo. O árbitro está desprotegido.
A categoria dos árbitros foi profundamente atingida pela pandemia, e está aflita.
Remunerados por partida, juízes e bandeirinhas ficaram sem renda com a suspensão de todas as competições em função do coronavírus, e estão assustados com o futuro financeiro incerto.
Eles simplesmente pararam de receber. Estão em casa, sem dinheiro e sem direitos assegurados. Torcendo para o futebol voltar, mas buscando também condições de saúde.
Nossa legislação precisa mudar, e passar a proteger também o árbitro.
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