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Argentina foi exemplo para a criação dos tribunais esportivos no Brasil

Ainda que continue a falar acerca da história do Direito Esportivo, inicio hoje uma nova fase na coluna, concentrando na tentativa de recuperar a pouco contada trajetória da Justiça Esportiva brasileira.

Hoje qualquer cidadão de nosso país que acompanhe um clube está mais que acostumado com siglas do tipo TJD e STJD. “Fulano está barrado pelo TJD para a final do Estadual.” “Ciclano foi liberado pelo STJD para o próximo jogo de seu time.”

A cultura em torno da Justiça Esportiva no Brasil é tão forte que termos próprios para falar pejorativamente sobre decisões no futebol, tais como “tapetão” e “virada de mesa”, tornaram-se jargões para assuntos não vinculados a ele. Hoje se fala de “ganhar no tapetão” para qualquer demanda onde as vias normais não são respeitadas, mesmo que fora do esporte.

O que pouco se comenta ou se escreve é de onde vem esta cultura tão arraigada no imaginário popular brasileiro?

Já contei aqui na última edição da coluna que, antes da intervenção do Estado Novo por meio do Decreto-lei n° 3.199, de 1941, nem mesmo poderia se considerar que existisse uma Justiça Esportiva no Brasil. Nas minhas pesquisas e leituras, fui percebendo que, ainda que já tivesse ocorrido a edição desta que considero ser a primeira Lei Geral do Esporte do país, não havia sido instituída o que hoje chamamos por Justiça Esportiva. Somente com as resoluções posteriores do Conselho Nacional de Desportos (CND), já sob o comando de João Lyra Filho, é que se percebe a criação pelo próprio Estado desta instituição tão brasileira: a Justiça Esportiva.

Na minha curiosidade acadêmica, parti a procurar por relatos do início dessa história e encontrei uma tese de doutorado em História Social na PUC-SP, defendida por Jorge Miguel Acosta Soares em 2015 e intitulada por “Justiça Desportiva – o Estado Novo entra em campo (1941 – 1945)”. Trata-se de um documento riquíssimo, de quase 300 páginas, que disseca a primeira fase da trajetória dos tribunais esportivos em nosso país. Aconselho a leitura da tese e, ainda, dar uma boa olhada no final, onde está a cronologia da trajetória da justiça esportiva brasileira.

Pois Acosta Soares vai na mesma linha do que eu já também mostrei na minha tese de doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (FDUnB), de que a construção da Justiça Esportiva reforçava o caráter de controle da área esportiva pelo aparato estatal sob o comando getulista.

E o autor vai além, contando que já havia tempo que torcedores e cronistas esportivos se queixavam da impunidade de atletas nas suas condutas em campo. Diz, por exemplo, que o grande Mário Filho, de “O Negro no Futebol Brasileiro” e que dá nome ao Maracanã, vinha, no final dos anos 1930, fazendo campanha declarada pela adoção de um “tribunal de penas” no âmbito do futebol. E esse modelo tinha justamente na Argentina o seu paradigma, onde órgão similar com o mesmo nome já existia havia quase uma década.

E o modelo portenho passou a chamar mais ainda a atenção dos brasileiros após aqui ser noticiado em 1936 que o craque da Seleção Canarinho Domingos da Guia, então jogador do Boca Juniors, havia sido suspenso pelo Tribunal de Penas argentino por agredir a pedradas um árbitro durante uma partida em Buenos Aires.

Por aqui o caso teria passado muito provavelmente sem punição. O máximo seria o Departamento de Árbitros da respectiva federação estadual impor uma multa ao atleta. Não havia verdadeiramente órgãos disciplinares nas organizações esportivas de nosso país.

Foi somente em 5 de novembro de 1942 que surgiu a norma estatal que verdadeiramente criou – impôs – uma Justiça Esportiva no país. Por meio da Resolução 4/1942, o CND institui o Tribunal de Penas em cada federação estadual de futebol, com o nome que desejava Mário Filho e com clara inspiração no modelo argentino.

As federações de Rio de Janeiro e São Paulo logo se adaptaram para aplicar a nova norma estatal que formatava os tribunais de disciplina esportiva. Ocorre que, junto a essa novidade que visava encerrar o período de impunidades em campo, veio uma enorme burocracia. Para cada partida, o CND solicitava quatro relatórios, onde antes só havia a súmula.

Foi uma verdadeira virada na história do Direito Esportivo brasileiro e tem tudo a ver com a atuação de seu pai-fundador, João Lyra Filho, que nesse momento já começava a dar as cartas no comando do CND.

Continuo a falar sobre isso nas próximas colunas.

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