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As ameaças de torcedores aos jogadores de futebol

Por Victor Rosa

As notícias de atletas profissionais que são ameaçados por torcedores, especialmente quando se trata de futebol, esporte mais popular do país, já não são mais novidade. Do que se nota, a maioria das ameaças é feita por apoiadores do próprio clube do jogador, além de que as motivações são sempre as mesmas, sejam indignação com as atuações ou alegações de suposta falta de empenho. Fato é que nossa sociedade normalizou essas ameaças dentro dos estádios, mas e quando elas ultrapassam as quatro linhas?

Esse é o caso de William, jogador do Corinthians, que registrou boletim de ocorrência na sede do Departamento de Operações Policiais Estratégicas de São Paulo, após ser hostilizado em uma de suas redes sociais. O atleta passou a maior parte de sua carreira no futebol inglês, em especial em Londres, onde atuou por Chelsea e Arsenal. Sem dúvidas, William sabia que seria uma mudança brusca sair do futebol inglês para o futebol brasileiro, pois a cobrança no Brasil costuma se dar de forma mais assídua, mais agressiva e, por vezes, mais violenta. Contudo, nenhum jogador é obrigado a sujeitar seus familiares e a si próprio às ameaças de criminosos.

Tendo isso em vista, existe a possibilidade de rescisão contratual? Nos afastando da realidade dos grandes clubes, tivemos em 2019 o caso do atleta Marlos, ex-jogador do Corumbaense, agremiação do Mato Grosso do Sul, que à época disputava a série D do campeonato brasileiro. O atleta sofreu ameaças de torcedores na saída de campo, após uma derrota em casa, e respondeu às provocações ainda no estádio. Aparentemente tudo havia se encerrado ali, mas os ofensores resolveram ir além. Naquele mesmo dia, três indivíduos foram até o centro de treinamentos do Corumbaense, e invadiram o alojamento, não se intimidando com o fato de dezessete jogadores estarem presentes no local.

Os criminosos estavam armados, e começaram a procurar por Marlos nos quartos do alojamento. Porém, para a sorte da vítima, seu quarto estava trancado no momento da invasão. Um de seus companheiros de equipe relatou que um dos agressores mostrou o revólver carregado, e falou: “aqui é para o Marlos, fala para ele que nós vamos voltar mais tarde e pegar ele”. Após o ocorrido, Marlos decidiu ir embora de Corumbá, e rescindiu o contrato com o time, que por ser equipe de menor porte, não costuma trabalhar com multas rescisórias de valor expressivo.

A esse respeito, vislumbra-se o art. 483, letra ‘f’, da CLT, que permite a rescisão pela chamada “culpa do empregador” nas hipóteses em que o empregado for fisicamente agredido ou ofendido. Além disso, a ofensa deve ser praticada pelo empregador ou por seus prepostos, o que não enquadra torcedores da agremiação. Contudo, no caso de Marlos, os criminosos invadiram seu espaço de trabalho, local onde a segurança é responsabilidade do empregador. Portanto, há discussão quanto à possibilidade da rescisão por“culpa do empregador”.

Outros casos corriqueiros no futebol são os de jogadores cobrados por torcedores durante os momentos de folga, como foi o caso do jogador Bruno Henrique, ex-volante do Palmeiras. O atleta e sua esposa discutiram com torcedores enquanto passeavam, e o imbróglio foi um dos motivos que motivou Bruno a sair do clube. Todavia, não houve rescisão contratual, pois, neste caso, ficou evidente que não se enquadraria a hipótese do art. 483, letra ‘f’, da CLT, e que o jogador só poderia sair caso pagasse sua própria rescisão.

Retomando o caso William, podemos concluir que dificilmente o atleta buscará a rescisão contratual, visto que além apresentar carinho pelo clube que o revelou, casos de ameaças por torcedores raramente justificam a rescisão contratual por “culpa do empregador”. Nessa linha, podemos dizer que o caso se encontra entre os dos jogadores Marlos e Bruno Henrique, nem tão grave quanto a invasão armada ao alojamento, nem tão leviana quanto a discussão com torcedores no momento de folga.

A melhor forma de combater e evitar ameaças de torcedores é punindo corretamente os responsáveis pelas intimidações, pois os “valentões da internet”, assim como os que se acovardam no meio das torcidas, só entendem a linguagem da sanção.  Para mais, a polícia já prendeu o indivíduo suspeito de ter ameaçado William. Infelizmente, a resposta rápida da polícia costuma ser exclusividade dos casos de atletas de grandes clubes, enquanto as histórias como as de Marlos, apesar de mais assustadoras, terminam sem punição aos envolvidos.

Crédito imagem: Corinthians

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Victor Rosa, acadêmico de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador do GEDD-UERJ.

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