E chegamos à coluna de número 30! Já são mais de sete meses falando todas as semanas, sempre às segundas, acerca dos fundamentos, princípios e história do Direito Esportivo. Tenho o maior orgulho de estar junto deste time incrível do Lei em Campo e animado por estar contribuindo um pouquinho para tirar a história da nossa área do baú empoeirado onde ninguém parecia querer mexer. Obrigado sempre pela oportunidade. E obrigado também a você leitor que tem acompanhado meus textos por aqui.
Retomando, então, a reconstrução da narrativa acerca da história do Direito Esportivo, da trajetória e pensamento de João Lyra Filho, nosso “pai fundador”, relembro que, como estou mostrando nas últimas colunas, é preciso ir lá na obra de Oliveira Vianna antes de se estudar o Decreto-lei n. 3.199, de 1941, ou o que Lyra Filho começou a escrever nesta época sobre direito e esporte.
Você pôde ler nos últimos números aqui do “A Lei é Clara[?]” que a o Culturalismo vianista, sua tese do “insolidarismo social”, levou a uma construção de uma primeira lei geral do esporte brasileiro, justamente aquele decreto-lei de 1941, sem qualquer participação popular, longe da base do esporte nacional e dos atletas, sobretudo. Nem mesmo um parlamento deu sua opinião ou muito menos deliberou sobre esta primeira lei geral do esporte brasileiro, visto que o Congresso Nacional estava fechado pela Ditadura do Estado Novo.
No me livro “Constituição e Esporte no Brasil (Ed. Kelps, 2017) esclareço a junção da tese do “insolidarismo social” de Oliveira Vianna com produções de modernas correntes jurídicas norte-americanas como ponto fulcral da elaboração do Decreto-lei n. 3.199, de 1941:
“O que aflorou da experiência de Oliveira Vianna com o que denominava por “direito costumeiro” nas áreas trabalhista e esportiva foi o claro caráter tutelar – da autonomia sindical, no caso dos sindicatos, e da autonomia esportiva, em matéria de organização do esporte no país.
Nos dois casos, a normatização geral obedeceu à lógica de preparação do anteprojeto de norma por meio de comissões corporativas. Os “conselhos técnicos” funcionariam tanto no caso da CLT, como na regulação das atividades esportivas – Decreto-lei 3.199, de 1941. Em ambos não houve debate e deliberação normativa pelo Congresso Nacional. Neste segundo caso, os técnicos foram reunidos em um conselho especial criado por meio do Decreto-lei 1.056, de 1939, denominado por “Comissão Nacional de Desportos”, encarregada de elaborar um plano geral para a regulamentação do esporte no país, ou seja, com a missão precípua de redigir a primeira lei geral do esporte do Brasil. Os cinco membros da Comissão foram todos indicados pelo Presidente G. Vargas e era composto de modo a agraciar os dois lados em conflito no “Dissídio Esportivo”.”
A busca pelos fundamentos centrais do pensamento Oliveira Vianna – centralismo político-administrativo, o corporativismo e a eugenia – seriam, aliados ao crescente movimento nazifascista na Europa, os ingredientes ideológicos do início da tutela da organização esportiva no Brasil.
A primeira tarefa seria constituir um “conselho técnico”, corporativo, para a redação de uma norma de exceção.
Conforme narrado por João Lyra Filho em Introdução ao Direito Desportivo, 1952, pp. 119-120:
“O primeiro ato de participação do Estado na disciplina das atividades desportivas, com caráter permanente, e de continuidade, definiu-se com o Decreto-lei n. 1.056, de 19 de janeiro de 1939, que criou a Comissão Nacional de Desportos, com a incumbência de realizar minucioso estudo do problema desportivo nacional e apresentar o plano geral de sua regulamentação. Ela constituiu-se de cinco membros, escolhidos pelo presidente da República ‘dentre pessoas entendidas em matéria de desportos ou a êstes consagradas’, além do diretor do Departamento Nacional de Educação […] Por decreto de 10 de março do mesmo ano, foram designados os membros da referida Comissão os Srs. José Eduardo Macedo Soares, Luis Aranha, Arnaldo Guinle, Major Joaquim Alves Bastos e Capitão de Fragata Átila Monteiro Achê, sob a presidência do primeiro, além do Sr. Antonio Teixeira de Lemos, no impedimento do Sr. Luis Aranha.”
O resultado dos trabalhos da Comissão Nacional de Desportos foi a edição do Decreto Lei n. 3.199, de 1941. Trata-se de norma com força de lei decretada pelo Presidente Getúlio Vargas, conhecida pelo reconhecimento da prática esportiva profissional, assim como pela criação do Conselho Nacional de Desportos (CND). Porém, ganhou notoriedade entre os jusesportistas por seu caráter centralizador e estatista.
A história é a seguinte: Oliveira Vianna era Consultor Jurídico do Ministério do Trabalho e havia montado uma comissão corporativista para elaborar o anteprojeto do decreto-lei que seria baixado por Vargas para instituir a histórica e bem-vinda Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Como as teses vianistas eram muito fortes entre o Presidente da República e muitos dos revolucionários de 1930, como também entre os “sportsmen” do país e os dirigentes esportivos da época, a primeira lei geral do esporte não poderia fugir do padrão.
Desse modo, sua inspiração era um misto de organização social corporativista, ao estilo do que se implantava no fascismo italiano, e que parecia fascinar Oliveira Vianna e Getúlio Vargas naquele momento, como ainda a suspensão da participação popular, isso tendo como base o “insolidarismo social” vianista.
Para completar, Oliveira Vianna ainda recorreria à Jurisprudência Sociológica de Holmes, corrente jusfilosófica norte-americana muito importante no pensamento jurídico da época e que será mais bem analisada nas próximas edições desta coluna.
Por fim, como se lê nas reproduções do meu livro que trouxe acima, havia o clima político do “Dissídio Desportivo”, a luta escarnecida entre poderosas famílias do Rio de Janeiro (Meyer e Guinle) e, a partir do fim dos Anos 1930, modificada com a entrada de um irmão de Osvaldo Aranha no meio dos dirigentes esportivos da época.
Tenha paciência. A partir da próxima semana vou explicar tudo isso e você vai entender o porquê do surgimento da primeira lei geral do esporte em 1941 e o aparecimento da “autonomia tutelada”.