O adjetivo “Inacreditável” subiu aos tópicos mais comentados do X antes mesmo da premiação do Bola de Ouro começar. A indignação se referia a informação de que Vini Jr não viajaria para acompanhar a cerimônia da premiação porque o Real já sabia que ele não seria o vencedor. A confirmação do prêmio para Rodri veio logo depois, o que só aumentou a irritação virtual e clareou uma certeza: o futebol ainda se incomoda com a luta contra o preconceito.
A decisão contrariou uma convicção da maioria que acompanha o futebol, a de que ninguém jogou mias do que o brasileiro na temporada.
Com a escolha por Rodri do Manchester City – que surpreendeu até a imprensa inglesa e espanhola – muitos se perguntam: se Vini fosse branco e europeu o prêmio seria dele?
A resposta me parece que seria sim.
Tem quem diga que uma batalha dele fora de campo possa ter jogado contra, a luta contra o racismo. Também acho.
Vini Jr tem sido vítima constante do preconceito ainda vigente no futebol, mas não se calou. Usou o talento e a voz que têm para lutar por direitos humanos.
Fez o futebol e o direito entrarem nessa luta, o que garantiu duas conquistas históricas.
A FIFA se rendeu
Em maio deste ano, a FIFA anunciou um plano global de combate ao racismo no esporte envolvendo os 211 países filiados. Alguns pontos importantes:
– a entidade exigirá que todas as federações nacionais incluam, em seus códigos disciplinares, artigos específicos para enquadrar crimes de racismo com “sanções próprias e severas”, incluindo o encerramento da partida com a derrota do time associado ao ato racista.
– a FIFA informou ainda que vai lutar para que o racismo seja reconhecido como crime em todos os países do mundo. A entidade não tem poderes para alterar a legislação de nenhum país, porém deixou evidente que vai pressionar politicamente para que isso aconteça.
– ela vai investir na promoção de iniciativas educativas em conjunto com escolas e governos, além de criar um novo painel anti-racismo de jogadores composto por ex-atletas. O órgão vai monitorar e aconselhar a implementação destas ações em todo o mundo.
A entidade informou também que essa política foi elaborada depois de consultar às 211 associações nacionais de futebol e também fazer ” extenso processo de consulta com jogadores e ex-jogadores, homens e mulheres, do mundo todo”, e que suas “opiniões e contribuições resultaram numa proposta de ação consolidada”.
Um dos jogadores com quem a entidade mais conversou foi Vini Jr., do Real Madrid e da seleção brasileira, que se transformou num símbolo da luta antirracista.
Vini tem sido alvo constante de manifestações preconceituosas na Espanha, mas não se intimidou. Usou sua força para levantar a bandeira contra o preconceito, o que tem gerado transformações importantes dentro do futebol e no direito europeu.
A Espanha se rendeu
A segunda façanha veio um pouco depois.
Em junho, três pessoas foram condenadas a oito meses de prisão em por proferirem insultos racistas contra o atacante Vinicius Junior durante o jogo contra o Real Madrid, em maio de 2023, no estádio Mestalla.
Além disso, o trio terá de ficar dois anos sem entrar em estádios de futebol, e arcar com as custas do processo.
Na ocasião, o jogo chegou a ser interrompido. Após uma denúncia de La Liga, a liga espanhola de futebol, os torcedores foram identificados com a ajuda das imagens de câmeras de segurança do estádio.
Antes de serem condenados pela justiça, os acusados leram uma carta em que pediam desculpas a Vini Jr, à liga espanhola e ao Real Madrid.
A decisão foi histórica, pela primeira vez alguém foi condenado por racismo em um jogo de futebol na Espanha.
O papel da LaLiga, entregando imagens e participando do processo, foi importante. Claro que ela se viu pressionada pela opinião pública, mas também pelos documentos privados do esporte, que tem direitos humanos como pilar.
Futebol e direitos humanos
Esporte não se afasta do direito e o direito tem como base a proteção de direitos humanos. A Declaração Universal de Direitos Humanos, tratados internacionais e os próprios regramentos internos da Fifa reforçam esse compromisso inegociável.
Basta dar uma olhada no estatuto da entidade, a “constituição” do movimento privado do futebol.
No art 4. 2, a entidade se declara neutra em matéria política e religiosa (tentando proteger a utopia da neutralidade esportiva). Mas complementa escrevendo que exceções se darão em casos que dizerem respeito aos objetivos estatutários da Fifa.
Um pouquinho antes, o artigo 3 do estatuto diz que a Fifa protege direitos humanos.
Além disso, depois do FIFAGATE, a entidade teve que escrever uma política interna de direitos humanos para melhorar a imagem .
Ou seja, futebol e direitos humanos estão juntos.
Bola Ouro não entendeu
Portanto, a luta antirracista não deveria ser um problema. Pelo contrário.
Mas o Prêmio Bola de Ouro, o mais tradicional e importante do futebol, não olhou para Vini Jr. Muito menos para tudo que ele representa.
Ele perdeu a oportunidade histórica de premiar o melhor jogador da temporada (pelos dribles, pela maneira que enfrenta desafios em campo, pelo protagonismo no Real) e ainda reforçar uma luta necessária.
Ele fechou os olhos para o óbvio.
Depois do anúncio do Prêmio, “ïnacreditável” ganhou a companhia de “vergonha”, “palhaçada”, “piada”, “inaceitável”… e por aí vai.
O Bola de Ouro mostrou dessa vez que não sabe olhar paro o que acontece dentro de campo e parece se incomodar com quem luta contra os problemas que acontecem fora dele.
Nada contra Rodri, um craque que jogou muito a temporada, mas que jogou bem menos do que Vini Jr.
Além dos racistas, poucos entenderam essa decisão.
Afinal, o Prêmio sonegou o talento do brasileiro e animou os racistas do futebol, mas não vai conseguir apagar as conquistas de Vini Jr no combate ao preconceito.
Crédito imagem: Alex Caparros/Getty Images
Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo
Seja especialista estudando com renomados profissionais, experientes e atuantes na indústria do esporte, e que representam diversos players que compõem o setor: Pós-graduação Lei em Campo/Verbo em Direito Desportivo – Inscreva-se!