Search
Close this search box.

As contradições do protocolo da “torcida única”, nos clássicos de futebol, no estado de São Paulo. O que é um clássico futebolístico?

Por Higor Maffei Bellini.

Olá a todos, retornamos a este importante espaço, de discussão sobre como as leis impactam os esportes, trazendo uma questão, que aparentemente é só esportiva, mas, que tem como pano de fundo o direito, já que no estado de São Paulo, ainda existe a questão da “torcida única”, nos chamados clássicos: que é um clássico, em termos de futebol brasileiro?

Esta discussão tem como base a realização de dois jogos, com menos de 95 dias de diferença de um para o outro, onde o protocolo da “torcida única”, foi aplicado de maneiras muito distintas, pela organização dos eventos, uma sendo a CBF e aqui falamos do amistoso da seleção brasileira feminina, contra a seleção japonesa, na Neo Química Arena, que foi organizado pela CBF, em 30 de novembro de 2023 e o outro jogo foi o clássico realizado em 28 de fevereiro de 2024, no charmoso estádio Dr Oswaldo Teixeira Duarte entre Associação Portuguesa de Desportos e a Sociedade Esportiva Palmeiras

Na falta de uma definição mais jurídica do termo, que define uma partida como sendo um clássico, trazemos uma definição existente na mídia, portuguesa, até em homenagem a um dos participantes destes jogos. Que a mim parece muito adequada.

Para Ricardo Nunes Gonçalves[1] um clássico “… no mundo do futebol é vulgarmente definido como um encontro entre duas grandes equipas com uma rivalidade histórica e icónica, que se gladiam em prol de um objetivo (desportivo) e em que só um pode sair vitorioso”

O conceito de clássico futebolístico é para a área acadêmica e jurídica, pouco explorado, mas muito utilizado, sendo daqueles conceitos que todos sabem na prática o que se quer usar quando empregado, mas, pouco explorado do ponto de vista teórico.

E eu faço a mea culpa, uma vez que, quando em companhia da Beatriz Martin, escrevemos o importante texto: não é apenas futebol: a história da “old firm”, a resistência cultural, existente no futebol escocês[2], também não trouxemos uma definição para o que torna um jogo como sendo clássico.

Mas agora, para este texto, não me furtarei de trazer o que para a minha pessoa é um jogo clássico: um clássico para o futebol é aquele jogo, que tem uma história, uma rivalidade paralela, aquele que equivale, para os envolvidos e suas torcidas, a vencer o próprio campeonato, que pode ser entre equipes da mesma cidade, do mesmo estado, do mesmo país, e agora com a internalização cada vez maior do futebol, até mesmo do mesmo continente. É aquele jogo em que se passa a semana de forma ansiosa para que este ocorra, e se passa a semana seguinte, comentando sobre os lances polêmicos. E porque não dizer que é aquele jogo, que pode fazer vilões e heróis a dependerem, de como determinado lance influi no resultado do jogo.

Colocamos no conceito no nosso conceito, jogos entre equipes do mesmo continente, em razão primeiro das facilidades tecnológicas do século XXI, que permite a comunicação instantânea entre países distintos, se criando rivalidades entre torcedores de países diferentes, até com a ajuda dos tradutores automáticos, pela facilidade de deslocamento das torcidas, podem fazer as viagens internacionais nos continentes sem a necessidade dos vistos e pelos confrontos cada vez mais frequentes entre as equipes. Eu ainda acho que logo teremos uma liga mundial de clubes.

E explorar esse conceito, do que é um jogo clássico, é importante no atual momento, pois depois de quase uma década no estado de São Paulo, houve um clássico entre Palmeiras e São Paulo, pele título da supercopa do Brasil, em terras mineiras é verdade, com a presença das duas torcidas, algo que não acontecia, no estado de São Paulo desde o distante ano de 2016, quando após o confronto entre torcedores do Palmeiras e Corinthians o Mistério Público pediu a Federação Paulista de Futebol, que não houvesse a presença de torcidas visitantes nos jogos entre os times do Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo sendo depois estendido para partidas entre Guarani e Ponte Preta e para o jogo entre Comercial e Botafogo de Ribeirão Preto.

A realização do chamado Choque Rei, em Minais Gerais, com as duas torcidas no estádio, e não falamos apenas de torcidas organizadas, mas, do torcedor comum e suas famílias, sem confrontos divulgados e sem maiores incidentes, além do torcedor são paulino, que arremessou uma garrafa de cerveja no ônibus da delegação do Palmeiras, pode sinalizar o início da volta dos clássicos disputados com a presença de duas torcidas rivais, ou três, ou quadro a depender da presença, das torcidas organizadas aliadas de fora do estado, nos confrontos, posto que as torcidas organizadas, também possui as suas teias de alianças ao redor do mundo.

Após falarmos do que é um clássico, invertendo a ordem do título, vamos tratar das contradições na aplicação do protocolo da “torcida única” nesses dois jogos, que aconteceram muito próximos e demonstram a existência da necessidade de ser colocado expressamente, caso continue a existir, quando valerá a “torcida única” em terras bandeirantes.

 A contradição existente é que em um jogo amistoso da brasileira feminina, contra a japonesa, que com todo o respeito que a seleção japonesa merece, bem como para evitar um incidente diplomático, não é um clássico, até pelo baixo número de jogos envolvendo essas equipes, se usou o protocolo da “torcida única”. E no jogo entre Lusa e Palmeiras, que tem um grande número de partidas realizadas, uma rivalidade histórica, estavam presentes as duas torcidas.

E aqui faço a seguinte ponderação em jogos da seleção brasileira, todos os presentes que estejam ou com a camisa do Brasil, de times brasileiros, ou até mesmo sem camisa devem ser considerados como sendo torcedores do Brasil, posto que os adversários estarão com as cores de sua seleção ou de times dos seus países já que por uma questão de identificação, quando se vai jogar na casa do adversário, por ser território hostil, aqueles que estão em menor número por serem visitantes, buscam sempre usar as cores de fácil reconhecimento entre os que estão naquele setor.

A presença de duas torcidas no mesmo estádio não significa que ambas devam estar no mesmo setor, não significa a existência de um setor misto. Até porque, ao redor do mundo, quando se fala em jogos entre clubes, é comum a existência de um setor separado para as torcidas visitantes, que tem inclusive percursos diferentes para a chegada ao local da partida.

Falando sobre a utilização da torcida mista, sem a separação de torcidas, e jogos da seleção brasileira, o confronto ocorrido menos de 10 dias, do jogo entre Brasil e Japão no feminino, em partida válida pelas eliminatórias da copa do mundo masculina, entre Brasil e Argentina no estádio do Maracanã houve um confronto entre torcedores brasileiros e argentinos[3] no qual se coloca como um dos fatores de início do problema a inexistência de separação entre as torcidas.

E, sendo admitida essa a razão do confronto, percebe-se que o problema não foi a presença de duas torcidas no local, mas a falta de separação destas, para prevenir que ânimos mais exaltados provocassem o confronto físico entre os rivais.

Mas, não estamos tratando aqui de um texto que deseja guia de como ser torcedor visitante em jogos clássicos, apesar de serem 32 anos de arquibancada, se bem que fica a ideia para um próximo texto.

Contudo, voltando a contradição no protocolo da “torcida única” este está demonstrado pelo fato de ser um jogo amistoso, entre seleções femininas, se aplicou um dispositivo da federação paulista, que não era a responsável pela organização do evento, criado para se tentar prevenir confrontos entre as torcidas das equipes de São Paulo, que não resolveu as questões de confrontos, bem como criou as seguintes situações:

Restrição de liberdade: o torcedor, enquanto indivíduo, não pode ir a um evento aberto ao público e são vendidos ingressos. Se bem que, as vezes, as pessoas vão aos jogos, do seu time na casa do adversário, mas, sem utilizar as cores do seu time

Sendo que às vezes a informação da proibição da sua entrada só seria informada, quando já no local da partida, falando-se de jogos da seleção brasileira.

Dificuldade na prevenção conflitos: uma vez que ““torcida única”” evita a presença de duas torcidas no estádio, mas não os encontros nos bairros, já que as pessoas, que não vão ao estádio, não necessariamente ficam em casa.

Impacto financeiro nos clubes: os clubes mandantes “gostam” da “torcida única”, pois podem vender os lugares, que ficariam vazios, para separar as torcidas, têm menos riscos de terem os estádios danificados. Já os “visitantes” podem se sentir prejudicados por não dividirem as receitas da partida, não poderem, na semana anterior, aproveitar o engajamento dos seus torcedores para fazerem ações de marketing e vendas de produtos.

Falta de clima de jogos A rivalidade entre as torcidas, envolvidas na partida, é parte integrante da cultura do futebol sem que exista a presença das duas torcidas, não se consegue sentir o clima do jogo, quando o seu time é o visitante em jogos de “torcida única”, posto que não existindo a possibilidade de ser ir ao estádio, a maioria das pessoas, acaba por interagir menos com o momento.

E nos encaminhando para a conclusão dos textos, percebemos que a principal contradição que existe no protocolo da “torcida única” é a de não ser aplicada, como largamente divulgado, para os clássicos, pois todos os confrontos envolvendo equipes existente a pelo menos, mais de três décadas, são clássicos, podem não ter rivalidade acirrada, mas, são clássicos, sendo o mais acertado dizer que seria aplicado a jogos com risco de conflitos entre as torcidas envolvidas.

Os jogos da seleção brasileira não podem ocorrer com “torcida única”, posto que seria impedir que os estrangeiros, que viessem ao estado de São Paulo para assistir aos jogos, sem saber desta restrição que é apenas local e não nacional, fosse impedido de entrar no estádio ou como no caso do menino no jogo da seleção feminina, tivesse de entrar sem as cores da sua seleção.

E ainda sobre os jogos da seleção brasileira se existisse a “torcida única”, em um amistoso de seleção seria apenas a torcida do Brasil e não a do Japão, não havendo logica para não se permitir camisas de clubes nacionais, já que estes em tese estariam apoiando a seleção brasileira, sendo todos aliados no Brasil.

Já a contradição secundaria, válida para jogos do Brasil, é a de que a proibição é a existência de torcida do time adversário, não da entrada no estádio com as camisas dos clubes nacionais.

A última das contradições é que na prática, não existe ““torcida única”” nos jogos, já que qualquer pessoa pode se cadastrar e comprar ingressos para qualquer jogo desejado. A única restrição é que não pode usar a camisa do seu time. Isso pode continuar acontecendo enquanto a LGPD estiver em vigor e os clubes não compartilharem as informações de suas bases de dados de compradores de ingressos, e não utilizarem o reconhecimento facial para impedir que torcedores de um clube vão ao estádio do rival para ver seu time jogar, especialmente quando são visitantes.

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo


[1]  https://www.abola.pt/futebol/noticias/qual-a-diferenca-entre-um-classico-e-um-derbi-2023110616404988107

[2]  http://app.fiepr.org.br/revistacientifica/index.php/conhecimentointerativo/article/view/461

[3] https://esportes.r7.com/futebol/cbf-diz-que-brasil-x-argentina-foi-planejado-de-forma-cuidadosa-e-estrategica-junto-a-pm-22112023

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.