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As novas regras da FIFA para disputas entre jogadores e clubes

Lucas Vilela dos Reis da Costa Mendes[1]

Mateus Branco[2]

1.      Mudanças regulatórias aos NDRC’s

No dia 18 de janeiro de 2024 a FIFA lançou o seu novo modelo regulatório para a resolução de disputas esportivas locais. Explicamos: a indústria do esporte é um setor da economia “auto-regulado”, ela funciona como uma pirâmide normativa para regrar o futebol em nível global – de forma padronizada. Isso quer dizer que, juridicamente, a FIFA – uma instituição privada – elabora normas que devem ser seguidas pelas confederações nacionais (só assim para que se mantenham afiliadas)[3]. Assim, seguindo os padrões da FIFA, as mencionadas confederações – no caso brasileiro, a CBF – desenvolvem normas e as aplicam nacionalmente.

Trata-se de um tema tão fascinante quanto o próprio futebol: são instituições privadas produzindo regras de abrangência global – daí a ideia de auto-regulação. Mais do que a “produção de normas”, as instituições do futebol possuem órgãos para que tais normas sejam “aplicadas” de maneira uniforme (garantindo, portanto, a estabilidade e a previsibilidade do esporte e de sua economia). É aqui que entra a arbitragem: a FIFA e as confederações nacionais criaram órgãos para a administração das arbitragens esportivas[4] – no caso brasileiro, o CNRD[5]: um reconhecido “sucesso jurisdicional”[6].

Isso quer dizer que a “Câmara Nacional de Resolução de Disputas” da CBF – “CNRD” – é uma “National Dispute Resolution Chamber” – “NDRC” – e para que seja “reconhecida” como tal pela FIFA deve seguir os “princípios” desta última.

2.      O sensível desafio das arbitragens esportivas envolvendo direito do trabalho

Pois bem, voltando para o dia 18 de janeiro de 2024. O que a FIFA fez foi desenvolver tais “princípios” no que se refere a resolução de disputas entre empregados e empregadores na indústria do futebol, aí incluídos os jogadores e os clubes[7]. Vale, a este respeito, a leitura do próprio texto publicado pela FIFA:

FIFA has a statutory obligation to regulate all matters relating to the game of football and to provide the necessary institutional means to resolve disputes that may arise between or among football stakeholders. FIFA recognises that parties may wish to refer an employment-related dispute to a dispute resolution system at national level, instead of submitting it to FIFA or seeking redress before a civil court.”(NDRC, 2024, p. 7).

O tema, no entanto, é desafiador[8] e utiliza a premissa de que as disputas entre jogadores e clubes são arbitráveis – e que, portanto, a justiça do trabalho local não possui jurisdição sobre a matéria (e sendo, portanto, a NRDC da confederação local a competência para tanto – no nosso caso o CNRD da CBF).

A FIFA é plena conhecedora dos desafios relativos à arbitrabilidade de disputas individuais do trabalho. A instituição, por outro lado, sabe que, para o funcionamento da indústria do futebol, são necessárias padronização e segurança jurídica – consolidando-se, assim, a “lex sportif”. A partir de tais premissas, a FIFA estabeleceu diversas regras que deverão ser seguidas pelos “National Dispute Resolution Chambers” para que os procedimentos arbitrais envolvendo matérias trabalhistas estejam aderentes à principiologia jurídica aplicável a esta área do direito.

3. Normas para a estabilidade jurisdicional em disputas com direito do trabalho

Neste sentido, foram desenvolvidos (i) regras de composição dos tribunal arbitral que resolverão disputas entre jogadores e técnicos e clubes, (ii) regras para a segregação jurisdicional entre disputas “nacionais” e “internacionais”, (iii) regras de independência e imparcialidade dos árbitros e (iv) regras para a garantia da ampla defesa e do contraditório.

a.      Regras para a composição do tribunal arbitral

O primeiro tema tratado pela CBF foi relativo à composição dos tribunais arbitrais pelas NDRC’s (no Brasil, lembre-se, a CNRD). As pessoas que funcionarão como árbitros devem ser indicados, em última medida, por órgãos que, por um lado, representem os jogadores e, por outro, representem os clubes, formando um tribunal com paridade de representação entre os dois lados da disputa[9].

Os representantes dos empregados nas NDRC’s devem ser nomeados por uma associação de jogadores filiados à “FIFPRO” a nível nacional, que consiste, no Brasil, à Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (FENAPAF). Caso não haja uma instituição consolidada, outra organização representativa de jogadores pode atuar na nomeação, necessitando comprovar junto à NDRC que representa a vontade e interesse dos jogadores a nível nacional.

Seguindo a mesma lógica, os representantes dos empregadores deverão ser escolhidos pela organização oficial que representa os empregadores. Caso não exista uma organização representativa de empregadores, os próprios clubes (empregadores) podem nomear os representantes dos empregadores para a NDRC. Essa nomeação deve ser feita por meio de um processo organizado pela confederação nacional (CBF).

Por fim, após a devida seleção, devem ser nomeados, com base em um consenso entre as partes envolvidas, o presidente e vice-presidente do tribunal arbitral[10]. Busca-se, à evidência, uma composição equilibrada e participativa entre os pólos da demanda.

b.      Regras para a segregação jurisdicional entre disputas nacionais e internacionais

As regras de segregação jurisdicional entre disputas nacionais e internacionais foram desenvolvidas para que a NDRC tenha clareza sobre sua jurisdição e aplique as normas apropriadas ao resolver disputas, diferenciando entre disputas de natureza nacional e internacional. A NDRC, lembre-se, tem jurisdição apenas sobre disputas relacionadas ao relacionamento contratual entre empregados (jogadores e técnicos) e empregadores (clubes afiliados) a nível nacional.

Versando sobre disputas de níveis internacionais, a NDRC deverá aceitar a jurisdição apenas se o contrato em questão tiver uma cláusula compromissória expressa que lhe garanta tal poder. Ou, caso a jurisdição exclusiva da NDRC seja prevista por um acordo de negociação coletiva estabelecido a nível nacional.

c.       Regras de independência e imparcialidade dos árbitros

Os árbitros designados para a NDRC devem possuir qualificações legais adequadas, conhecimento das regulamentações esportivas e experiência em resolução de disputas esportivas. É proibido que os árbitros ocupem outras posições dentro da associação membro ou representem jogadores, treinadores ou clubes em disputas perante a NDRC

Além disso, os árbitros devem ser imparciais e transparentes em suas decisões. Caso haja dúvidas justificáveis sobre a imparcialidade de um árbitro, as partes têm o direito de desafiá-lo, apresentando uma declaração por escrito ao presidente da NDRC. O desafio será avaliado pelo presidente ou vice-presidente(s) da NDRC.

d.     Regras para a garantia da ampla defesa e do contraditório

Como se percebe, tais regras foram desenvolvidas para garantir-se, a nível local, o pleno exercício da ampla defesa e do contraditório pelas partes perante as NRDC’s. Afinal de contas, ausente um tribunal arbitral composto de maneira equilibrada e participativa pelas partes e com membros imparciais e independentes, nunca os princípios da ampla defesa e do contraditório poderiam se concretizar.

Ademais, para disputas relacionadas à relação contratual entre empregadores e empregados não deve ser exigido o pagamento antecipado de custos para a apresentação de reclamações perante a NDRC, garantindo o acesso à justiça e o direito à ampla defesa.

4.     Conclusões

Como se percebe, a FIFA desenvolveu regras a serem aplicadas nacionalmente pelas federações de modo a padronizar a aplicação do direito em relações entre jogadores e técnicos e clubes, trazendo segurança e previsibilidade a estas importantes relações jurídicas do esporte. E o fez por meio da arbitragem. Mais do que isso, por meio da concretização de normas e princípios fundamentais ao instituto: o respeito ao tratamento igualitário entre as partes (especialmente na composição dos tribunais arbitrais), a busca pela independência e imparcialidade dos árbitros e a garantia ao acesso à jurisdição arbitral.

Tais normas serão incorporadas à realidade brasileira por impulso da FIFA, notadamente por meio de ajustes ao Regulamento da CNRD da CBF – os quais deverão ser elaborados em atenção à lei de arbitragem brasileira, à jurisprudência e à doutrina nacionais: uma grande responsabilidade, pois, só assim, para que o instituto possua estabilidade suficiente para lidar com assunto tão sensível,  disputas individuais do trabalho. A FIFA, de fato, deu um importante impulso inicial. Cabe agora à CBF dar andamento – mantendo a qualidade jurídica dos “princípios” e tropicalizando no que for necessário.

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[1] FCIArb. LL.M. Queen Mary University of London (merits). Diretor do Curso Prático de Arbitragem. Sócio de Laudelino Advogados.

[2] Estudante de Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Estagiário  de Laudelino Advogados.

[3] O tema, inclusive, foi objeto de argumento da CBF na ADI 7580, assim resumido pelo Min. Gilmar Mendes, relator: “Em face disso, o requerente aduz que a intervenção judicial realizada após a desconsideração, por suposta ilegitimidade ativa do Parquet, do TAC celebrado entre o MPRJ e a CBF, encontra-se em vias de causar danos graves e irreparáveis à coletividade, na medida em que o órgão internacional de cúpula do futebol (FIFA) não reconhece o interventor nomeado pelo TJRJ como representante legítimo da entidade, o que pode ocasionar a aplicação da sanções aptas a inviabilizar a prática do futebol profissional em todo o país. Confira-se, quanto ao ponto, o teor do ofício encaminhado pela FIFA e pela CONMEBOL à CBF”. (ADI 7580 MC Relator(a): Min. GILMAR MENDES. Julgamento: 04/01/2024. Publicação: 08/01/2024. Disponível em https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15363851081&ext=.pdf, acesso em 26.03.2024) (sublinhados nossos)

[4] Em relação ao tópico aconselhamos a leitura: SCHULZ, Alexandre Buono. Os contratos comerciais internacionais na sociedade pós-industrial: reflexões sobre a nova lex mercatoria. 2010. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010, disponível em https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2135/tde-20122010-153753/publico/Dissertacao_de_Mestrado_Alexandre_Buono_Schulz_completa.pdf, acesso em 01.04.2024.

[5] Sobre a aplicação das normas no Brasil, recomendamos a leitura: CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL. Regulamento da Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD). Rio de Janeiro, 30 de julho de 2020 disponível em https://conteudo.cbf.com.br/cdn/202209/20220923095301_64.pdf, acesso em 01.04.2024.

[6] Sobre o tema, recomendamos a leitura: https://www.cbf.com.br/a-cbf/informes/index/credibilidade-faz-cnrd-chegar-a-560-casos-em-menos-de-quatro-anos, acesso em …

[7] Sobre o tema: National Dispute Resolution Chamber Recognition Principles. Fevereiro de 2024. Disponível em: https://digitalhub.fifa.com/m/2021f639165fb13e/original/National-Dispute-Resolution-Chamber-Recognition-Principles-February-2024.pdf. Acesso em: 26.03.2024

[8] Sobre o tema, recomendamos a leitura de: Mendes, Lucas V. R. C. “Conceitos, Limites e Desafios da Arbitragem Trabalhista”, in Arbitragem Trabalhista. Migalhas, 2020. Rio de Janeiro.

[9] Tais previsões têm como objetivo principal, fornecer orientação adicional às associações e partes interessadas, visando estabelecer padrões claros de reconhecimento das NDRC’s.

[10] A FIFA prevê ainda a necessidade que os números de representantes sejam iguais para as duas partes, podendo variar entre duas a dez pessoas.

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