Da leitura do art. 213 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, a organização desportiva mandante que deixar de tomar providências capazes de prevenir ou reprimir: i) desordens em sua praça de desporto; ii) invasão do campo ou local da disputa do evento desportivo; e iii) lançamentos de objetos no campo ou local da partida, incorre na infração disciplinar desportiva do art. 213, podendo resultar em punições em face ao clube responsável.
A interpretação do §2º, do art. 213 do CBJD amplia a alcance do sujeito ativo da citada infração disciplinar, ao prever que “caso a desordem, invasão ou lançamento de objeto seja feita pela torcida da entidade adversária, tanto a entidade mandante como a entidade adversária serão puníveis, mas somente quando comprovado que também contribuíram para o fato.” Infere-se, portanto, o dever do clube mandante em assegurar um ambiente seguro e pacífico, uma vez que ainda que por ação da torcida adversária, este pode incorrer no tipo infracional em destaque.
O CBJD estabelece a responsabilidade objetiva do clube pela conduta de seus torcedores dentro do estádio.
Isso significa que o clube pode ser punido mesmo que não tenha envolvimento direto com a invasão de campo, tendo em vista o seu dever em garantir a segurança e a ordem durante as partidas.
No entanto, o art. 213, §3º do CBJD prevê uma hipótese de isenção de responsabilidade do clube, que ocorre quando este procede à comprovada identificação e detenção do autor da desordem, invasão ou do lançamento de objetos.
Uma das formas admitidas pelo Código Brasileiro de Justiça Desportiva refere-se ao registro de boletim de ocorrência contemporâneo ao evento. Não obstante a subjetividade do termo “contemporâneo”, depreende-se, majoritariamente, que a identificação do infrator das condutas tipificadas no art. 213 e incisos do CBJD deve ocorrer tão logo haja a entrega da Súmula da Partida à entidade de administração desportiva correspondente.
Isso porque, leva-se em conta o dinamismo da competição, além da fugaz peculiaridade em que os campeonatos se ordenam, como forma de observar ao princípio do bom andamento da competição e assegurar resultados íntegros e o jogo limpo.
Considera-se, ainda, o prazo prescricional da Justiça Desportiva, constitucionalmente previsto, em vista à entender as singularidades do desporto e suas competições, sendo que a identificação tardia, pode comprometer o julgamento realizado, e eventuais penas que vierem culminar em desfavor do clube.
Destaca-se, também, a imposição do art. 211 do CBJD, o qual estabelece a responsabilidade do clube em garantir infraestrutura no local da partida, minimamente hábil e adequada para a maior segurança da partida.
Além do dispositivo em questão, os riscos mencionados acima, reforçam os motivos para que a organização desportiva adote medidas efetivas para prevenir e coibir o comportamento inadequado de seus torcedores, como a instalação de barreiras físicas, monitoramento de áreas de risco, reporte prévio às autoridades policiais e de trânsito para reforçar o suporte em jogos com mensuração atípica ou mais problemática.
As possíveis sanções impostas pela Justiça Desportiva incluem multas financeiras, perda de mando de jogos com portões fechado, quando a desordem, a invasão ou o lançamento de objetos for de elevada gravidade ou causar prejuízo ao andamento da partida.
Importante mencionar que os Regulamentos de Competições emanados pela Confederação Brasileira de Futebol se alinham no tocante ao combate aos atos capazes de macular a ordem no ambiente esportivo, prevendo sanções mais rígidas.
A exemplo disso, o art. 79 do Regulamento de Competições de 2023 prevê que casos de violência e distúrbios graves, podem ensejar ao clube responsável, pena de perda de mando de campo, nos termos do art. 175, §2º, CBJD. Do mesmo modo, alinhado com a disposição do Código Disciplinar na FIFA, o STJD pode determinar a proibição de públicos, sendo portanto, partidas com portões fechados ao público, vedando, ainda, a venda de ingressos.
É fundamental que os clubes tomem medidas rigorosas para evitar a invasão de campo, desordens, tumultos, a fim de garantir a segurança de todos os envolvidos nas partidas. Contudo, importante mencionar a dificuldade de uma organização desportiva em conscientizar a sua torcida, e até mesmo, em identificar o verdadeiro infrator. Como já mencionado acima, a identificação do infrator permite o clube eximir a sua responsabilidade, além de possibilitar a colaboração perante as autoridades competentes para responsabilização individualmente, nos termos das legislações vigentes.
A conduta descrita no art. 213 e seu respectivo inciso I é capaz de incitar à hostilidade e violência na torcida. Esta, por sua vez, se insere como sujeito ativo da infração tipificada nos demais incisos, II e III, de forma que recai ao clube a responsabilidade por tal conduta.
Além do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, a responsabilidade pelo espetáculo esportivo também é estabelecida na nova Lei Geral do Esporte, a qual determina que referida proteção incumbe às entidades esportivas.
A Lei Geral do Esporte, ao consolidar legislações que tangenciavam o desporto, passou a conceituar a figura do torcedor, e seus respectivos direitos e obrigações, revogando o Estatuto do Torcedor.
O Capítulo II da LGE, em seus artigos 178 e seguintes, dispõe sobre o torcedor, e, os artigos 143 e seguintes, inseridos dentro da Seção II – Dos Direitos do Espectador, assim como outros dispositivos da LGE regulamentam e definem a responsabilidade pelo evento esportivo, impõe regras de transparência e segurança ao torcedor, além de tipificar práticas infracionais relacionadas ao espetáculo esportivo (art 201 e seguintes LGE).
A esse respeito, importante mencionar que a promoção da paz no esporte recai sobre o Poder Público, às organizações esportivas, aos torcedores e aos espectadores, e nos termos do parágrafo único do art. 179 da LGE, respondem pela prevenção da violência nos eventos esportivos, os promotores de evento esportivos, todos os envolvidos na organização entidades de administração e de prática desportiva, e seus dirigentes, entidades recreativas, organizadores e aos próprios torcedores. Já em linha com o Estatuto do Torcedor, que havia sido lapidado com alterações advindas da Lei nº 12.299/2010, que impunha a todo e qualquer indivíduo o dever de prevenir atos violentos por ocasião dos eventos esportivos.
Para tanto, medidas como a instituição do Plano Nacional pela Cultura de Paz no Esporte , direcionada pela administração pública federal, inserida no art. 181 da LGE, compreende algumas das imposições legais estabelecidas com o fim de aprimorar as medidas de prevenção à violência no esporte.
Além disso, a derrogada Lei Pelé, em seu art. 2º, inciso XI, insere o desporto como um direito individual, respaldado pelo princípio da segurança quanto a integridade física, mental ou sensorial de praticantes de todas as modalidades esportivas.
A Lei Geral sobre o Desporto prevê também deveres com a finalidade de assegurar a organização adequada do espetáculo esportivo, e garantir a ordem, lisura e transparência na organização, por meio de obrigações legais, como a publicação do regulamento e as tabelas da competição, com especificação de sua data, local e horário das partidas, escalação dos árbitros da partida, divulgação do borderô, além do nome e as formas de contato do Ouvidor da Competição, e a qualificação dos torcedores impedidos de comparecer ao local do evento esportivo, e respectiva decisão judicial, transação penal ou suspensão do processo que determinou referida sanção, as quais devem ser encaminhadas à entidade de administração desportiva competente.
Obriga-se também a emissão de ingressos por meio de sistema eletrônico em fases finais das principais competições nacional na primeira ou segunda divisão, como medida de ampliar a fiscalização de arrecadação e o controle de público.
A Lei nº 13.912/19 também compõe o arcabouço jurídico de combate à violência em eventos esportivos, e alterou o Estatuto do Torcedor quanto ao prazo de sanção ao membro da torcida condenado por promover tumulto, praticar ou incitar a violência ou invadir área técnica, passando para 3 anos, em substituição aos 5 anos anteriormente estabelecido.
Como mencionado no começo desse texto, os atos de violência dentro de campo, entre os protagonistas do evento esportivo são também previstos na esfera da Justiça Desportiva, por meio do Código Brasileiro de Justiça Desportivo, o qual tipifica infrações disciplinares e as respectivas punições, como suspensão de partidas, imposição de multa, perda do mando de campo, proibição de presença de público, perda de pontuação, exclusão da competição. Afinal, de nada adianta inúmeras medidas voltadas para a estrutura externa, se não houver previsão legal que assegure a punição a quem incitar a violência é incitada, ainda que indiretamente, dentro de campo. Seja por realizar jogada violenta, agressão ou ofensa, provocações ou qualquer outra prática antidesportiva.
Além das infrações disciplinares, o CBJD impõe às entidades de prática desportiva a responsabilidade objetiva pelos danos causados por torcedores, como pode ser registrado em inúmeros julgados da Corte Desportiva.
De volta à LGE, em seu art. 178, §5º, impõe à torcida organizada a responsabilidade objetiva e solidária por danos causados por qualquer de seus associados, ainda que ocorra nas imediações ou no trajeto de ida e volta do evento esportivo, além de manter o cadastro atualizado dos associados ou membros da torcida organizada.
A competição naturalmente impulsiona a rivalidade. Contudo, vale considerar outros aspectos que podem potencializá-la, como a religião entre torcedores do clube escocês Celtic, cuja torcida é reconhecida pelos ideais católicos, em contraposição aos conhecidos torcedores protestantes do Rangers. A perspectiva social, como ocorre na Grécia também entre as equipes do Olympiacos, caracterizado por sua torcida composta da classe trabalhadora, contra os torcedores do Panathinaikos.
A correta percepção acerca da causa raiz do problema corresponde um importante alicerce na estruturação de medidas efetivas capazes de reprimir ou mitigar práticas que germinam em violência no ambiente esportivo.
Não basta a atuação de profissionais especializados na repressão dos atos de violência por ocasião do evento esportivo. Para que seja efetivo, o combate à violência no esporte é premente em todas as suas dimensões, desde adoção de políticas públicas preventivas e programas sociais para conscientização dos indivíduos que frequentam praça esportiva, além da correta e adequada fiscalização das sanções desportivas aplicadas, por meio, inclusive, de canais de denúncia anônima.
São diversos os preceitos a serem considerados pelo legislador, pelos órgãos da administração pública, pelos dirigentes das entidades de administração e de prática desportiva para que os diversos dispositivos legais mencionados neste texto possam atingir seu interesse precípuo, qual seja, de proteger o torcedor/consumidor, a qualidade do espetáculo e a todos que nele integram de forma direta ou indireta.
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