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As regras para o acesso a Justiça

Aos estudiosos do Direito que se formaram há mais de uma década, aprenderam que sobre os pressupostos das condições da ação, como o interesse processual e a legitimidade para a causa, ainda sob a égide do Código de Processo Civil de 1973.

O ainda denominado Novo Código de Processo Civil, promulgado em 2015, passou a considerar a legitimidade ad causam, como a pertinência subjetiva da ação, e o interesse processual como requisitos gerais para conferir a capacidade processual para litigar em juízo, sendo o primeiro reconhecido como condição de admissibilidade subjetivo da parte que litiga, e o segundo critério objetivo extrínseco positivo.

Para tanto, salienta-se a diferenciação entre legitimidade processual e legitimidade ad causam, referindo-se o primeiro a capacidade de demandar ativamente em juízo, e o segundo, a legitimidade para deter um direito que pode ser objeto da lide. O melhor exemplo para descrever o conceito acima refere-se ao indivíduo menor de idade, que deve ser representado para figurar em um dos polos de uma ação judicial, uma vez que apesar de possuir legitimidade ad causam, não possui legitimidade processual.

Exige-se, portanto, um liame entre o sujeito de direito e o caso concreto a ser litigado, para que haja qualidade jurídica nesse sujeito para figurar como parte em juízo.

Sob essa ótica, conceitua-se os legitimados ordinários, os quais são os titulares do direito, e possuem relação jurídica direta com a situação que pretende ser apreciada judicialmente.

Ao contrário do legitimado ordinário que figura em juízo em defesa de direito próprio, classifica-se o legitimado extraordinário, que compreende a figura do sujeito que litiga em juízo em nome próprio na defesa de direito alheio. Nesse caso, depende de previsão legal, onde essa situação é reconhecida como substituição processual, que prescinde de processo em andamento, podendo ser autônoma ou subordinada.

A legitimidade extraordinária autônoma, há previsão em lei para demandar ativamente em juízo o sujeito que necessariamente não seja o titular do direito, como por exemplo, alguém cuja legislação confere como substituto processual. Por outro lado, a legitimidade extraordinária subordinada obriga a participação do titular da relação jurídica, como é o caso da figura do assistente prevista no CPC, exemplo que pode ser dado pela participação dos sindicatos nos processos.

Em resumo, afirma-se que a capacidade para ser parte em um processo, integrando um dos polos da relação processual refere-se a capacidade de direito. Por outro lado, a capacidade processual é a possibilidade de agir em juízo.

Somada a possibilidade jurídica do pedido e o interesse processual de agir, condiciona a ação com a legitimidade ad causam, sendo, portanto, o atributo conferido a alguém para agir em juízo ainda que não seja parte, mas que possui relação direta com o objeto litigado.

Doutrinariamente, divide-se essa legitimidade em i) exclusiva, onde um único sujeito está autorizado legalmente; ii) concorrente; iii) ordinária (age em juízo em nome próprio defendendo direito próprio); iv) extraordinária (o legitimado não é o titular do direito, atua em nome próprio defendendo direito alheio).

O conceito acima tratado remete a discussão de uma notícia recente trazida pelo Lei em Campo, onde uma ação foi proposta por uma organização civil em face a uma agremiação desportiva, sob alegação de que esta última estaria violando direitos LGTBQIA+.

Quanto ao debate acerca da legitimidade ativa do caso acima citado, importa resumir que quando uma entidade é constituída na forma de associação civil, possui definido em seu ato constitutivo os objetivos institucionais, podendo, por exemplo, visar o interesse coletivo.

Na defesa dos interesses para qual fora instituída, as associações civis somente são legitimadas para o exercício do direito de ação coletiva se observarem a atribuição definida taxativamente em lei, e desde que atendam aos requisitos legalmente estabelecidos.

Para tanto, a legitimidade ativa condiciona a constituição da associação superior há um ano, e finalidade institucional objetivando “a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico“.

Dessa forma, podem figurar como substitutos processuais, situação a qual demanda autorização do filiado ou deliberação em assembleia respectivamente, exceto se agir judicialmente na tutela de interesses individuais homogêneos.

Como já mencionado, a substituição processual refere-se a atuação em nome próprio na defesa de direitos alheios, podendo ser proposta por meio de ações coletivas ou ações civis públicas, cujas decisões efeitos sobre toda a sociedade.

A esse respeito, a Lei nº 7.347/85 a qual disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, prevê em seu art. 4º a possibilidade de ação cautelar objetivando, entre alguns direitos elencados, evitar danos à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos.

O artigo seguinte da citada lei menciona a legitimidade para propor ação principal e cautelar coletiva, a associação que esteja constituída há pelo menos um ano nos termos da lei civil, e inclua entre suas finalidades instituições a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Contudo, cita-se que a terceira Turma do STJ proferiu decisão unanime onde dispensou o critério temporal exigido para fins de propositura de ação civil pública pelas associações civis, ante “ao manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido”.

A legitimidade ativa das associações permite a extensão do efeito da decisão judicial, alcançando uma tutela coletiva. Prevista a partir de um “microssistema processual coletivo” (art. 5º da LACP e art. 82 CDC), o ordenamento jurídico brasileiro permite que associações possam perseguir seus objetivos, valendo-se da legitimação ativa para ações coletivas, se necessário, podendo figurar como substituta processual ou como representante processual, a depender do objeto e do pedido da ação.

Como representante, consoante previsão do art. 5º, inciso XII, da CF, a decisão judicial alcançará somente os respectivos associados, os quais outorgaram poderes para que fossem devidamente representados. Já como substituto processual, podem atuar na defesa de interesses difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos, situação em que a decisão judicial possui efeito erga omnes  (art. 82, inciso IV, CDC c/c art. 5º, inciso I, Lei da Ação Civil Pública). A diferença para se determinar se atuará como substituto ou representante processual reside no pedido, como já explanado acima, a depender da natureza da relação fática ou jurídica entre o sujeito titular do direito e o objeto do litígio.

Ainda, cumpre citar o Tema 499 do STF, derivado da decisão do RE 612.430/PR, proferido no sentido de que a aludida outorga só é devida na atuação das associações como representantes processuais nas ações coletivas ordinárias, dispensando, portanto, tal exigência para legitimação extraordinária para propositura de ação civil pública, respeitando o requisito temporal e a finalidade institucional. O fundamento da decisão, que sobrepôs entendimento contrário emanado pelo STJ, pautou-se nos princípios da indisponibilidade da demanda, da instrumentalidade das formas (“função instrumental-finalística”), da primazia do conhecimento do mérito

A defesa dos interesses transindividuais foi pensada pelo constituinte originário, conduzindo a Constituição Federal (art. 5º inciso XXI, CF) nos fundamentos democráticos da dignidade da pessoa humana e da cidadania, objetivando a promoção do bem de todos e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

A despeito do mérito do caso em questão, este espaço no Lei em Campo se resume às questões técnico-jurídicas de maneira que se conclui que muito embora haja previsão legal para a tutela dos direitos metaindividuais, sendo esta uma forma de aumentar o alcance da defesa dos direitos transindividuais e a aplicação dos preceitos constitucionais, há formas específicas para que sejam válidos e aceitos no ordenamento jurídico.

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