Na sequência do tema iniciado na última semana, este espaço abordará as regras relativas à formação desportiva no futebol, e os mecanismos que visam tutelar o atleta e o clube formador.
O contrato de formação desportiva deve ser escrito, contendo identificação das partes, o período de vigência e a assinatura do representante legal do atleta. Este instrumento possui natureza desportiva e educacional, cuja contrapartida ocorre por meio de bolsa aprendizagem, a qual não se confunde com a remuneração prevista na CLT (art. 29, §4º, Lei Pelé), de forma que essa bolsa aprendizagem servirá de base para o cálculo de eventual indenização por formação, além da necessária identificação do custo da formação desportiva discriminando os gastos que integrarão a indenização correspondente.
A Lei nº 9.615/98 exige que o contrato seja assinado diretamente entre o clube e o atleta, com a presença do representante legal, vedando a participação de (art. 29, §12º e art. 27-C, Lei Pelé).
O contrato de formação deve ser registrado na respectiva entidade de administração desportiva, e o atleta deve ser inscrito em competições oficiais. A atividade de formação desportiva não pode ultrapassar quatro horas diárias e devem ser compatíveis com a carga horária escolar do atleta, devendo o clube acompanhar a frequência e o aproveitamento educacional do atleta. Ademais, deverá o clube formador contratar seguro de vida e acidentes pessoais, e a admissão do atleta para o processo de formação se viabilizará mediante aptidão atestada por médico.
Em vista a preservar os direitos fundamentais da criança e do adolescente, e para que o clube seja de fato considerado como formador, exige-se uma infraestrutura satisfatória e um corpo técnico especializado, adequados para a formação desportiva, além de incumbir ao clube a assistência educacional, psicológica, médica, odontológica, alimentação, transporte, alojamento e instalações desportivas adequadas, com profissionais especializados, aptos a contribuir qualitativamente no aperfeiçoamento técnico dos atletas.
Por outro lado, a legislação confere direitos ao clube formador como forma de viabilizar o retorno econômico destes diante dos investimentos despendidos com a formação dos atletas. Para tanto, além dos requisitos acima descritos, o atleta em formação e o clube formador devem permanecer com o contrato vigente por pelo menos um ano. Com isso, cumpridas as exigências para ser enquadrado como clube formador, atribui-se a este o direito de assinar o primeiro contrato especial de trabalho desportivo com o atleta, com vigência de no máximo cinco anos, a partir de quando este completar 16 anos de idade.
Dessa forma, caso o atleta se recuse a assinar o primeiro contrato de trabalho com o clube formador, e venha a se profissionalizar com outro clube, o atleta e o clube que vier a assinar o contrato de trabalho, serão solidariamente responsáveis por indenizar o clube formador em até duzentas vezes o valor comprovadamente despendido na formação desportiva (art. 29, §5, II), conforme descrito no contrato de formação.
Citada disposição se alinha com o direito a autonomia privada e ao livre exercício da profissão, uma vez que se trata de condição originalmente pactuada no contrato de formação desportiva.
De outra modo, não incide a referida indenização caso o atleta não permaneça no esporte, assim como não incide quaisquer ônus ao clube formador caso opte por dispensar o atleta após o processo de formação desportiva, na hipótese de inexistir interesse em profissionalizá-lo.
Assegura-se, ainda, ao clube formador o direito de preferência na renovação do contrato de trabalho (art. 29, §7º, Lei Pelé), desde que a proposta seja apresentada ao clube formador e a federação correspondente 45 dias antes do término do respectivo contrato, e que a entidade de administração desportiva seja notificada sobre o interesse.
Se aludida proposta for mais vantajosa, o clube formador deverá se manifestar em até quinze dias se exercerá o seu direito de preferência. Nesse caso, se o clube formador alcançar a proposta, e ainda assim o atleta se recusar a renovar o contrato de trabalho, incidirá a indenização no montante de duzentas vezes o valor do salário mensal da proposta.
No que tange às transferências internacionais, o Regulations on the Status and Transfers of Players da FIFA admite a emissão do Certificado de Transferência Internacional (documento imprescindível para a condição de jogo do atleta), aos atletas com idade superior a 12 anos, a ser expedida pela federação do clube anterior (art. 9º, RSTP FIFA).
Ademais, o art. 19 do RSTP da FIFA veda a transferência internacional de atleta menor de 18 anos, ressalvando as seguintes hipóteses: i) mudança de país dos responsáveis legais do atleta, por motivos não relacionados com o futebol; ii) atletas residentes da União Europeia, podem se transferir entre os 16 aos 18 anos, desde que a transferência ocorra nesse âmbito territorial; iii) se o atleta viver a distância inferior a 50 km da fronteira de outro país, e o clube de interesse na transferência não estar a mais de 50 km da fronteira do domicílio do atleta.
Citadas disposições se relacionam com o presente tema, revelando a preocupação da entidade máxima de administração desportiva quanto à transação internacional dos atletas menores de idade. Nesse sentido, em proteção aos clubes, o RSTP da FIFA prevê uma compensação financeira devida ao clube formador.
Na transferência internacional, caracterizada pela migração do atleta de um clube para outro, sendo cada um desses filiados a associações distintas, independentemente da nacionalidade do atleta, o RSTP prevê o Training Compensation (art. 21 RSTP FIFA), o qual incide: i) quando da assinatura do primeiro contrato de trabalho profissional do atleta; ii) a cada transferência internacional do atleta até esse completar 23 anos de idade, considerando o período de formação realizado até os 21 anos do atleta.
Outra forma de retorno financeiro prevista em favor do clube formador é o mecanismo de solidariedade (art. 21 RSTP FIFA), que, por sua vez, acompanha a carreira do atleta, incidindo a cada transferência internacional do atleta que vier a ocorrer durante a vigência de seu contrato de trabalho, no percentual de 5% do valor da transferência, incumbindo ao clube que contratou o atleta a distribuição proporcional às demais entidades que contribuíram para a formação desportiva do atleta entre os 12 e 23 anos de idade.
O cálculo da compensação por treinamento, por sua vez, possui como critério a classificação emitida pela respectiva federação do clube formador, determinada de acordo com o investimento aplicado na formação desportiva, sendo, portanto, baseado na infraestrutura instalada para a formação, considerando eventuais gastos que o novo clube teria se tivesse formado o atleta, multiplicado pelo tempo que perdurou a formação. Referida previsão visa tutelar clubes menores, de eventuais estratégias de equipes maiores contratarem atletas valendo-se do menor valor de indenização.
As indenizações citadas, embora compreenda institutos distintos, referem-se à recompensa financeira devida aos clubes que participaram na formação do atleta. Dessa forma, o mecanismo de solidariedade internacional recai quando ocorre transferência internacional do atleta, definitiva ou temporária, a ser calculado em 5% do montante total da transferência para outros clubes, na proporção em que o atleta esteve inscrito entre os 12 e 23 anos de idade, a ser paga em 30 dias a contar da inscrição do atleta, tendo como prazo prescricional de dois anos para pleitear eventual descumprimento.
No âmbito nacional, a Lei nº 12.395/11 incluiu o art. 29-A na Lei Pelé, passando a prever o mecanismo de solidariedade nacional, correspondente ao retorno financeiro ao clube que contribuiu com a formação do atleta profissional entre os 14 aos 19 anos de idade, incidindo em transferência nacional definitiva ou temporária que vier a ocorrer durante a vigência do contrato de trabalho, atribuindo ao clube cessionário a responsabilidade pela distribuição às entidades que contribuíram para a formação, exceto nos casos em que o atleta rescindiu unilateralmente seu contrato de trabalho com o clube, com pagamento da cláusula indenizatória, ocasião em que o clube indenizado distribuirá os respectivos valores.
As regras retratadas nesse espaço se relacionam com a abordagem da última semana. Apesar das previsões estabelecidas pela entidade de administração desportiva objetive direcionar as transações de atletas menores de idade em linha com os direitos fundamentais destes, mantendo satisfatório os interesses dos clubes, as regras parecem não serem suficientes para proteger os mercados emergentes da considerável evasão de atletas.
Embora constate o progresso nas regulamentações desportivas que versam sobre o tema, é preciso que o setor estude medidas que, sem inviabilizar tais transações, aperfeiçoe os desígnios que se pretende tutelar.
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