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Aspectos gerais do sistema disciplinar desportivo espanhol

Em diversas oportunidades ressaltei nesta coluna a necessidade de repensar alguns aspectos da justiça desportiva brasileira: a composição dos seus órgãos, o papel do torcedor, a busca pela justiça comum, entre outros. Na busca por um sistema adequado, é enriquecedor observar os méritos e as dificuldades de outras organizações desportivas. Hoje esta coluna volta seu olhar para a Espanha e seu sistema disciplinar desportivo.

A peculiaridade da organização política da Espanha também é refletida na estrutura do esporte, assim como na regulação da sua Justiça e Disciplina Desportiva. Como destaca Reys Bellever Alonso[1], “o modelo público e o privado convergem e interagem, entrando, em repetidas ocasiões, em conflito, gerando assim um modelo próprio, o espanhol”. De fato, há extenso debate naquele país acerca da natureza jurídica das federações desportivas: há setores doutrinários que advogam pela natureza privada das federações e setores que advogam por sua natureza pública.

A Ley Estatal 10 de 1990 (Ley del Deporte) estabelece o Consejo Superior de Deportes, organização autônoma de caráter administrativo, através do qual se exerce a atuação da Administração do Estado no âmbito do Esporte. No setor privado estão: o Comitê Olímpico Espanhol, as ligas profissionais, as federações desportivas espanholas, as federações desportivas autônomas e as entidades associativas desportivas.

Assim como a Lei Pelé no Brasil, a Ley del Deporte estabelece os critérios básicos da disciplina desportiva e delega às federações desportivas a autonomia para organizá-la. Por esse motivo, Alonso considera que ainda que as federações desportivas na Espanha façam parte do setor privado, se delegou a elas o exercício de determinadas funções públicas, cujos sujeitos atuariam como agentes colaboradores da Administração Pública[2]. O poder disciplinar das federações desportivas é exercido sob a coordenação do Conselho Superior de Desportes, por força do artigo 33[3] da referida lei.

A Ley del Deporte, em seu artigo 82, define as regras gerais para a aplicação dos dois tipos de procedimento disciplinar vigentes na Espanha: o procedimento ordinário, aplicável para a imposição de sanções por infração as regras do jogo e às regras de competição; e o procedimento extraordinário, aplicável para as sanções correspondentes ao restante das infrações.

Tais procedimentos são realizados no âmbito do Comitê de Competição, que funciona como primeira instância. As decisões deste comitê são passiveis de recurso ao Comitê de Apelação da própria federação desportiva, se houver. Deste órgão de apelação há ainda a possibilidade de recurso ao Tribunal Administrativo do Esporte.

O Tribunal Administrativo do Esporte é um órgão relativamente novo na Espanha. Criado em 2014 pelo Real Decreto 53, que emenda a Ley de Deportes para acrescentar o artigo 84, o Tribunal Administrativo do Esporte está sujeito ao Conselho Superior de Esportes e sua criação unificou em um órgão administrativo diferentes matérias, já que é o resultado da integração dos extintos Comitê Espanhol de Disciplina Desportiva (dedicado às sanções desportivas) e Junta de Garantias Eleitorais.

O referido artigo 84 estabelece as competências do Tribunal Administrativo do Esporte. Para fins do presente estudo destaca-se a composição deste órgão, que é composto por sete membros, todos com formação em Direito, indicados pela Comissão Diretiva do Conselho Superior de Esportes.

As decisões tomadas pelo Tribunal Administrativo do Esporte são passíveis de recurso fora do âmbito desportivo, na jurisdição contencioso-administrativa espanhola. Sobre essa possibilidade também há debate jurisprudencial desportivo relevante. Os mais garantistas, como o próprio Alonso, entendem ser necessária essa outorga de poder ao estado, justificada pelo interesse geral do esporte. Entretanto, parte da doutrina considera constituir uma intromissão e intervenção na esfera desportiva privada que não deve acontecer.

……….

[1] ALONSO, Reys Bellever. Em Justiça Desportiva. Perspectivas do Sistema Disciplinar Nacional, Internacional e no Direito Comparado. São Paulo. 2018. Quartier Latin. P.229.

[2]O autor também reconhece, contudo, que há opiniões divergentes que consideram essa delegação prevista pela Ley del Deporte como sui generis.

[3]Artículo 33. 1. Las Federaciones Deportivas espanolas, bajo la coordinación y tutela del Consejo Superior de Deportes, ejercerán las siguientes funciones: (…) f) Ejercer la potestad disciplinaria em los términos estabelecidos em la presente Ley y sus disposiciones de desarrollo (ESPANHA,1990).

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