Por Heinrick César Fleissig Machado Profeta
INTRODUÇÃO
Conforme divulgado em matéria pelo InfoMoney[1], o brasil ocupa o top 5 do mundo em jogadores de jogos eletrônicos (games) e top 10 em receitas provenientes dos jogos, movimentando bilhões de dólares nesse setor.
Nesse sentido, em 2023, em levantamento divulgado pela tecmundo[2], a PlayStation apurou que o EA Sports FIFA 2023 (FIFA) foi o game mais jogado no Brasil, vencendo outras produções populares como Fortnite e Grand Theft Auto (GTA).
Tendo isso em vista, nota-se que os últimos games de futebol de maior projeção, tais como o FIFA[3] e o eFootball[4], estão lançando times brasileiros com jogadores genéricos, o que apresenta a problemática desenvolvida no presente artigo, e até certo descontentamento por parte daqueles que gostariam de jogar com a escalação real dos seus times do coração.
O direito de imagem dos atletas profissionais é um direito personalíssimo e um dos direitos da personalidade, o qual, sendo direito fundamental, tem especial interesse em ser tutelado, principalmente sob a perspectiva do ordenamento brasileiro, além de já ter protagonizado disputas judiciais emblemáticas tais como a que envolveu o jogador Zlatan Ibrahimovic[5] e outros jogadores de futebol profissionais tais como Alecsandro, Alex, Dagoberto, Diego Tardelli, Edu Dracena, Egídio, Éverton Ribeiro, Fred, Marcos Rocha, Ricardo Goulart e Wellington Paulista[6].
Dessa forma, o objetivo deste artigo é examinar, em função desse contexto, os aspectos jurídicos que devem ser considerados nos contratos de imagem para os atletas profissionais em jogos eletrônicos esportivos, com foco nos games que exploram a temática do futebol.
DIREITO DE IMAGEM DE ATLETAS PROFISSIONAIS
De acordo com a definição de Jacqueline Sarmento Dias (2000, p. 71), o direito de imagem, que é a projeção da sua personalidade, consiste no direito de uma pessoa para autorizar ou negar o uso de sua imagem.
Nas suas próprias palavras:
O direito à imagem consiste na faculdade do titular permitir ou não a
reprodução, exposição ou divulgação de sua imagem. A imagem é a
exteriorização da personalidade. É a concretização dessa abstração
física e moral. Não se reduz ao rosto, às feições da cada um, mas
inclina-se por todos os modos de ser físicos e psíquicos do homem.
Nesse sentido, trata-se de um direito fundamental, por estar protegido pelo art. 5º, incisos V, X e XXVIII[7], da Constituição Federal de 1988, e um direito da personalidade, por força do art. 20 do Código Civil de 2002[8].
Diante disso, como mencionado, jogadores como Zlatan Ibahimovic e outros jogadores profissionais tais como Alecsandro, Alex, Dagoberto, Diego Tardelli, Edu Dracena, Egídio, Éverton Ribeiro, Fred, Marcos Rocha, Ricardo Goulart e Wellington Paulista já protagonizaram casos emblemáticos de uso indevido da sua imagem, que decorreu principalmente pela forma que a imagem dos atletas é negociada no Brasil atualmente.
No caso comentado, a consequência foi a condenação ao pagamento de indenização de mais de 7 milhões de reais com a fixação de R$ 5.000,00 pela aparição de cada atleta nos games[9].
Sendo assim, em função da relevância da tutela do direito de imagem no ordenamento jurídico brasileiro, é essencial que o jurista, estando diante de um contrato de imagem, analise o modo e a forma de exploração da imagem de um atleta profissional, para prevenir que ocorra um uso indevido ou não remunerado da imagem do atleta, por meio da redação adequada do contrato que envolve a cessão do direito de imagem, conforme desenvolvido a seguir.
CONTRATOS DE IMAGEM
Sabe-se que de acordo com o art. 11[10] do código civil, como regra os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis.
Contudo, no particular da exploração da imagem dos atletas, deve-se ter em vista a Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), a qual dispõe no art. 87-A[11] que o atleta pode ceder o direito ao uso e exploração da sua imagem, mediante contrato, que deve ser autônomo com relação ao contrato de trabalho desportivo.
Nesse caminho, o contrato deverá prever, além das obrigações recíprocas das partes, a remuneração devida ao atleta pela exploração da sua imagem, a qual deverá observar o limite de 40% da remuneração recebida pelo atleta, para os casos em que a cessão de direitos ao uso de sua imagem seja realizada para a entidade que detenha também contrato especial de trabalho desportivo, nos termos do disposto no parágrafo único do art. 87-A da Lei Pelé.
O desafio enfrentado pelas produtoras de games, tais como a Eletronic Arts (EA), responsável pelo EAFC (Antigo FIFA), consiste nas especificidades dos ordenamentos jurídicos de cada país para a negociação do direito de imagem, de modo que, sem um estudo adequado da legislação, poderá incorrer em um uso indevido da imagem, como no caso mencionado no item anterior.
JOGOS ELETRÔNICOS DE FUTEBOL – NEGOCIAÇÃO DO DIREITO DE IMAGEM
As produtoras de games de futebol, tais como o FIFA e o eFootball, precisam negociar com os clubes e com os atletas a autorização e remuneração para o uso e exploração dos seus direitos de imagem.
Na Europa e na maioria dos países, conforme destacou BECKER, a negociação do direito de imagem de jogadores de futebol profissionais é realizada perante a Federação Internacional dos Futebolistas Profissionais (FIFPRO)[12].
Dessa forma, a EA, por exemplo, não precisa negociar individualmente com cada clube e atleta a exploração do seu direito de imagem, tendo em vista que a própria FIFPRO se encarrega de conduzir as negociações, com base nos atletas e clubes associados.
Contudo, o Brasil não é vinculado ao FIFPRO, de modo que o licenciamento do uso e exploração do direito de imagem de jogadores de futebol profissionais no brasil deve ser negociada individualmente com cada atleta, gerando um processo mais lento e custoso, e em função disso, os últimos games de futebol de maior projeção, tais como o FIFA e o eFootball, estão lançando times brasileiros com jogadores genéricos, para substituir os atletas que não celebraram um contrato para a exploração da sua imagem.
Nota-se, nessa via, que para viabilizar a aparição dos jogadores de futebol profissionais no Brasil nos jogos eletrônicos de futebol, as negociações devem contemplar os requisitos exigidos pela lei, para evitar o uso indevido da imagem e litígios pleiteando indenização aos atletas pelo uso de sua imagem sem a devida autorização e contrato para se definir a remuneração adequada ao caso.
Afinal, conforme comenta BECKER[13]:
Logo, verifica-se que o Brasil larga atrás no quesito de licença dos
atletas, em praticamente em todas as ligas mais competitivas do futebol
mundial, possuem mecanismos práticos para adquirir as suas licenças.
(…)
A solução mais correta para se tomar, seria a criação de uma entidade
que representasse os direitos de imagem dos jogadores para serem
cedidos aos jogos digitais, como é nos demais campeonatos pelo
mundo, no qual sempre funcionou muito bem, gerando lucro e exibição
aos jogadores de futebol.
Portanto, verifica-se que o modelo de negócio dos games de futebol envolvem regras específicas para viabilizar a aparição dos atletas nas partidas sem que dê ensejo a violação dos seus direitos, de modo que, no caso brasileiro, a ausência de mecanismos práticos para viabilizar a negociação torna muitas vezes o licenciamento do direito de imagem de jogadores de futebol profissionais no Brasil algo inviável.
CONCLUSÃO
Verifica-se do exposto que apesar do direito de imagem dos atletas profissionais consista em um direito personalíssimo, fundamental e da personalidade, gozando de proteção constitucional e do código civil, a Lei Pelé permitiu que os atletas profissionais negociassem o uso e exploração de suas imagens, desde que atendido as regras de remuneração.
Ademais, a ausência de uma entidade que representasse os direitos de imagem dos atletas profissionais gera uma desvantagem e um retrocesso do Brasil neste campo, que poderia promover muito mais seus atletas e ligas.
Dessa forma, estes são os principais aspectos legais e jurídicos envolvidos na elaboração de um contrato de imagem para atletas profissionais em jogos eletrônicos de futebol que precisam ser observados a fim de conferir segurança e conformidade legal às partes no desenvolvimento dos jogos eletrônicos de futebol.
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REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei 9.615, de 24 de março de 1998 (Lei Pelé). Institui normas gerais sobre
desporto e da outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9615consol.htm Acesso em: 07/11/2024.
BECKER, Keiffer. FIFA 20 (Electronic Arts) e o licenciamento dos jogadores dos times
brasileiros. JusBrasil. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/fifa-20-electronic-arts-e-o-licenciamento-dos-jogadores-dos-times-brasileiros/816334547 acesso em: 08/11/2024.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial
da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em 08/11/2024.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 08/11/2024.
CAETANO, Ricardo. EA perde ação milionária na justiça brasileira por uso indevido de imagem de jogadores em FIFA. Disponível em: https://www.espn.com.br/esports/artigo/_/id/5496471/ea-perde-acao-milionaria-na-justica-brasileira-por-uso-indevido-de-imagem-de-jogadores-em-fifa. Acesso em 07/11/12024.
CELSO, Igor. eFootball 2024 é lançado com times brasileiros genéricos. Disponível em:
https://ge.globo.com/esports/pes/noticia/2023/09/08/efootball-2024-e-lancado-com-
times-brasileiros-genericos.ghtml Acesso em: 08/11/2024.
COCCETRONE, Gabriel. Entenda por que FIFA 22 terá times brasileiros com jogadores
genéricos. Disponível em: https://leiemcampo.com.br/entenda-por-que-fifa-22-tera-times-brasileiros-com-jogadores-genericos/ Acesso em: 08/11/2024.
DIAS, Jacqueline Sarmento. O direito à imagem. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.
GIL, Amanda. Ibrahimovic x Fifa 21: entenda tudo sobre o direito de imagens dos atletas.
Disponível em: https://www.metropoles.com/esportes/futebol/ibrahimovic-x-fifa-21-
entenda-tudo-sobre-o-direito-de-imagens-dos-atletas Acesso em: 08/11/2024.
GUGELMIN, Felipe. PlayStation: veja os games mais jogados no Brasil e outros países. Disponível em: https://www.tecmundo.com.br/voxel/275498-playstation-veja-games-jogados-brasil-outros-países.htm. Acesso em 08/11/2024.
MIHICH, Luiz Felipe Salem. O USO DA IMAGEM DE ATLETAS EM GAMES: OS
DESAFIOS NO BRASIL. Disponível em: https://ibdd.com.br/o-uso-da-imagem-de-
atletas-em-games-os-desafios-no-brasil/?v=19d3326f3137 Acesso em: 12/09/2024
ROCHA, Daniela. Ainda pequena, indústria de games no Brasil começa a “virar jogo” no cenário global. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/business/ainda-pequena-industria-de-games-no-brasil-comeca-a-virar-jogo-no-cenário-global/. Acesso em: 08/11/2024.
[1] ROCHA, Daniela. Ainda pequena, indústria de games no Brasil começa a “virar jogo” no cenário
global. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/business/ainda-pequena-industria-de-
games-no-brasil-comeca-a-virar-jogo-no-cenario-global/ Acesso em: 08/11/2024
[2] GUGELMIN, Felipe. PlayStation: veja os games mais jogados no Brasil e outros países. Disponível
em: https://www.tecmundo.com.br/voxel/275498-playstation-veja-games-jogados-brasil-outros-paises.htm Acesso em: 08/11/2024.
[3] COCCETRONE, Gabriel. Entenda por que FIFA 22 terá times brasileiros com jogadores genéricos.
Disponível em: https://leiemcampo.com.br/entenda-por-que-fifa-22-tera-times-brasileiros-com-jogadores-genericos/ Acesso em: 08/11/2024.
[4] CELSO, Igor. eFootball 2024 é lançado com times brasileiros genéricos. Disponível em:
https://ge.globo.com/esports/pes/noticia/2023/09/08/efootball-2024-e-lancado-com-times-brasileiros-genericos.ghtml Acesso em: 08/11/2024.
[5] GIL, Amanda. Ibrahimovic x Fifa 21: entenda tudo sobre o direito de imagens dos atletas. Disponível
em: https://www.metropoles.com/esportes/futebol/ibrahimovic-x-fifa-21-entenda-tudo-sobre-o-
direito-de-imagens-dos-atletas. Acesso em: 12/09/2024.
[6] CAETANO, Ricardo. EA perde ação milionária na justiça brasileira por uso indevido de imagem de
jogadores em FIFA. Disponível em: https://www.espn.com.br/esports/artigo/_/id/5496471/ea- perde-acao-milionaria-na-justica-brasileira-por-uso-indevido-de-imagem-de-jogadores-em-fifa. Acesso em: 07/11/2024
[7] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano
material, moral ou à imagem;
(…)
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito
a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
(…)
XXVIII – são assegurados, nos termos da lei:
- a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz
humanas, inclusive nas atividades desportivas;
[8] Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da
ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou
a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da
indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se
destinarem a fins comerciais.
[9] BECKER, Keiffer. FIFA 20 (Electronic Arts) e o licenciamento dos jogadores dos times brasileiros.
JusBrasil. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/fifa-20-electronic-arts-e-o-
licenciamento-dos-jogadores-dos-times-brasileiros/816334547 acesso em: 08/11/2024.
[10] Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.
[11] Art. 87-A. O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo.
Parágrafo único. Quando houver, por parte do atleta, a cessão de direitos ao uso de sua imagem para a entidade de prática desportiva detentora do contrato especial de trabalho desportivo, o valor correspondente ao uso da imagem não poderá ultrapassar 40% (quarenta por cento) da remuneração total paga ao atleta, composta pela soma do salário e dos valores pagos pelo direito ao uso da imagem.
[12] BECKER, Keiffer. Op. Cit.
[13] Idem